Você é rico?
23/02/2007
- Opinión
Quase todo mundo gostaria de ser rico. Este sonho abastece loterias, bingos e certas igrejas que, em troca do minguados recursos dos fiéis, prometem prosperidade na Terra e confortável eternidade no Céu. Pena que ser rico é, para muitos, uma questão de sorte, como nascer numa família abastada ou ganhar na mega-sena; para outros, uma questão de oportunidade, como os corruptos; para uns poucos, fruto de inteligência e trabalho, como é o caso de Bill Gates, que largou a faculdade para distrair-se com informática na garagem de casa e teve seu pedido de cartão de crédito recusado pela American Express por falta de renda suficiente.
Calcula-se que a fortuna da espécie humana, somados rendas e patrimônios, atinja, hoje, algo em torno de US$ 133,25 trilhões de dólares. Mais da metade está em mãos de apenas 2% da população mundial, ou seja, 13 milhões de pessoas, a população da capital paulista. Na outra ponta, metade das pessoas mais pobres, que somam cerca de 4 bilhões, dispõem de apenas 1% da riqueza do mundo, o equivalente a US$ 133,5 milhões.
Os dados são do Instituto Mundial de Pesquisa Econômica do Desenvolvimento, vinculado à Universidade da ONU, que funciona na Finlândia.
Se você possui patrimônio superior a R$ 135 mil, saiba que faz parte do seleto clube dos 10% mais ricos da população mundial. Dá para chamar Bill Gates de colega, embora o patrimônio dele seja equivalente ao que o Brasil possui de reserva cambial: US$ 80 bilhões. Gates, contudo, integra também um outro clube, fechadíssimo, o que reúne 1% de adultos (37 milhões de pessoas) com patrimônio superior a US$ 500 mil.
Se seu patrimônio é de R$ 4,8 mil, considere-se felizardo, pois você faz parte da metade superior da escala mundial de riqueza. A riqueza mundial está de tal modo concentrada em tão poucas mãos que, se fosse equitativamente distribuída, cada habitante do planeta embolsaria US$ 20,5 mil, ou seja, algo em torno de R$ 45 mil.
Quase 90% da fortuna mundial pertencem aos habitantes dos EUA, do Canadá, da Europa, do Japão e da Austrália. Apesar de os EUA e o Canadá abrigarem apenas 6% da população adulta do mundo, ela embolsa 34% do patrimônio domiciliar total. Quase 1/3 (32,6%) da riqueza dos 10% mais ricos do mundo concentra-se nos EUA. Não é à toa que tantos miram aquele país como as caravanas do deserto enxergam oásis em cada duna de areia...
E o Brasil? Possui apenas 1,3% da riqueza mundial, embora reúna 2,8% da população da Terra. Aqui, os 10% mais ricos têm patrimônio equivalente a 1,5% do patrimônio dos 10% mais ricos do mundo. Se a comparação é feita com os 10% mais pobres do mundo, nosso país fica com 1,9% do patrimônio.
A China não figura entre os mais ricos porque o patrimônio médio de sua população é modesto e a distribuição de renda equilibrada, segundo os padrões internacionais. Quando um país enriquece, modifica-se a maneira de sua população reter patrimônio. Nas nações emergentes, como a nosso, os ricos o preferem na forma de imóveis, terrenos e terras (haja latifúndio!). Nas de renda média, predominam a poupança e aplicações financeiras. Nos mais ricos, como EUA e Reino Unido, as fortunas são multiplicadas através de ações e aplicações financeiras sofisticadas, mantém-se o dinheiro em paraísos fiscais ou investe-se em países pobres, ansiosos por atrair capital estrangeiro. Contudo, uma boa notícia para os mais pobres: sua população é menos endividada, não por precaução das pessoas, e sim porque as instituições financeiras não costumam oferecer crédito a quem não tem renda nem patrimônio.
A pesquisa da ONU demonstra que estamos longe da justiça global. O egoísmo (eu primeiro, depois eu e, em seguida, os demais) encontrou no capitalismo sua fértil e expansiva cultura. O que é um mal passou a ser um direito: o de acumular riqueza em detrimento da pobreza alheia.
Até quando os pobres suportarão tamanha injustiça? Na América Latina a resposta começa a ser esboçada: com 40% de sua população condenada à pobreza e à miséria, os eleitores manifestaram nas urnas, este ano, que preferem presidentes eleitoralmente comprometidos com mudanças sociais. Resta saber se administrativamente haverão de corresponder às expectativas ou preferirão chocar o ovo da serpente.
- Frei Betto é escritor, autor de “Treze contos diabólicos e um angélico” (Planeta), entre outros livros.
Calcula-se que a fortuna da espécie humana, somados rendas e patrimônios, atinja, hoje, algo em torno de US$ 133,25 trilhões de dólares. Mais da metade está em mãos de apenas 2% da população mundial, ou seja, 13 milhões de pessoas, a população da capital paulista. Na outra ponta, metade das pessoas mais pobres, que somam cerca de 4 bilhões, dispõem de apenas 1% da riqueza do mundo, o equivalente a US$ 133,5 milhões.
Os dados são do Instituto Mundial de Pesquisa Econômica do Desenvolvimento, vinculado à Universidade da ONU, que funciona na Finlândia.
Se você possui patrimônio superior a R$ 135 mil, saiba que faz parte do seleto clube dos 10% mais ricos da população mundial. Dá para chamar Bill Gates de colega, embora o patrimônio dele seja equivalente ao que o Brasil possui de reserva cambial: US$ 80 bilhões. Gates, contudo, integra também um outro clube, fechadíssimo, o que reúne 1% de adultos (37 milhões de pessoas) com patrimônio superior a US$ 500 mil.
Se seu patrimônio é de R$ 4,8 mil, considere-se felizardo, pois você faz parte da metade superior da escala mundial de riqueza. A riqueza mundial está de tal modo concentrada em tão poucas mãos que, se fosse equitativamente distribuída, cada habitante do planeta embolsaria US$ 20,5 mil, ou seja, algo em torno de R$ 45 mil.
Quase 90% da fortuna mundial pertencem aos habitantes dos EUA, do Canadá, da Europa, do Japão e da Austrália. Apesar de os EUA e o Canadá abrigarem apenas 6% da população adulta do mundo, ela embolsa 34% do patrimônio domiciliar total. Quase 1/3 (32,6%) da riqueza dos 10% mais ricos do mundo concentra-se nos EUA. Não é à toa que tantos miram aquele país como as caravanas do deserto enxergam oásis em cada duna de areia...
E o Brasil? Possui apenas 1,3% da riqueza mundial, embora reúna 2,8% da população da Terra. Aqui, os 10% mais ricos têm patrimônio equivalente a 1,5% do patrimônio dos 10% mais ricos do mundo. Se a comparação é feita com os 10% mais pobres do mundo, nosso país fica com 1,9% do patrimônio.
A China não figura entre os mais ricos porque o patrimônio médio de sua população é modesto e a distribuição de renda equilibrada, segundo os padrões internacionais. Quando um país enriquece, modifica-se a maneira de sua população reter patrimônio. Nas nações emergentes, como a nosso, os ricos o preferem na forma de imóveis, terrenos e terras (haja latifúndio!). Nas de renda média, predominam a poupança e aplicações financeiras. Nos mais ricos, como EUA e Reino Unido, as fortunas são multiplicadas através de ações e aplicações financeiras sofisticadas, mantém-se o dinheiro em paraísos fiscais ou investe-se em países pobres, ansiosos por atrair capital estrangeiro. Contudo, uma boa notícia para os mais pobres: sua população é menos endividada, não por precaução das pessoas, e sim porque as instituições financeiras não costumam oferecer crédito a quem não tem renda nem patrimônio.
A pesquisa da ONU demonstra que estamos longe da justiça global. O egoísmo (eu primeiro, depois eu e, em seguida, os demais) encontrou no capitalismo sua fértil e expansiva cultura. O que é um mal passou a ser um direito: o de acumular riqueza em detrimento da pobreza alheia.
Até quando os pobres suportarão tamanha injustiça? Na América Latina a resposta começa a ser esboçada: com 40% de sua população condenada à pobreza e à miséria, os eleitores manifestaram nas urnas, este ano, que preferem presidentes eleitoralmente comprometidos com mudanças sociais. Resta saber se administrativamente haverão de corresponder às expectativas ou preferirão chocar o ovo da serpente.
- Frei Betto é escritor, autor de “Treze contos diabólicos e um angélico” (Planeta), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/119643
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