Sindicatos usarão Copa-2010 para defender 'trabalho decente’
24/01/2007
- Opinión
Entidades sul-africanas temem que preparação do evento traga super exploração dos trabalhadores por parte de transnacionais, num país de acentuadas desigualdades sociais.
Nairobi – Grandes acontecimentos esportivos, como Copas do Mundo e Olimpíadas, costumam deixar marcas profundas nas cidades que os realizam. Para receber esportistas, turistas e jornalistas estrangeiros, são necessários, além de grandes complexos esportivos, obras de infra-estrutura em aeroportos, transporte público, hotelaria e lazer. A África do Sul, o primeiro país do continente a organizar uma Copa do Mundo, em 2010, estima investimentos de US$ 2 bilhões para tornar suas cidades viáveis a receber os jogos da competição.
O início das obras está marcado para este mês e deve envolver milhares de operários em todo o país, sobretudo do setor da construção civil. Será um motivo de alegria para muitos que conseguirão emprego, mas também causa de preocupação para os sindicatos. O principal receio é o de que as empresas contratadas pelo governo sul-africano usem contratos precários, temporários e sem proteção social em suas plantas, de forma a maximizarem seus lucros em prejuízo do trabalhador.
Essa questão foi discutida nesta terça-feira (23) em um seminário do Fórum Social Mundial, realizado no Quênia. Representantes de sindicatos de diversos países, inclusive da África do Sul, aprovaram um memorando com uma série de reivindicações dos trabalhadores para ser entregue à Fifa. Um representante da Federação Queniana de Futebol, que acompanhava o evento, recebeu o documento e comprometeu-se a encaminhá-lo à Fifa.
Entidades vigilantes
“A Copa do Mundo de 2010 será um momento importante para a classe trabalhadora. Se ela não se preparar, se os sindicatos não ficarem vigilantes, nós poderemos ver de perto a brutalidade da exploração”, alertou Crosby Moni, da União Nacional dos Mineiros da África do Sul. Segundo ele, a idéia é que o caso sirva de paradigma e ajude a impulsionar a agenda do “Trabalho Decente”, mantida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com sindicatos de todo o mundo.
Essa agenda defende a promoção de emprego, tanto assalariado como por conta própria, com proteção social, com respeito aos princípios fundamentais e direitos no trabalho e com diálogo social. Esses princípios têm sido seguidos pela OIT ao prestar assessoria a governos e outros parceiros, além de serem usados pelos sindicatos para contrapor a agenda neoliberal a favor da desregulamentação trabalhista.
Lido em voz alta no seminário, o memorando alerta que os sindicatos estão preocupados com a situação trabalhista dos operários, e pedem que a Fifa e o Comitê Organizador da Copa assumam responsabilidades. O texto defende ainda a abertura de diálogo entre a Fifa e sindicatos; que os comitês locais de trabalho tenham voz junto aos organizadores; apuração de possíveis acidentes; garantias de proteção social para os trabalhadores; o compromisso de que a geração de empregos será maximizada para jovens e mulheres; e que programas de capacitação sejam implementados.
Os sul-africanos contarão com apoio de sindicatos europeus para chegarem à Fifa. Vania Alleva, responsável pelo Departamento de Migração do sindicato Unia, da Suíça, país onde fica a sede da Fifa, prometeu apoio. “E é importante que a campanha tenha uma orientação política, sobre a Fifa, que lucra muito com o marketing do futebol e tem de comprometer-se com os direitos dos trabalhadores. Não podemos aceitar que esse lucro seja obtido às custas dos trabalhadores”, disse.
Vania prometeu levar aos sul-africanos a experiência que teve ao mobilizar os trabalhadores envolvidos na Eurocopa-2008, o torneio europeu de seleções, a ser realizado na Suíça e Áustria. Segundo ela, a competição serviu de gancho para que os sindicatos suíços fizessem uma campanha pelo aumento dos salários dos trabalhadores. “Podemos ajudar os trabalhadores sul-africanos mostrando como mobilizamos os trabalhadores em cada obra, como defender a legislação e os direitos dos imigrantes”, afirmou Vania.
Para Anita Normark, secretária geral do BWI holandês, é fundamental ter influência nos governos para que o processo de construção seja justo e as companhias sigam as regras. A Copa do Mundo, diz ela, será a oportunidade para que muitos jovens consigam emprego, mas é fundamental que os efeitos positivos não cheguem ao fim, após a última partida da competição. “As condições têm de ser sustentáveis”, defende Anita. Nesse caso, o BWI também prometeu colaborar.
Internacionalismo
O desafio, assumido no Fórum Social Mundial pelos líderes sindicais, é o de criar uma nova forma de “internacionalismo”. Nesse aspecto, o encontro no Quênia tem servido para aproximar as entidades de trabalhadores. Na prática, ocorre aqui o primeiro grande encontro da Confederação Sindical Internacional (CSI), formada pela fusão de duas outras, a Ciols e a CMT, em novembro do ano passado, e que reúne as duas maiores centrais brasileiras, a CUT e a Força Sindical. A união das organizações de trabalhadores de diversos países só não é completa porque um grupo delas ainda se reúne na Federação Sindical Mundial (FSM), cuja origem está nos antigos partidos comunistas.
A questão do internacionalismo ganha mais importância na medida em que a globalização abre caminho para a expansão das transnacionais pelo mundo. Esse tema também foi discutido num dos painéis do Fórum Social desta terça-feira (23). Em debate com sindicalistas europeus, João Felício, secretário-executivo da CUT, avaliou que o comportamento das transnacionais na América do Sul, “em geral de poucos compromissos com os trabalhadores”, não deve ser visto como um problema apenas sul-americano, mas também dos europeus, porque ela deixou de gerar novos postos em seu país de origem.
“É preciso mais parcerias entre os sindicatos de cada país, para analisar e estabelecer ações de luta. As empresas costumam deslocar-se para onde a resistência sindical é menor, e assim pagar salários menores”, disse Felício. Se a luta sindical internacionalizar-se mais, sua expectativa é a de que os benefícios obtidos por trabalhadores de países desenvolvidos sejam massificados. Um exemplo seria a participação dos trabalhadores no conselho de administração de transnacionais instaladas, o que, segundo o secretário-geral da CUT, já é possível em outros países, mas não no Brasil.
Nairobi – Grandes acontecimentos esportivos, como Copas do Mundo e Olimpíadas, costumam deixar marcas profundas nas cidades que os realizam. Para receber esportistas, turistas e jornalistas estrangeiros, são necessários, além de grandes complexos esportivos, obras de infra-estrutura em aeroportos, transporte público, hotelaria e lazer. A África do Sul, o primeiro país do continente a organizar uma Copa do Mundo, em 2010, estima investimentos de US$ 2 bilhões para tornar suas cidades viáveis a receber os jogos da competição.
O início das obras está marcado para este mês e deve envolver milhares de operários em todo o país, sobretudo do setor da construção civil. Será um motivo de alegria para muitos que conseguirão emprego, mas também causa de preocupação para os sindicatos. O principal receio é o de que as empresas contratadas pelo governo sul-africano usem contratos precários, temporários e sem proteção social em suas plantas, de forma a maximizarem seus lucros em prejuízo do trabalhador.
Essa questão foi discutida nesta terça-feira (23) em um seminário do Fórum Social Mundial, realizado no Quênia. Representantes de sindicatos de diversos países, inclusive da África do Sul, aprovaram um memorando com uma série de reivindicações dos trabalhadores para ser entregue à Fifa. Um representante da Federação Queniana de Futebol, que acompanhava o evento, recebeu o documento e comprometeu-se a encaminhá-lo à Fifa.
Entidades vigilantes
“A Copa do Mundo de 2010 será um momento importante para a classe trabalhadora. Se ela não se preparar, se os sindicatos não ficarem vigilantes, nós poderemos ver de perto a brutalidade da exploração”, alertou Crosby Moni, da União Nacional dos Mineiros da África do Sul. Segundo ele, a idéia é que o caso sirva de paradigma e ajude a impulsionar a agenda do “Trabalho Decente”, mantida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com sindicatos de todo o mundo.
Essa agenda defende a promoção de emprego, tanto assalariado como por conta própria, com proteção social, com respeito aos princípios fundamentais e direitos no trabalho e com diálogo social. Esses princípios têm sido seguidos pela OIT ao prestar assessoria a governos e outros parceiros, além de serem usados pelos sindicatos para contrapor a agenda neoliberal a favor da desregulamentação trabalhista.
Lido em voz alta no seminário, o memorando alerta que os sindicatos estão preocupados com a situação trabalhista dos operários, e pedem que a Fifa e o Comitê Organizador da Copa assumam responsabilidades. O texto defende ainda a abertura de diálogo entre a Fifa e sindicatos; que os comitês locais de trabalho tenham voz junto aos organizadores; apuração de possíveis acidentes; garantias de proteção social para os trabalhadores; o compromisso de que a geração de empregos será maximizada para jovens e mulheres; e que programas de capacitação sejam implementados.
Os sul-africanos contarão com apoio de sindicatos europeus para chegarem à Fifa. Vania Alleva, responsável pelo Departamento de Migração do sindicato Unia, da Suíça, país onde fica a sede da Fifa, prometeu apoio. “E é importante que a campanha tenha uma orientação política, sobre a Fifa, que lucra muito com o marketing do futebol e tem de comprometer-se com os direitos dos trabalhadores. Não podemos aceitar que esse lucro seja obtido às custas dos trabalhadores”, disse.
Vania prometeu levar aos sul-africanos a experiência que teve ao mobilizar os trabalhadores envolvidos na Eurocopa-2008, o torneio europeu de seleções, a ser realizado na Suíça e Áustria. Segundo ela, a competição serviu de gancho para que os sindicatos suíços fizessem uma campanha pelo aumento dos salários dos trabalhadores. “Podemos ajudar os trabalhadores sul-africanos mostrando como mobilizamos os trabalhadores em cada obra, como defender a legislação e os direitos dos imigrantes”, afirmou Vania.
Para Anita Normark, secretária geral do BWI holandês, é fundamental ter influência nos governos para que o processo de construção seja justo e as companhias sigam as regras. A Copa do Mundo, diz ela, será a oportunidade para que muitos jovens consigam emprego, mas é fundamental que os efeitos positivos não cheguem ao fim, após a última partida da competição. “As condições têm de ser sustentáveis”, defende Anita. Nesse caso, o BWI também prometeu colaborar.
Internacionalismo
O desafio, assumido no Fórum Social Mundial pelos líderes sindicais, é o de criar uma nova forma de “internacionalismo”. Nesse aspecto, o encontro no Quênia tem servido para aproximar as entidades de trabalhadores. Na prática, ocorre aqui o primeiro grande encontro da Confederação Sindical Internacional (CSI), formada pela fusão de duas outras, a Ciols e a CMT, em novembro do ano passado, e que reúne as duas maiores centrais brasileiras, a CUT e a Força Sindical. A união das organizações de trabalhadores de diversos países só não é completa porque um grupo delas ainda se reúne na Federação Sindical Mundial (FSM), cuja origem está nos antigos partidos comunistas.
A questão do internacionalismo ganha mais importância na medida em que a globalização abre caminho para a expansão das transnacionais pelo mundo. Esse tema também foi discutido num dos painéis do Fórum Social desta terça-feira (23). Em debate com sindicalistas europeus, João Felício, secretário-executivo da CUT, avaliou que o comportamento das transnacionais na América do Sul, “em geral de poucos compromissos com os trabalhadores”, não deve ser visto como um problema apenas sul-americano, mas também dos europeus, porque ela deixou de gerar novos postos em seu país de origem.
“É preciso mais parcerias entre os sindicatos de cada país, para analisar e estabelecer ações de luta. As empresas costumam deslocar-se para onde a resistência sindical é menor, e assim pagar salários menores”, disse Felício. Se a luta sindical internacionalizar-se mais, sua expectativa é a de que os benefícios obtidos por trabalhadores de países desenvolvidos sejam massificados. Um exemplo seria a participação dos trabalhadores no conselho de administração de transnacionais instaladas, o que, segundo o secretário-geral da CUT, já é possível em outros países, mas não no Brasil.
Fonte: Carta Maior
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13370
https://www.alainet.org/pt/articulo/118931
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