O ano, a vida, o coração: tudo novo
01/01/2007
- Opinión
Os casais se beijarão e tomarão champagne, cerveja ou o que for. As crianças correrão e pularão de alegria, e abraçarão os pais. As taças tilintarão em meio aos brindes. O cristão rezará um Pai-Nosso, o afro-brasileiro pulará após a sétima onda, pedindo a Iemanjá muita coisa boa, o ateu levantará o pé direito para abaixá-lo apenas quando a décima segunda badalada soar e anunciar a chegada do Novo Ano.
O tempo recebe as homenagens neste período do ano, através de mitos e lendas freqüentes no Baixo Império Romano. Kronos é o mais popular e simboliza o Deus infinito. Sua figura é humana e rígida, às vezes com cabeça de leão, associado aos cultos solares, enquanto representa a sua destruição e eliminação. O simbolismo de kronos inspira a magia dos tempos atuais na saudação ao Ano-Novo, envolvendo traços culturais que vão desde a mesa, com suas comidas típicas, às vestimentas brancas, a casa, o espírito irradiante de paz e alegria.
No Cristianismo, contudo, essa comemoração do novo ano que chega, trazendo consigo a renovação de tudo que existe não é pontual nem se passa apenas no Ano-Novo. Não é o Deus kronos que a fé cristã cultua, mas o Deus Encarnado, que com sua vida, morte e ressurreição renovou todas as coisas e continua a renová-las permanentemente por seu Espírito.
O Espírito Santo, que é derramado sobre toda carne e sobre toda a história com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, faz novas todas as coisas. E assim fazendo, altera a categoria tempo. Aquele que toma consciência de ser por ele habitado e transformado já não se auto-compreende vivendo no kronos, mas sim no kairos.
Kairos é uma antiga palavra grega que significa "o momento certo" ou "oportuno". Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: kronos e kairos. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou seqüencial, este último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o "tempo de Deus", enquanto kronos é de natureza quantitativa, o "tempo dos homens".
O Espírito altera, portanto, nossa maneira de conceber o tempo. Para aquele ou aquela em quem o Espírito Santo habita, o tempo não é mais um tempo linear (kronos), mas um kairos (tempo de Deus), que só Nele encontra sua unidade de medida. Nesse sentido, não se trata mais de um tempo submetido à caducidade.
As coisas não mais podem ser medidas com os parâmetros temporais de antes. Paulo adverte severamente os gálatas sobre isso. O cristão não apenas espera um novo céu e uma nova terra, mas já vive de fato uma nova ordem de coisas, uma nova criação. E embora este novo esteja ainda sendo dolorosamente parido, na verdade já está acontecendo plenamente para aqueles que vivem em Cristo, aqueles para quem já chegou a plenitude dos tempos. É o Espírito que realiza e atesta todo este novo, estas coisas tornadas novas, fazendo de todos novas criaturas, crianças novas, ainda que o ser humano exterior envelheça e esteja submetido à erosão do tempo.
Quando soar a meia noite do dia 31, saibamos que não é novo apenas o tempo que passa. Nós somos novos porque constantemente renovados, recriados pelas mãos amorosas do Criador, das quais a cada segundo novamente saímos e somos dados à luz.
Sem medo, portanto, digamos: Feliz Ano-Novo! Nada pode nos atemorizar, pois nossas vidas são constantemente re-feitas pelo Espírito, que faz novas todas as coisas e que já está tecendo os fios do bordado deste Ano que se anuncia.
- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
O tempo recebe as homenagens neste período do ano, através de mitos e lendas freqüentes no Baixo Império Romano. Kronos é o mais popular e simboliza o Deus infinito. Sua figura é humana e rígida, às vezes com cabeça de leão, associado aos cultos solares, enquanto representa a sua destruição e eliminação. O simbolismo de kronos inspira a magia dos tempos atuais na saudação ao Ano-Novo, envolvendo traços culturais que vão desde a mesa, com suas comidas típicas, às vestimentas brancas, a casa, o espírito irradiante de paz e alegria.
No Cristianismo, contudo, essa comemoração do novo ano que chega, trazendo consigo a renovação de tudo que existe não é pontual nem se passa apenas no Ano-Novo. Não é o Deus kronos que a fé cristã cultua, mas o Deus Encarnado, que com sua vida, morte e ressurreição renovou todas as coisas e continua a renová-las permanentemente por seu Espírito.
O Espírito Santo, que é derramado sobre toda carne e sobre toda a história com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, faz novas todas as coisas. E assim fazendo, altera a categoria tempo. Aquele que toma consciência de ser por ele habitado e transformado já não se auto-compreende vivendo no kronos, mas sim no kairos.
Kairos é uma antiga palavra grega que significa "o momento certo" ou "oportuno". Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: kronos e kairos. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou seqüencial, este último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o "tempo de Deus", enquanto kronos é de natureza quantitativa, o "tempo dos homens".
O Espírito altera, portanto, nossa maneira de conceber o tempo. Para aquele ou aquela em quem o Espírito Santo habita, o tempo não é mais um tempo linear (kronos), mas um kairos (tempo de Deus), que só Nele encontra sua unidade de medida. Nesse sentido, não se trata mais de um tempo submetido à caducidade.
As coisas não mais podem ser medidas com os parâmetros temporais de antes. Paulo adverte severamente os gálatas sobre isso. O cristão não apenas espera um novo céu e uma nova terra, mas já vive de fato uma nova ordem de coisas, uma nova criação. E embora este novo esteja ainda sendo dolorosamente parido, na verdade já está acontecendo plenamente para aqueles que vivem em Cristo, aqueles para quem já chegou a plenitude dos tempos. É o Espírito que realiza e atesta todo este novo, estas coisas tornadas novas, fazendo de todos novas criaturas, crianças novas, ainda que o ser humano exterior envelheça e esteja submetido à erosão do tempo.
Quando soar a meia noite do dia 31, saibamos que não é novo apenas o tempo que passa. Nós somos novos porque constantemente renovados, recriados pelas mãos amorosas do Criador, das quais a cada segundo novamente saímos e somos dados à luz.
Sem medo, portanto, digamos: Feliz Ano-Novo! Nada pode nos atemorizar, pois nossas vidas são constantemente re-feitas pelo Espírito, que faz novas todas as coisas e que já está tecendo os fios do bordado deste Ano que se anuncia.
- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/119375?language=en
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