Paternidade sob o signo do medo
13/08/2006
- Opinión
Domingo, 13 de agosto, comemorou-se o Dia dos Pais. É digno e justo nesta data reverenciar aquele por quem recebemos o dom da vida e que foi e é sempre visto como uma instância provedora, protetora e amorosa. Garantia da ordem na família, a presença paterna é vista como aquela que inspira segurança e tranqüilidade, e sem a qual todo o núcleo familiar se sente exposto e indefeso. Tal é a importância do pai para o clima de harmonia idealmente reinante na família que a Bíblia, além de inserir na Lei que rege a vida do povo de Deus o mandamento de “honrar pai e mãe”, considera as categorias mais desprotegidas da sociedade os pobres e também aqueles e aquelas a quem falta a figura do marido, do chefe de família, do pai enfim. O órfão e a viúva são vistos como merecedores de privilegiada atenção por parte das autoridades e de cada membro do povo de Israel. E isto é verdade a tal ponto que o rei, intendente de Deus na terra, deve ser, como o próprio Deus, o defensor do pobre, do órfão e da viúva. Ou seja, daqueles que não têm quem fale por eles. Destes, o próprio Deus é e quer ser o porta-voz e o defensor. E todos os que representam alguma autoridade e são, portanto, representantes de Deus na terra, devem assumir a paternidade destes e destas que a privação da figura paterna tornou desprotegidos na vida. São Paulo, cidade da maior importância em nosso país, locomotiva do Brasil, viveu um Dia dos Pais um tanto atípico. Não que a violência tenha começado a manifestar-se agora na capital paulista. Já não é de hoje que São Paulo, assim como todas as grandes cidades do Brasil, vem sendo vítima de crescente violência e se encolhe cada vez mais sob o medo que espreita em cada esquina de sua grande urbe. Curiosamente a onda maior de terror que aconteceu este ano começou no Dia das Mães, quando a Paulicéia foi varrida com uma contagem final de mais de 400 mortos, fazendo com que a segunda-feira na capital brasileira do trabalho amanhecesse vazia e encolhida como uma cidade de onde o medo tivesse aniquilado toda a vida e atividade. Agora, no Dia dos Pais, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter negado o indulto que concede anualmente nesta data, o governo do Estado decidiu manter a tradição e soltar vários presos das cadeias paulistas. Foi o bastante para que o medo se tenha espalhado na população e a maior cidade do país se encolhesse, apavorada, temendo uma repetição do verdadeiro inferno que foi o Dia das Mães. O Dia dos Pais este ano não foi como normalmente o é, uma celebração da referência maior da segurança, do respeito e da defesa da vida. Em uma cidade órfã de instâncias que a defendem, provavelmente São Paulo – como aliás boa parte das grandes cidades brasileiras – viveu um dia de medo e prevenção. As famílias evitaram sair e preferiram comemorar em suas casas, timidamente, a homenagem aos chefes de família. As pessoas tiveram medo de tomar os transportes coletivos, pois estes podiam ser incendiados a qualquer momento por bandos assassinos. O medo diz que é perigoso parar no sinal, é perigoso passar por certos lugares em determinados horários, andar de carro, andar sem carro. Que é perigoso viver, enfim. E numa época em que todas as identidades se encontram questionadas e invertidas, a paternidade terá sido sinônimo de medo e insegurança em vez de constituir uma referência de proteção e bem-estar. Espero que todos tenham tido um Feliz Dia dos Pais, apesar de tudo. Maria Clara Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/116541?language=en
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