O libano do seu Nahul

18/07/2006
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Nosso pai nasceu numa pequena aldeia a 50 quilômetros ao norte de Beirut, chamada Kfifen. Para que nos déssemos conta da temporalidade de uma aldeia rural naquele país, um irmão dele veio tentar se adaptar a viver no Brasil com sua família. Esteve aqui durante 10 anos, não se acostumaram e retornaram a Kfifen. Ali, abriu o cadeado do alambique de aguardente de erva doce que ele tinha e retomaram sua vida. Nosso pai, Nahul Sader, com estudo de apenas um ano, chegou, segundo apuramos depois, em 1930, tendo passado pelo porto do Rio exatamente quando as tropas dos tenentistas chegavam à capital soltando foguetes. Ele trabalhou como mascate no interior de São Paulo, vendendo roupas, no lombo de cavalo, na região de Sorocaba. Conseguiu melhorar sua situação e depois, casado com nossa mãe, Ercilia Simão - professora de piano, mas que deixou essa atividade para trabalhar com ele numa empresa doméstica de roupas infantis. Bem mais tarde, quando o Eder e eu estávamos no exílio, ele foi vê-lo a Paris e dali pôde retornar a seu Líbano natal, em 1975. Teve a felicidade de fazer a visita antes da guerra civil que devastaria o país, de que ele foi poupado pela sua morte em 1979. As cenas de destruição do Líbano nos chegaram pelos jornais, revistas e televisão e era terrível ver como se destruía um país. Neste ano, ao final de uma conferência que fiz, se aproximaram algumas pessoas que me entregaram um livro, terrível e belo, ao mesmo tempo, em que, com um jogo ótico, se pode ver as cenas de Beirut destruída e depois, modificando-se um pouco a visão, ver a reconstrução milagrosa da cidade. No final da apresentação, seu autor Ayman Trawi, depois de explicar como se deu o longo e árduo processo de reconstrução, conclui: "O objetivo essencial da publicação deste livro é o de dar uma imagem das lembranças dessa cidade tomadas nos seus dias mais sombrios afim de que estes não retornem mais e fotografar o renascimento de que ela é atualmente o teatro para dar de novo a seus habitantes e emigrados a esperança e a confiança no futuro. O livro comporta fotos-testemunhos tomadas no começo dos anos 80 para despertar a todos aqueles que acreditaram que a guerra civil pode levar a algo distinto da catástrofe e, do outro lado, fotos sobre das mesmas visões e sobre os mesmos lugares tomadas durante a verão que mostram a grande diferença entre o passado e o presente e o imenso progresso em curso no marco da operação de reconstrução, bem como da enorme capacidade do Líbano para sua realização e sua evolução. "Eu deixo a conclusão às imagens que, desafiando as mentiras e as calunias contra o projeto de reconstrução da capital do Líbano, nos transmitem verdades através das fotos que não se prestam a nenhuma confusão. "Pelo olhar, a imagem e o gesto, nós triunfamos pela vida humana, o desenvolvimento e a reconstrução, assim como pela dignidade nacional. A vida triunfou sobre a morte. O desenvolvimento e a reconstrução triunfaram sobre a destruição. A unidade nacional triunfou sobre a sedição. Afim de que Beirute, como desejaram seus filhos, assim como todos os libaneses e árabes, permanece o farol do Oriente, seu coração que vibra e seu espírito de vanguarda, em que encontramos nossos grandes sonhos, nossas melhores aspirações e a continuidade de uma civilização renovada que nós desejamos para nossa pátria e para nossa nação." Vendo hoje as imagens de Beirute, sob o bombardeio indiscriminado do Exército de Israel, infelizmente se parecem à capital do Líbano destruída e não as imagens da dura e árdua reconstrução. Aquele passado que parecia um pesadelo que não retornaria, volta a ser uma dramática realidade. O país do seu Nahul volta a ser objeto de destruição, de mortes e de sofrimentos. Impunemente, sem que nenhuma mediação internacional pare com o massacre dos libaneses.
https://www.alainet.org/pt/articulo/116134
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