OMC: nem Estados Unidos, União Européia, ou G-20, mas sim todo o contrário
16/12/2005
- Opinión
Já que a Organização Mundial do Comércio (OMC) está reunida para a sua 6ª Conferência Ministerial em Hong Kong, vale a pena revisar as posições que dizem respeito à agricultura. Há uma preocupante tendência nos meios de comunicação e por parte das grandes ONGs, que dizem falar "em nome" da sociedade civil (como por exemplo, a Oxfam), de apresentar uma visão maniqueísta da questão. Por um lado, os vilões da história: Estados Unidos e União Européia, que seguem defendendo seus interesses neocoloniais de explorar os mercados dos países do Sul, sem expor seus próprios mercados aos riscos do comércio livre. Por outro lado, os mocinhos: o governo Lula, do Brasil, o da Índia, África do Sul e China, líderes do chamado G-20, identificados como defensores dos países pobres. Entretanto, este quadro não apresenta todas as posições em jogo. Mostra sim uma falsa bondade por parte do G-20, que na verdade não são é nada altruístas e deixa de fora as posições mais contundentes na defesa das áreas rurais do mundo, expressados timidamente por outros países, estes sim, pobres; e de maneira contundente pelos movimentos sociais, liderados pela Via Campesina.
Levando em consideração pelo menos três posições importantes, vamos começar pela dominante. As políticas setoriais e comerciais para agricultura e alimentação, tanto nos Estados Unidos como na União Européia, são políticas desenhadas para incentivar a agroexportação a qualquer custo. Os principais beneficiados são as transnacionais como Cargill, ADM e Conagra, nos Estados Unidos e Nestlé e Parmalat na Europa. Os governos dos dois blocos mantêm grotescos programas de subsídios que fomentam a superprodução e a exportação a custos baixos, muitas vezes sob o custo de produção, a conhecida prática do dumping. Os subsídios se pagam quase que exclusivamente aos grandes produtores, deixando os agricultores familiares sem possibilidades de continuar produzindo em um mercado caracterizado por preços miseráveis. O dumping prejudica os camponeses locais dos países receptores das exportações desleais, que se vêm impossibilitados de competir com os produtos mais baratos que invadem os mercados locais. Além disso, os países do Norte jamais aceitaram abrir seus mercados para as importações nos mesmos termos exigidos dos outros países.
As nações do G-20 são quase todas grandes agroexportadoras e/ou com grande potencial agroexportador. Suas posições, que se ajudaram a trancar as negociações com a OMC em Cancún em 2003, e agora em Hong Kong, não representam, em si uma melhora sobre as posturas dos Estados Unidos e União Européia. De fato, o que estas nações buscam é abrir um mercado para si na mesa dos grandes, onde, ao lado de Estados Unidos e União Européia possam também invadir os mercados locais com produtos baratos produzidos por suas próprias elites agroexportadoras. Vejamos como exemplo o caso de Moçambique, cuja agricultura está em colapso total graças à um acordo comercial que permite à África do Sul invadir seu mercado com produtos baratos, forçando o êxodo massivo no campo moçambiquenho. Vemos a Venezuela e os países do Mercosul, sendo invadidos por produtos brasileiros que prejudicam a agricultura local. Vemos a Tailândia, onde mais de 100 mil famílias camponesas foram expulsas do campo, em menos de um ano, depois da assinatura de um acordo de livre comércio com a China. As demandas do G-20 de subsídio zero e de maior abertura de mercados, não desafiam o sistema de livre comércio, do qual suas elites é que são beneficiadas. O que eles querem é uma igualdade entre os grandes agroexportadores, com um acesso igual para seus produtos nos mercados do Norte. Em outras palavras: querem um livre comércio mais perfeito.
Para os camponeses e camponesas do mundo, tanto nos países do Sul como nos do Norte, o livre comércio é uma sentença de morte. Pouco importam se as importações de produtos sucateados que os expulsam do campo têm sua origem nos Estados Unidos, Europa, China ou Brasil. E para os mesmos camponeses do Brasil, África do Sul e China, não lhes convém que seus países exportem mais, já que estas exportações não tem sua origem na classe camponesa, mas das grandes plataformas de agroexportação, do latifúndio industrializado, que cresce e tira os camponeses de suas terras ancestrais, tanto no Norte como no Sul. Os dados mais recentes mostram que nos Estados Unidos, 4 mil famílias camponesas perdem sua terra por semana e na União Européia, uma família camponesa é arrasada a cada três minutos. É por isso que os camponeses e camponesas de todo o mundo, reunidos na Via Campesina (www.viacampesina.org), têm uma demanda principal: OMC (e outros acordos comerciais) fora da agricultura e da alimentação! Como enfatizou com sua vida o líder camponês coreano Lee Kyung Hae, em Cancún, antes de cometer o suicídio: A OMC mata camponeses. É por isso que a Via Campesina não apóia nem as propostas do bloco Estados Unidos/União Européia, nem as do G-20, mas sim todo o contrário.
* Peter Rosset é investigador do Centro de Estudos para a Mudança no Campo Mexicano (CECCAM) e co-coordenador da Rede de Investigação Ação sobre a Terra. (www.acciontierra.org)
https://www.alainet.org/pt/articulo/113861
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