Povo equatoriano luta contra o TLC
20/03/2006
- Opinión
Enquanto no Brasil as gentes se preparam para mais uma edição da Copa do Mundo visando o hexacampeonato, em outros países da América Latina, a luta se faz, renhida e sangrenta. No Equador, por exemplo, o povo mais uma vez está nas ruas em manifestações gigantescas de protesto contra assinatura do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. No ano passado, essa batalha pela soberania acabou com a queda do presidente Lucio Gutierrez. Os povos originários, na sua maioria, foram os que comandaram a ação, fechando estradas, realizando “paros” (paralisações gerais), ocupando órgãos públicos. Ao final de semanas de guerra campal, as gentes aceitaram a tese de que deveriam deixar a “democracia” seguir o seu curso e o vice de Lucio, Alfredo Palacio assumiu a presidência no que os movimentos chamam de “governo transitório”. Uma das tarefas desse novo governo era respeitar o desejo do povo equatoriano, e o povo não quer o TLC. Mesmo assim, passados alguns meses, o presidente voltou a negociar com os EUA.
A conversa que emana do Estado é de que o povo não precisa se preocupar, porque “nada no acordo vai prejudicar o Equador”. Por outro lado, existe uma cláusula de confidencialidade que impede que os resultados das negociações sejam divulgados. Segundo o jurista Augusto Tandazo, mais de 90% do tratado já está fechado e ninguém sabe o que acontece atrás das postas do poder. Ora, escolados na vida real, os equatorianos bem sabem – como já alertava José Martí – que nenhum acordo feito com os Estados Unidos pode resultar em coisa boa para as gentes. Além disso, o governo tampouco caminha na direção de mudanças concretas, emancipatórias. Pelo contrário. As empresas petroleiras multinacionais seguem sendo protegidas, como é o caso da OXY, denunciada centenas de vezes pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). O ministro da Economia nomeado pelo presidente é um grande empresário do ramo de flores - mais importante produto de exportação do país e maior beneficiado no TLC - e mais da metade do orçamento do Equador é destinado ao pagamento da dívida externa. Dívida essa que o povo não escolheu fazer, portanto, injusta, tal como já mostrou teoricamente o historiador argentino Alejandro Olmos Gaona, no livro a Dívida Odiosa. Assim, todos os compromisso firmados por ocasião da rebelião que depôs Gutierrez não estão sendo cumpridos. Não há investimento no social e o governo assume todas as características de um Estado neoliberal.
Em função disso tudo, o país vive outra vez uma onda de protestos. A população quer respostas aos acordos firmados com as gentes do Equador. Na última semana, liderados pela CONAIE, o povo realizou uma série de manifestações em praticamente todas as regiões, fazendo bloqueio das estradas e promovendo caminhadas que chegaram a reunir mais de 50 mil pessoas em algumas das grandes cidades. Muitos dos protestos foram reprimidos violentamente. Em Quito, estudantes secundaristas foram rechaçados à bala, com os policiais cobrindo o rosto para não serem identificados. Também os camponeses, no interior, tiveram de enfrentar a força policial armada, em duros conflitos regados a balas e gás lacrimogêneo. Mulheres, crianças e velhos não são respeitados, há gente ferida e muitos estão presos, conforme relatam os comunicados da CONAIE.
Apesar de tudo, as gentes não desistem da luta. A intenção dos manifestantes é fazer com que o governo equatoriano suspenda imediatamente qualquer negociação relacionada ao TLC. A idéia é fazer com que não haja segredos sobre o que está sendo discutido, que a população possa saber os termos das conversas, as conseqüências para o povo do Equador e, a partir daí, decidir soberanamente em uma Consulta Nacional se quer ou não a assinatura do tratado. Conforme clamam os informes da CONAIE, uma decisão tão visceral como esta não pode prescindir da vontade popular. Segundo os manifestantes, a população tem o direito constitucional de saber o que é que está sendo negociado e decidir sobre isso.
Os camponeses, representantes dos povos originários, estudantes, intelectuais e toda a sorte de movimentos populares insistem em pontuar a possibilidade de outras alternativas para a economia equatoriana, muito mais vantajosas e seguras que o TLC com os estadunidenses. Eles lembram da Alternativa Bolivariana para as América, capitaneada pelo presidente Hugo Chàvez, da Venezuela, o MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações, todas elas de caráter popular e nacionalista, que visam o desenvolvimento real das gentes e não só de uma meia dúzia de empresários ou oligarcas locais. São alternativas de soberania e dignidade, defendem.
O governo de Palácio, além de enfrentar os protestos com a mesma velha tática da violência e da repressão, se faz surdo ao som das ruas e das gentes. Tão surdo que os jornais de hoje no Equador anunciam que esta semana, sexta-feira, haverá uma “ronda” final de negociação, com os representantes equatorianos já em viagem para Washington. Os dirigentes estatais dizem que a CONAIE está querendo levar o país ao caos, “desestabilizando a democracia” e afirmam que tudo já está em paz, posto que foram liberados 32 milhões de dólares para as autoridades locais usarem em obras de infra-estrutura. Isso seria risível se não fosse a completa declaração de cegueira política ou, pior, uma política deliberada de capitulação ao poder do capital e do império, coisa que derrubou Gutierrez.
O certo é que o movimento popular organizado do Equador não vai se contentar com os 32 bilhões de dólares para infra-estrutura, porque, afinal, não é isso que está em jogo. O que os manifestantes querem é uma ação firme contra a petroleira estrangeira OXY, acusada de quebrar todos os contratos no que diz respeito à extração do petróleo na região amazônica, a suspensão das negociações sobre o TLC e a convocação de uma Assembléia Geral Constituinte. Sem isso, as mobilizações seguem. Para esta segunda feira está planejada uma marcha sobre Quito, a capital. Centenas de pessoas já estão concentradas na periferia, vindas de várias regiões, e devem se juntar aos manifestantes locais. Além disso, os bloqueios nas estradas vão continuar.
O Equador ferve outra vez na luta pela sua soberania, na defesa dos recursos naturais e de uma vida feliz para todos. Nas ruas, o povo entrega tudo o que lhe resta: a própria vida. Nos palácios, os dirigentes da classe dominante insistem no discurso de que “são uns poucos desordeiros”. Mais uma queda de braço neste espaço do mundo em que revolução é palavra que anda, embora ainda não tenha conseguido terminar com o povo mesmo no poder. Cabe a nós, nesta parte irmã, observar, cuidar e apoiar a luta daqueles que insistem em ver o Equador livre, soberano e com riquezas repartidas. Esta será uma semana de luta.
- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação das lutas populares na América Latina. www.ola.cse.ufsc.br
https://www.alainet.org/pt/articulo/114641?language=es
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