Os anos perdidos do Cristianismo
04/05/2006
- Opinión
A publicação do Evangelho de Judas, escrito apócrifo tardio de natureza gnóstica, suscitou interesse geral sobre o cristianismo das origens. Ultimamente esse tema tem ocupado a investigação científica especialmente nos EUA com minuciosas pesquisas acerca dos assim chamados "anos perdidos do cristianismo" que são os anos 30 e 40 do século I, aquelas obscuras décadas posteriores à execução de Jesus. A partir dos inícios dos anos 50 com as cartas de São Paulo e depois com os quatro evangelhos dispomos de farta documentação. Mas o que ocorreu nos anos anteriores? As fontes são exiguas como o evangelho de Tomé, a Didaqué e a "Quelle"(fonte), sub-texto comum aos evangelhos de São Lucas e de São Mateus, todos anteriores ao ano 50. Vários são os investigadores católicos e evangélicos que se notabilizaram nesta área como H. Köster, J. Kloppenborg, D. Kyrtatas, P. Brown entre outros. Mas o mais perspicaz e erudito de todos é o católico irlandês-norteamericano J. D. Crossan, presidente da secção sobre o Jesus histórico da "Society of Biblical Literature" e coordenador do "Jesus Seminar". Das várias obras destacam-se principalmente duas: "O Jesus da história: a vida de um camponês mediterrâneo judeu"(1991) e "O nascimento do Cristianismo: o que sucedeu nos anos imediatamente posteriores à execução de Jesus"(1998). Este último com mais de 600 páginas representa a
combinação interdisciplinar de enfoques antropológicos, históricos, literários e arqueológicos na tentativa de reconstruir os contextos que permitiram o nascimento do Cristianismo como interação de Jesus com seus companheiros e com o mundo que os rodeava.
Ai ficamos sabendo que muitos artesãos e camponeses como Jesus e seu grupo viviam na resistência radical mas não violenta contra o desenvolvimento urbano de Herodes Antipas e o comercialismo rural de Roma na Baixa Galiléia no final dos anos 20. O contexto mais geral era a cerrada oposição por parte da pátria judaica ao internacionalismo cultural grego e ao imperialismo militar romano.
O Cristianismo histórico, segundo Crossan, é fruto de três tradições que se entrelaçaram. A primeira é a Tradição da Vida que enfatiza os ditos de Jesus e propõe um modo de vida inspirado nos comportamentos libertários de Jesus. Esta tem um cunho rural pois medrou na Galiléia rural. A segunda é a Tradição da Morte e da Ressurreição que procurava entender por que Jesus foi assassinado se depois foi ressuscitado. A ressurreição era entendida no quadro da apocalíptica que afirmava o caráter cósmico do fenômeno, o começo da renovação do mundo e da transfiguração do ser humano. Ela é mais urbana pois foi elaborada a partir de Jerusalém. A terceira é a Tradição da comida comum. Eram comidas reais como comidas compartilhadas comunitariamente que simbolizavam a justiça equitativa de Deus. O importante não era o pão mas o repartir o pão. Neste contexto se situava a celebração da eucaristia. A Tradição da comida unia as duas tradições referidas. Para a Igreja em estado nascente não eram suficientes os ditos, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus. Tudo deve desembocar na mesa comum, na comensalidade, pois é esta que permite abrir os olhos como aos jovens de Emaus e reconhecer a presença divina neste mundo. Estes dados são relevantes para entender o Cristianismo em suas origens mais prático que dogmático.
- Leonardo Boff, Teólogo é autor de Jesus Cristo Libertador (Vozes).
https://www.alainet.org/pt/articulo/115080
Del mismo autor
- O risco da destruição de nosso futuro 05/04/2022
- Reality can be worse than we think 15/02/2022
- ¿Hay maneras de evitar el fin del mundo? 11/02/2022
- Há maneiras de evitar o fim do mundo? 08/02/2022
- The future of human life on Earth depends on us 17/01/2022
- El futuro de la vida depende de nosotros 17/01/2022
- A humanidade na encruzilhada: a sepultura ou… 14/01/2022
- “The iron cage” of Capital 04/01/2022
- Ante el futuro, desencanto o esperanzar 04/01/2022
- Desencanto face ao futuro e o esperançar 03/01/2022