O Manual de redação e estilo Dad Squarisi

26/09/2005
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Via de regra, e nos perdoem os conhecedores do chavão, via de regra os manuais de redação prometem tudo. “Auxiliar as pessoas a escrever com fluência, respeitando as regras da língua portuguesa e, ao mesmo tempo, adotando o tom coloquial que facilita o entendimento da linguagem escrita por parte de todos os que são levados a ler textos, independente de escolaridade ou especialização”, independente de qualquer cuidado, promete-nos um deles. Com tais maravilhas, se prometessem um tapete voador, prometeriam menos. Porque escrever com fluência e em estrito respeito às regras da língua e em tom coloquial e de tal maneira que todos, todos, todos compreendam, se é possível tal encanto, ele jamais será conseguido a partir das luzes de um manual de redação. Os manuais de redação da grande imprensa, porque mais preciosos e utópicos, na maioria se chamam de Redação e Estilo. Eles mais que prometem. O manual de O Estado de São Paulo dispõe que o redator seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. Isto numa só frase, no manual. E em todas as frases, para o redator do Estadão. O da Folha de São Paulo não muda muito, nessa cadeia de cópia que os manuais possuem, como se fossem dicionários: o texto, determina a Folha, deve ser claro e direto. Deve ser exato e conciso. E mais, prescrevem estes e todos os jornais: o texto deve estar redigido em nível intermediário, ou seja, utilizar-se das formas mais simples admitidas pela norma culta da língua; que os parágrafos e frases sejam curtos e que cada frase contenha uma só idéia; que verbos e substantivos, etc., etc. O resultado, pelo que lemos todos os dias, é sabido. Mas longe está do sábio. O Manual de redação e estilo Dad Squarisi Feito esse nariz-de-cera, ou dizendo melhor, para evitar feito ambíguo, realizado esse nariz-de-cera, vejamos em que difere dos outros o “Manual de redação e estilo” escrito por Dad Squarisi. Em conteúdo, no miolo mesmo, quase nada. Ah, mas na capa, sim. Falar sobre ela, a capa, geraria todo um novo nariz-de-cera. Os manuais dos jornais, lembremos rápido e esqueçamos a rima, sempre estiveram vinculados ao nome dos jornais. Essa coisa óbvia muda, e fala na transformação, com o novo Manual Dad Squarisi. Ah se o atrevido que lhes fala não desconhecesse também as artes de um designer, com o devido perdão do estrangeirismo! Se tal insuficiência não tivesse, então surgiria para todos uma capa em que o nome da empresa jornalística ocupa um modesto cantinho à esquerda, abaixo, azul no lilás, quase num estrangeiro flash subliminar. Mas tudo de forma fashion, como diria um colunista social. Mui elegante. Ela, a capa, destaca mais a autoria da jornalista que a empresa. E isto é mais que um hiato, de produção e designer. Ela, a autora, está longe de um hiato - é um nome reconhecido além da empresa dos jornais Associados, com sua coluna, dela, Dad Squarisi, de regras do certo e do errado na língua portuguesa, sempre escritas de forma bem- humorada, dir-se-ia até com a pena da galhofa, sem a tinta da melancolia. Talvez por isto o seu nome seja o de um Manual que em circunstâncias outras deveria ressaltar o nome dos Associados. Talvez, e tal vez aqui significa não enfiar muito a cabeça na boca escancarada do leão. Ao livro Ao trabalho. O Manual de redação e estilo por Dad Squarisi é um livro de 323 páginas que para o grande público tem menos de 100. Explicamos por quê. Composto por uma Apresentação, mais um “Vender o peixe” (apresentação da notícia), mais “Preparar o peixe” (elementos do estilo), mais “Embalar o peixe” (padronização), um S.O.S. (pronto-socorro gramatical) e Anexos, ele inclui até a história de pioneirismo dos Associados. Que é uma história de grande interesse, e de patrocínio, reconheçamos. Agora somem e subtraiam. Retiradas as páginas em branco, e as informações especializadas, que transcrevem matérias inteiras para ilustrar as definições brevíssimas do que é Artigo, “opinião de especialista sobre o assunto em pauta”, Texto-legenda, etc., etc., menos a Padronização, as normas das publicações dos Associados, os Anexos, que relacionam pleonasmos, tribos indígenas, siglas, países e Código de Ética, sobra o quê? – Setenta e cinco páginas de S.O.S. gramatical e doze de Elementos do estilo. Bueno, espanholismo, se não se tem uma boa gramática ou dicionário, o S.O.S. salva o sorriso: nada como o conhecimento de que AAS é sigla do ácido acetilsalicílico. Os elementos do estilo É claro que elemento aqui nada tem a ver com marginal, delinqüente. Os elementos são partes essenciais (e que parte não é essencial, não é, amigos?) de um todo. Dad Squarisi remete, logo na abertura, a um clássico: “Montaigne, há 400 anos, disse que o estilo deve ter três virtudes”: clareza, clareza e clareza. Sim, mas como chegar lá? “Primeiro requisito: seja natural. Imagine que o leitor esteja à sua frente conversando com você”. Bueno, se não se imagina que tipo de leitor temos à nossa frente, a naturalidade está perdida. Mas não esmoreçamos. “Segundo requisito: seja gentil. Fuja do nariz-de-cera”. A próxima. “Terceiro requisito: seja leve. Não canse o leitor. Nem o obrigue a ter o dicionário ao lado”. Mas se o leitor tem um vade-mécum ao lado, como o Manual de redação e estilo por Dad Squarsi, qualquer texto pesado é leve. Então entramos no reino dos preceitos recomendados por especialistas, depois de longos anos, observação e canseiras. “Clareza e precisão – qualidades essenciais do estilo – têm íntima relação com as palavras”, sim, mas ... “ Buscar o vocábulo certo para o contexto é trabalho árduo. Consultar dicionários, textos especializados”, como um certo Manual de redação e estilo, “deve fazer parte da rotina do repórter”. Sim, mas ... “Para atingir o objetivo, o repórter percorre três trilhas. A primeira passa pelo vocabulário. A segunda, pela frase. A última, pelo texto”. Maior clareza, do éter, impossível. Adiante, não percamos a esperança, porque já entramos. As três trilhas (e alguns acidentes) Na trilha das palavras, o melhor começo é o das simples e curtas, amigos. “Entre dois vocábulos, fique com o mais curto. Entre dois curtos, o mais simples. Fuja dos antipáticos e pretensiosos”. Já se vê, os vocábulos surgem como entes autônomos, independentes, eles não vêm por necessidade interna do texto. São pessoas, pior, monstros ou santos. Ao antigo derramamento oco, retórico, opõe-se uma estatística gerada por vocabulário norte-americano. Adiante. “Substantivos e verbos são a roupa e o sapato da frase. As demais classes gramaticais, os acessórios. Escreva com a convicção de que no idioma só existem nomes e verbos....”. Acreditamos haver uma lei que proíbe qualquer comentário a um trecho assim. Mas a quem escreve não é dado o direito do silêncio. Por isto, anos de observação e canseiras, reflitam por favor: todo o homem, todo homem pensa em verbo, ainda que disto não se dê conta. Até mesmo a interjeição, até mesmo os mais primitivos e elementares substantivos são momentos de síntese do universo que não teve tempo ou momento de expansão. É próprio, no entanto, do escrever, do expor o pensamento, a decomposição, para do seu conjunto compor. Então vêm os acessórios, fundamentais, para cimentar e erguer castelos e moinhos de papel. Mas esqueçamos tal acidente, e passemos ao largo das recomendações sobre uso de Adjetivos, Advérbios, Estrangeirismos, Politicamente correto, e paremos um pouquinho só no parágrafo da Voz Ativa. “Dizem que o brasileiro dá uma boiada para não assumir um compromisso. A voz passiva lhe presta uma senhora ajuda. O agente fica lá atrás ou nem aparece. Resultado: a declaração fica frouxa, flácida e desbotada. Melhor partir pra ativa. Ela é mais direta, vigorosa e concisa que a passiva”. Olhem, mais não cito porque não tenho scanner, esse estrangeirismo. Pero espanholismos e conjunções antigas me socorram: A superioridade da voz ativa sobre a passiva é uma burrice repetida há gerações em periódicos daqui e do exterior. Imaginem algo como “O rio passa a cidade como um cachorro passa por uma rua”. Banal, não? Agora mudem: “A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro”. A superioridade, que há, reside agora na voz passiva. Temos um pensamento luminoso de poesia na segunda expressão. E o motivo não reside somente de que estamos falando de um poema, que na prosa, que na comunicação, nos jornais, seria diferente. A razão é outra. Acompanhem, por favor: quando dizemos, ou queremos dizer algo, selecionamos o que merece ênfase, o que deve avultar diante dos ouvidos e do espírito de quem nos lê e ouve. Quando alguém escreve, ou diz, “Aquela mulher foi amada por mim”, ele quer apontar, dar ênfase àquela mulher, sim, a que causa admiração, aquela mesma, que recebeu o seu amor. Seria diferente, aos ouvidos e alma do ouvinte, se ele dissesse, “Eu amei aquela mulher”. Nesse caso, o idiota, em voz ativa, chamaria a atenção para a própria pessoa, e não traria ao espírito o mesmo grau de paixão que houve naquele tempo, e que, talvez, resista ainda hoje. Pior, poderia até deixar a impressão de que amou aquela senhora sem que disso ela soubesse. É claro que em muitos casos a voz ativa é melhor, e mais adequada, e mais eloqüente que uma construção passiva. Ninguém dirá, por exemplo, “O senhor será morto por mim”, num momento de fúria, de explosão de raiva. Diz-se, “Vou matá-lo”, ou melhor, ou pior, nada se diz, faz-se. Mas imaginem um indivíduo vingativo, daqueles que alimentam a própria vingança com leite e doces, que nessa vingança se compraz, como o delinqüente cassado nesses dias. Ele dirá, com mais eloqüência e sabor aos ouvidos de quem odeia: “O senhor será morto por mim”, a sorrir, para os distantes do cochicho. O que não se pode, e aí e aqui e lá repete-se a burrice universal, é tornar absoluto um modo e nuança de expressão. Se as pessoas, se os redatores escrevessem com o apertar de um botão, como se máquinas fossem, well and y bueno, os verbos somente seriam escritos na voz ativa, porque mais estúpido e mais simples. Bush é morto no Egito As exigências para o estilo, não somente neste, mas em todo e qualquer manual normativo, terminam por ser um puro ato de vontade. Os manuais de redação orientam, desorientam, recomendam, determinam que o estilo deve ter clareza, clareza e clareza, mas, claro, jamais conseguirão o impossível, abrir a porta que nos leve a esse reino de luz. Como não conseguem tamanha impossibilidade, tacam regras, salgam, pagam regras e fórmulas. Como aqui, em Dad Squarisi: “O termo mais curto (com menor número de sílabas) deve preceder o mais longo”. Suspiraram em dó menor? Ou melhor: Em dó menor suspiraram? Há mais, amantes da frase: “Outro aliado da harmonia é o truque do três. Ninguém sabe por quê. Mas trios bajulam os ouvidos. Pai, Filho e Espírito Santo formam a Santíssima Trindade. Liberdade, igualdade e fraternidade são os lemas da Revolução Francesa...”, e como ela nada diz dos Dez Mandamentos de Jeová, de Ordem e Progresso, de Pão e Circo, ou de Vou e Volto, acrescenta três exemplos, dos quais cito a desarmonia de um : “Vamos trabalhar com afinco, vontade e competência”. Imagine o leitor o pobre do repórter na hora augusta e angustiosa do texto, na urgência miserável da hora, enquanto soam as trombetas da madrugada na redação. Como escrever, por onde ir na selva escura do três? E uma férula, e uma fera, e um chicote da editora a brandir, clareza, clareza e clareza. Voz ativa, senhores, frase curta, meninos, forma positiva, senhoras, verbos de dizer não são verbos de sentir, senhoritas. Se alcançarem e já viram semelhante quadro, então compreendem o resultado que lêem todos os dias nos jornais. E perdoam e perdoarão o mártir, o repórter. Ah, por fim, a razão do intertítulo Bush é morto no Egito: é só vontade, é puro desejo de quem jamais escreverá um Manuel de Redação e Estilo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/113065

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