Carta da Terra: novo reencantamento?
16/12/2005
- Opinión
É de todos sabido que a sociedade mundial vive no olho de uma incomensurável crise de sentido e de falta de rumo histórico. Não sabemos para onde vamos. Os sonhos e as utopias morreram, o que tem deixado as sociedades e as pessoas sem fundamento. Somos entregues ao sistema econômico dominante que de tudo faz mercadoria, regendo-se por feroz competição e não por laços de cooperação.
Há dois pensadores que nos ajudam a entender esta crise, Max Weber e Friedrich Nietzsche. Weber caracteriza a sociedade moderna pelo processo de secularização e pelo desencantamento do mundo. Não que as religiões tenham desaparecido. Elas estão ai e até voltam com renovado fervor. Mas não são mais elo de coesão social. Agora predominam a produção e a função e menos o valor e o sentido. O mundo perdeu seu encanto. Nietzsche anunciou a morte de Deus. Mas há que se entender bem Nietszche. Ele não diz que Deus morreu, senão que nós o matamos. Quer dizer: Deus está socialmente morto. Em seu nome não se cria mais comunidade nem se funda coesão social.
Por milhares de anos era religião que ligava e re-ligava as pessoas e criava o laço social. Agora não é mais. Isso não significa que agora impera o ateismo. O oposto à religião não é o ateismo mas a ruptura e a quebra da relação. Hoje vivemos coletivamente rompidos por dentro e desamparados. Praticamente nada nos convida a viver juntos e a construir um sonho comum. Entretanto, a humanidade precisa de algo que lhe confira um sentido de viver e que lhe forneça uma imagem corente de si mesma e uma esperança para o futuro.
É neste contexto que deve ser vista a Carta da Terra, documento nascido das bases da humanidade. Já foi assumida pela Unesco no ano 2000 e a idéia é que seja incorporada pela ONU à Carta dos Direitos Humanos. A Carta da Terra reúne um conjunto de visões, valores e princípios que podem reencantar a sociedade mundial. Coloca em seu centro a comunidade de vida à qual pertencem a Terra e a Humanidade que são momentos do universo em evolução. Todos os problemas são vistos interdependentes, os ambientais, os sociais, os econômicos, os culturais e os espirituais, obrigando-nos a forjar soluções includentes.
O desafio que a situação atual do mundo nos impõe é este segundo a Carta: ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou então arriscar a nossa destruição e a devastação da diversidade da vida.
Dois princípios visam viabilizar esta aliança: a sustentabilidade e o cuidado. A sustentabilidade se alcança quando usamos com respeito e racionalidade os recursos naturais pensando também nas futuras gerações. E o cuidado é um comportamento benevolente, respeitoso e não agressivo para com a natureza, que permite regenerar o devastado e zelar por aquilo que ainda resta da natureza, da qual somos parte e com um destino comum.
Estes dois princípios fundam como diz a Carta da Terra um modo de vida sustentável. Eles permitem um desenvolvimento que atenda as necessidades de todos os seres vivos e ao mesmo tempo garanta a integridade e a capacidade de regeneração da natureza.
Devemos viver um sentido de responsabilidade universal. O futuro da Terra e da Humanidade está agora em nossas mãos.
- Leonardo Boff é Teólogo
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