Um dia o condor vencerá a águia
13/03/2007
- Opinión
O presidente estadunidense George W. Bush terminou seu périplo pela América Latina, numa viagem que poderia ser configurada como patética. Dizendo-se preocupado com a pobreza da região, ele tentou fazer crer que os Estados Unidos querem ajudar a mudar este estado de coisas. Ora, pois não é justamente a política do império a responsável por toda a pobreza dos países que estão fora do centro de poder? No caso do Brasil, por exemplo, a visita foi paradigmática. Ele foi até uma ONG que cuida de criancinhas, abraçou algumas delas e, depois, firmou um protocolo no qual o Brasil se dispõe a compartilhar toda a sua tecnologia do álcool. Como contrapartida, nada. Quem vai decidir se os EUA diminuem a taxa de importação do álcool brasileiro é a Organização Mundial do Comércio. Risível se não fosse trágico.
Uma olhada para história e logo se pode perceber que a relação entre os Estados Unidos e a América Latina sempre foi de dominação. José Martí, no final do século XIX, já alertava para o vôo da águia sobre as terras de baixo. E este estado de coisas se agravou depois da segunda guerra mundial, quando iniciou a chamada “guerra fria” contra a União Soviética. Tudo era feito para frear o avanço do socialismo no oeste do mundo. Em 1947, foram criadas as Conferências para a Manutenção da Paz e Segurança, organizados pelos EUA, visando ajudar os países latino-americanos a identificar os “perturbadores da ordem”.
Nos anos 50, quando os movimentos nacionalistas começavam a ascender - culminando com a vitória de Paz Estensoro, na Bolívia e Jacobo Arbens, na Guatemala - os Estados Unidos iniciaram um programa de Assistência Militar para a região da América Latina, cujos efeitos nefastos são sentidos até hoje. Foi também nesta época que se aprofundou a dependência econômica em relação à Washington. A vitória da revolução em Cuba, em 1959, levou a um recrudescimento do “cuidado” com os países latino-americanos, e os Estados Unidos atacaram com a Aliança para o Progresso, em 1961. Era quase como o mesmo discurso de Bush hoje: vamos ajudar a desenvolver a região e acabar com a pobreza. Daí ser importante fazer essa recuperação histórica. Naqueles dias, Fidel e Che eram as encarnações do mal, tal qual hoje são Chávez e Morales. É a história se repetindo como farsa.
Também não é mais novidade a participação dos Estados Unidos no golpe militar que mergulhou o Brasil em décadas de uma brutal ditadura, assim como nos demais países da América Latina que ousaram traçar políticas progressistas e populares. Por conta de toda essa história pregressa, o repúdio antiestadunidense visto no país durante a passagem do atual presidente não é coisa de agora, não é contra o Bush, como diz, apressadamente, a mídia emburrecida. Como bem lembra o professor de História da UFSC, Waldir Rampinelli, quando Richard Nixon andou por aqui, no início da década de 60, também passou por maus bocados. Protestos gigantescos se formaram em toda a América Latina. É que as gentes sabem muito bem, sentem na carne cotidianamente, os males causados pela política imperialista dos Estados Unidos. Assim, os protestos não são contra o homem, mas contra todo o projeto que ele representa.
Pelos países por onde passou, o presidente estadunidense provocou gigantescos protestos de repúdio. As gentes nas ruas se manifestaram dizendo que não aceitam as mentiras alardeadas por seu governo e muito menos a sua política de opressão e dominação. Já os governos, surdos, receberam-no como um deus. Os mais grotescos foram o de Uribe, na Colômbia, e Calderón, no México. Um espetáculo de servilismo. Mas, o povo, por sua vez, soube dizer sua palavra e mostrar que sabe muito bem o que significa a intervenção dos Estados Unidos nos seus países. Enfrentando a polícia, brasileiros, uruguaios, colombianos, guatemaltecos e mexicanos traduziram nos protestos o seu desejo por um novo projeto histórico. Já o poder, premido pelo medo, cercou-se de segurança e sequer sentiu o cheiro das manifestações.
Quando não há medo
Situação inversa viveu o presidente venezuelano, Hugo Chávez, nos lugares por onde passou, nos mesmos dias em que Bush tentava melhorar a imagem dos Estados Unidos junto à América Latina. Na Argentina, Chávez reuniu milhares de pessoas para discutir a idéia do Banco del Sur, uma instituição financeira que integrará os países da América Latina a partir de uma outra visão, de cooperação real e solidariedade concreta. No Haiti, protagonizou as cenas mais impactantes. Acossado pelas forças da ONU, vivendo massacres cotidianos e mergulhado na miséria, o povo haitiano recebeu o venezuelano com festa e cantoria. Milhares saíram às ruas, acompanhando a comitiva desde o aeroporto. E foi tanta vibração que Chávez saiu do carro e se foi, dançando e cantando com as gentes até o local do encontro oficial com as autoridades. “Populismo”, se apressam em dizer os analistas. Mas que palavra pode expressar a ausência completa de medo do povo? Que outro presidente hoje poderia andar no meio dos empobrecidos de Abya Yala, sem temer ser apedrejado ou cuspido?
Chávez ainda não realizou o despegue, a desconexão do sistema capitalista, tal qual ensina Samir Amin, mas está caminhando. Chávez não faz cena, fingindo amar os pobres da América Latina. Ele mostra esse amor na prática, construindo o projeto de unificação sonhado por Bolívar e re-inventado pelos povos de hoje. Com a Alternativa Bolivariana para as Américas, seu governo tem fechado acordos comerciais, culturais e estratégicos sob outras bases, que não a da dominação. A proposta que encarna é da equidade entre os países, a construção de um novo projeto histórico que nasça em comunhão com as gentes. Pode demorar, é verdade. Mas está em curso.
É por isso que o império contra-ataca. Os mesmos velhos “fantasmas” dos anos 40, 50 e 60 assomam nos países que os EUA consideram quintais. A doce canção do socialismo tem sido entoada com mais vigor. Esteve dormida e hoje se esbalda. E são essas vozes, que se erguem em Abya Yala, que os Estados Unidos se apressam em sufocar com promessas de investimentos e aceleração do desenvolvimento. Por isso, é bom fazer um retrospecto histórico. Olhar o passado, observar as velhas práticas de rapinagem. E, fundamentalmente, não cair na armadilha outra vez. De Abya Yala saem os sinais de que um tempo novo pode vingar.
Uma olhada para história e logo se pode perceber que a relação entre os Estados Unidos e a América Latina sempre foi de dominação. José Martí, no final do século XIX, já alertava para o vôo da águia sobre as terras de baixo. E este estado de coisas se agravou depois da segunda guerra mundial, quando iniciou a chamada “guerra fria” contra a União Soviética. Tudo era feito para frear o avanço do socialismo no oeste do mundo. Em 1947, foram criadas as Conferências para a Manutenção da Paz e Segurança, organizados pelos EUA, visando ajudar os países latino-americanos a identificar os “perturbadores da ordem”.
Nos anos 50, quando os movimentos nacionalistas começavam a ascender - culminando com a vitória de Paz Estensoro, na Bolívia e Jacobo Arbens, na Guatemala - os Estados Unidos iniciaram um programa de Assistência Militar para a região da América Latina, cujos efeitos nefastos são sentidos até hoje. Foi também nesta época que se aprofundou a dependência econômica em relação à Washington. A vitória da revolução em Cuba, em 1959, levou a um recrudescimento do “cuidado” com os países latino-americanos, e os Estados Unidos atacaram com a Aliança para o Progresso, em 1961. Era quase como o mesmo discurso de Bush hoje: vamos ajudar a desenvolver a região e acabar com a pobreza. Daí ser importante fazer essa recuperação histórica. Naqueles dias, Fidel e Che eram as encarnações do mal, tal qual hoje são Chávez e Morales. É a história se repetindo como farsa.
Também não é mais novidade a participação dos Estados Unidos no golpe militar que mergulhou o Brasil em décadas de uma brutal ditadura, assim como nos demais países da América Latina que ousaram traçar políticas progressistas e populares. Por conta de toda essa história pregressa, o repúdio antiestadunidense visto no país durante a passagem do atual presidente não é coisa de agora, não é contra o Bush, como diz, apressadamente, a mídia emburrecida. Como bem lembra o professor de História da UFSC, Waldir Rampinelli, quando Richard Nixon andou por aqui, no início da década de 60, também passou por maus bocados. Protestos gigantescos se formaram em toda a América Latina. É que as gentes sabem muito bem, sentem na carne cotidianamente, os males causados pela política imperialista dos Estados Unidos. Assim, os protestos não são contra o homem, mas contra todo o projeto que ele representa.
Pelos países por onde passou, o presidente estadunidense provocou gigantescos protestos de repúdio. As gentes nas ruas se manifestaram dizendo que não aceitam as mentiras alardeadas por seu governo e muito menos a sua política de opressão e dominação. Já os governos, surdos, receberam-no como um deus. Os mais grotescos foram o de Uribe, na Colômbia, e Calderón, no México. Um espetáculo de servilismo. Mas, o povo, por sua vez, soube dizer sua palavra e mostrar que sabe muito bem o que significa a intervenção dos Estados Unidos nos seus países. Enfrentando a polícia, brasileiros, uruguaios, colombianos, guatemaltecos e mexicanos traduziram nos protestos o seu desejo por um novo projeto histórico. Já o poder, premido pelo medo, cercou-se de segurança e sequer sentiu o cheiro das manifestações.
Quando não há medo
Situação inversa viveu o presidente venezuelano, Hugo Chávez, nos lugares por onde passou, nos mesmos dias em que Bush tentava melhorar a imagem dos Estados Unidos junto à América Latina. Na Argentina, Chávez reuniu milhares de pessoas para discutir a idéia do Banco del Sur, uma instituição financeira que integrará os países da América Latina a partir de uma outra visão, de cooperação real e solidariedade concreta. No Haiti, protagonizou as cenas mais impactantes. Acossado pelas forças da ONU, vivendo massacres cotidianos e mergulhado na miséria, o povo haitiano recebeu o venezuelano com festa e cantoria. Milhares saíram às ruas, acompanhando a comitiva desde o aeroporto. E foi tanta vibração que Chávez saiu do carro e se foi, dançando e cantando com as gentes até o local do encontro oficial com as autoridades. “Populismo”, se apressam em dizer os analistas. Mas que palavra pode expressar a ausência completa de medo do povo? Que outro presidente hoje poderia andar no meio dos empobrecidos de Abya Yala, sem temer ser apedrejado ou cuspido?
Chávez ainda não realizou o despegue, a desconexão do sistema capitalista, tal qual ensina Samir Amin, mas está caminhando. Chávez não faz cena, fingindo amar os pobres da América Latina. Ele mostra esse amor na prática, construindo o projeto de unificação sonhado por Bolívar e re-inventado pelos povos de hoje. Com a Alternativa Bolivariana para as Américas, seu governo tem fechado acordos comerciais, culturais e estratégicos sob outras bases, que não a da dominação. A proposta que encarna é da equidade entre os países, a construção de um novo projeto histórico que nasça em comunhão com as gentes. Pode demorar, é verdade. Mas está em curso.
É por isso que o império contra-ataca. Os mesmos velhos “fantasmas” dos anos 40, 50 e 60 assomam nos países que os EUA consideram quintais. A doce canção do socialismo tem sido entoada com mais vigor. Esteve dormida e hoje se esbalda. E são essas vozes, que se erguem em Abya Yala, que os Estados Unidos se apressam em sufocar com promessas de investimentos e aceleração do desenvolvimento. Por isso, é bom fazer um retrospecto histórico. Olhar o passado, observar as velhas práticas de rapinagem. E, fundamentalmente, não cair na armadilha outra vez. De Abya Yala saem os sinais de que um tempo novo pode vingar.
- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina.
https://www.alainet.org/pt/articulo/119948?language=en
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