Raízes de uma rebelião

20/04/2006
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Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar, nem completara trinta anos quando aportou no Brasil, em 1716, e em julho do ano seguinte assumiu o governo da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Passou a residir na Vila do Ribeirão do Carmo (atual Mariana), primeira capital de Minas. Pascoal da Silva Guimarães, patrício do conde, conspirava contra o governo. Mascate, queria para si todo o Morro do Ouro Podre, em Vila Rica, no qual morava. Aferroou-se de tal modo ao domínio da área, que ela passou a ser conhecida como Morro do Pascoal. Na noite de 28 de junho de 1720, em Vila Rica, sediciosos atacaram a casa do ouvidor-geral, Martinho Vieira de Freitas. O plano era assassiná-lo mas, prevenido, ele se refugiara numa ermida. Ao não encontrá-lo, saquearam a propriedade e confiscaram os livros da Fazenda Real. À frente dos insubordinados estavam Pascoal da Silva Guimarães; o almocreve Felipe dos Santos, natural do Reino; o sargento-mor de batalha Sebastião da Veiga Cabral; o padre André Pereira Lobo; e Manuel Mosqueira da Rosa, ex-ouvidor de Vila Rica. No mês seguinte, os sediciosos, juntados numa turba de mais de mil homens, ocuparam a Vila do Carmo e exigiram do governador não abrir as Casas de Fundição e comparecer em Vila Rica para conceder o perdão aos insurrectos que tentaram matar o ouvidor. O governador já tendia a empreender a viagem quando segredaram-lhe o risco de cair em emboscada. Irado, arguiu que o perdão não podia brotar de sua pena, e sim do juízo de Sua Majestade. Porém, tanto insistiram que o conde acabou por remeter a Vila Rica, com a anistia, o sargento Lessa e, para refrear os espíritos, o padre José Mascarenhas. A dupla foi recebida a bacamartes. O governador ainda tentou aplacar a ira dos revoltosos adiando a instalação das Casas de Fundição e propondo-se a advogar, junto a Sua Majestade, a revogação da lei dos quintos. A 2 de julho, 1.500 revoltosos, liderados por Felipe dos Santos, marcharam de Vila Rica a Vila do Carmo. O bando pretendia assaltar o palácio e arremeter o conde desta para melhor. A Companhia dos Dragões perfilou-se em torno do palácio e o governador enviou um emissário, com o estandarte real, de modo a conter a turba. A este foi dito que não se almejava promover desordens, tão-somente ouvir de viva voz a anistia concedida aos sediciosos. Pressionado, Assumar assinou o edital do perdão e prometeu reverter a decisão real de se construir as Casas de Fundição, pois não era de interesse dos naturais que o ouro fosse ali controlado pelos portugueses. Nova sublevação ocorreu a 6 de julho em Vila Rica. Corria à boca solta que o perdão fora sem efeito legal e que o ouvidor Martinho Vieira se encontrava em Vila do Carmo para fazer uma averiguação judicial do caso. Ademais, dizia-se que mais pesado seria o tributo a ser pago pelo povo de Vila Rica, como castigo exemplar. Teve o governador de despachar Vieira para outras plagas, e mandou chamar ao palácio Manuel Mosqueira, que os revoltosos queriam de novo como ouvidor, embora este se fizesse de rogado. Saiu dali Mosqueira convicto de que em breve estaria revestido de funções de poder. Felipe dos Santos, instigado por Pascoal da Silva Guimarães, apressou-se em convocar sua malta para aclamar Mosqueira como novo ouvidor-geral. Tanto Mosqueira quanto Pascoal trataram de impor-se como líderes de promessas que haveriam de tornar Minas menos portuguesa e mais brasileira. O governador soube por espiões que, em Vila Rica, Pascoal já andava distribuindo empregos públicos. Acrescentava-se que, em tal noite, os amotinados marchariam de novo sobre Vila do Carmo para, desta vez, depor o conde e empossar Sebastião da Veiga. Esgotada a paciência, o governador ordenou aos Dragões prender, no caminho entre Vila do Carmo e Vila Rica, Sebastião da Veiga e, por estrada desusada, conduzi-lo ao Rio de Janeiro. À mesma noite, foram também postos a ferro, em Vila Rica, Pascoal da Silva Guimarães, Manuel Mosqueira e outros As prisões exacerbaram os espíritos e Vila Rica agitou-se. Um dos espiões teve o corpo moído a pauladas, os negros de Pascoal da Silva desceram do morro e, armados, arrombaram portas e janelas, conclamando a que, no outro dia, todos fossem à cadeia libertar os presos. Dominada Vila Rica, o conde para ali marchou a fim de apaziguar os que não tinham aderido ao motim. Foi quando soube que os sequazes de Pascoal tinham se deslocado para Cachoeira do Campo, distante quatro léguas, para arregimentar homens e retornar com mais fúria sobre a cidade. Decidiu então que só lhe restava um recurso: o horror. Por sua ordem, os Dragões subiram o Morro do Pascoal e demoliram as casas dos sublevados. Dois barris de alcatrão foram gastos para que a madeira do casarão de Pascoal da Silva Guimarães cedesse ao lamber das chamas. De tal modo o incêndio se espalhou que, dali para frente, a localidade passou a ser conhecida como Morro da Queimada. Felipe dos Santos foi preso em Cachoeira do Campo. Admitiu ser, ao lado de Pascoal e Mosqueira, um dos cabeças do motim que, por dezoito dias, tumultuou Vila Rica. No mesmo dia, sem que fosse reconhecido ao prisioneiro o direito dos tribunais, amarraram-no a uma parelha de cavalos e o arrastaram pelas ruas de Vila Rica. Esfolado, o corpo todo em carne viva, Felipe dos Santos foi enforcado em praça pública e seu corpo esquartejado. Remeteu-se Pascoal da Silva a Portugal. A paz foi restabelecida em Minas, cujo solo exalava o cheiro quente de sangue, adubo de uma rebelião que estouraria ainda mais forte antes que findasse o século XVIII. A grande vitória da revolta de 1720 foi a independência de Minas em relação a São Paulo, passando à condição de Capitania das Minas Gerais pelo alvará de 2 de dezembro de 1720, assinado pelo rei D. João V. E plantaram-se as sementes da futura independência do Brasil. - Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luis Fernando Veríssimo e outros, de "O desafio ético" (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/114941?language=es
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