Pobres do mundo, uni-vos!!!
11/09/2005
- Opinión
O filósofo argentino Enrique Dussel já ensinou que só há um pré-suposto ético
universal: a vida do pobre. Ele diz que este deve ser o parâmetro a “sulear”
(direcionar para o sul) qualquer de nossas ações. O pobre, o caído, o oprimido,
o massacrado, o excluído da vida digna. Para Dussel, a vítima é real, e
precisa do gesto ético. Isso vale tanto para quem vive em Florianópolis quanto
para os viventes da Malásia ou da Sibéria. O pobre, diz Dussel, está perdido e
sozinho na dor. Precisa de que as mãos se estendam e o amparem, não como um
gesto caridoso de musculação de consciência burguesa, mas como um compromisso
real, verdadeiro.
O grito ético de Dussel parodia um outro, dado no século XIX, quando Marx e
Engels bradaram, num tempo de nascimento do capitalismo: trabalhadores do
mundo: uni-vos. Hoje, no 2005, o grito que se faz necessário é: pobres de todo
mundo: uni-vos. E qualquer um que veja televisão sabe o motivo. A tragédia em
Nova Orleans desvelou para o mundo o quanto os ricos e poderosos estão se
lixando para os pobres. Nenhum discurso poderia ser mais contundente quanto o
ato que foi praticado naquela cidade de maioria negra. Ameaçado pelo furacão,
o governo estadunidense lançou o alerta de aviso para os seus iguais: os
brancos e ricos. “Salve-se quem puder”, disseram as mensagens oficias. Quem
teve carro e dinheiro para sair da cidade se foi. Os pobres, os desvalidos, os
deserdados, sem dinheiro e sem vale-avião tiveram de ficar. E ali estiveram
abandonados às águas, à doença, à morte. Os que sobreviveram agora são vistos
como um “entrave problemático” na vida feliz do Texas.
Os pobres dos Estados Unidos viram e sentiram na pele a dor de ser largado à
própria sorte, coisa que os soldados estadunidenses fazem todos os dias nos
cantões do mundo que ocupam com suas armas e botas. Assim são deixados os
pobres do Afeganistão, do Iraque, da Colômbia, de Granada, da Palestina, do
Paraguai e de tantos outros países. Os ricos pegam suas famílias, seus
cachorros, suas jóias, e se mandam, protegidos. Os pobres ficam entregues à
tragédia. É assim em qualquer lugar. Seja onde os estadunidenses invadem com
tropas e bombas, seja onde invadem com políticas econômicas predadoras e
acordos comerciais espúrios. O país de Bush é um Midas às avessas: tudo o que
toca vira dor.
Na África, todos os dias são dias de furacão. Ali grassa a doença, a fome, a
dor, a miséria humana. O grande continente, ocupado, dividido e devastado pelo
poder europeu, até hoje não se levantou. Lá, milhões de pobres vivem o
desespero do abandono, morrendo como moscas sem que nenhum helicóptero
salvador aponte no horizonte. E, quando vem é para trazer mais desgraça. A
“grande esperança branca” - sempre humanitária nos filmes de Hollywood – é, na
verdade, predadora e selvagem. Na África, os poderosos matam os pobres em nome
de diamantes, minerais e marfim. A vida do pobre vale nada. A vida vive de
teimosa.
E assim é em todo o planeta. Basta que se passe numa livraria qualquer e se
pegue o livro do fotógrafo Sebastião Salgado chamado Êxodus. Nele está exposta,
através de cruas imagens congeladas, a vida do pobre, do migrante, do que
precisa andar pelo mundo em busca de um naco de pão. Do que está abandonado,
perdido, assustado, quase perdido de sua humanidade.
Mas, nem mesmo diante de tanta dor o mundo burguês se compadece. Na Europa,
meninas queimam prédios onde vivem negros africanos fugidos da fome. Em Paris
queimam os argelinos que procuram um lugar para viver em paz. Queimam índios
em Brasília, por pura brincadeira com um “desigual”. A vida do pobre é nada.
Aqui, na Índia, no Senegal, no Alaska.
Então, o nosso desafio aí está: estar com o caído, caminhar com ele, promover
a vida de quem está perdido. Não em condolência. O pobre não precisa da pena
de ninguém. O que os pobres precisam é do compromisso e da visão. Compromisso
de quem - embora pobre - ainda tem o básico para viver, e visão para si mesmo.
No outro – irmão - pode encontrar um braço de amparo e possibilidade de
emergir. Mas, o mais importante é a visão. Poder ver que, unidos, são maioria
e podem vencer qualquer dor. E, assim, juntos, poderemos construir o mundo
socialista, aquele em que todos terão direito a vida digna, com riquezas
repartidas e felicidade. Esse é nosso compromisso ético. Assim será!
- Elaine Tavares - jornalista
https://www.alainet.org/pt/articulo/112922?language=en
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