Páscoa, história e utopias

05/04/2007
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A Páscoa é a principal festa das Igrejas cristãs: celebra a ressurreição de Jesus. Em sua origem, é a grande festa  judaica que comemora a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, em  1250 a.C., sob o reinado do faraó Ramsés II. Curioso é que, ao contrário  das religiões persas e mesopotâmicas, babilônicas e gregas, o judaismo e o  cristianismo não celebram mitos, e sim fatos históricos.

É  histórico que Moisés conduziu o processo que levou os hebreus a se livrarem  do jugo em que viviam. E, malgrado as obras de Feuerbach e Renan e,  posteriormente, o rasteiro ateísmo estalinista, hoje nenhum historiador de  respeito nega a existência histórica de Jesus, atestada por historiadores  não-cristãos que lhe foram contemporâneos, como Flávio Josefo e Tácito.  Aliás, há mais documentos científicos sobre a existência de Jesus que de  Sócrates, que só conhecemos via Platão. O que ultrapassa a historiografia é  a crença em sua ressurreição, que pertence à esfera da(o)  (a)fé(to).

Os evangelhos registram a presença de Jesus em Jerusalém por ocasião das festas pascais. Foi numa delas, a do ano 30, que  ele, preso por blasfêmia e subversão, recebeu a pena capital e morreu  crucificado. Tinha 36 ou 37 anos de idade, pois hoje sabemos que o monge  Dionísio, o Pequeno, se esquivocou, no século VI, ao calcular o início de  nossa era. Dionísio não conhecia o zero e está comprovado que, ao morrer  Herodes no ano 4 antes de nossa era, Jesus já havia nascido.

A  visão do tempo como processo histórico marca profundamente a nossa cultura.  A Bíblia herdou-a dos persas e, assim, quebrou a circularidade grega. Três  grandes pilares de nossos atuais paradigmas o demonstram: Jesus, Marx e  Freud. Todos três judeus. Para Jesus, a nossa felicidade (salvação)  decide-se por nossa capacidade de amar no terreno da história. O Reino de  Deus não é algo "lá em cima", mas sim lá na frente, no futuro onde a  história atinge a sua plenitude, num mundo livre de opressões, e também o  seu limite, pela irrupção da presença divina entre nós.

Marx  analisa o capitalismo a partir das formações sociais que o precedem e  vislumbra, após a sua superação, um futuro de partilha e harmonia. Freud,  nas mesmas águas da historicidade, vai buscar no inconsciente, marcado por  nossas experiências mais primevas, a explicação para o nosso atual perfil  psicológico, tendo em vista o resgate da saúde mental.

Ora, um dos efeitos mais nefastos do neoliberalismo está condensado no famoso vaticínio de Fukuyama: "A história acabou". É claro que o nipo-americano sabe muito bem que as empresas transnacionais não pensam em deter seu ganancioso processo de acumulação do capital e, portanto, sua história de  cobiça e espoliação. O que ele pretende sugerir é que nós, pobres mortais,  devemos, como diria Dante hoje, abandonar à porta do mercado toda esperança.  

Na lata de lixo da história, que recolhe os escombros do Muro de Berlim, devemos jogar também nossos ideais, utopias e sonhos de um mundo diferente e, conformados, sujeitar-nos ao império da livre concorrência e da globalização, o novo nome do antigo colonialismo, pois faz do Planeta uma colônia sob a hegemonia de meia dúzia de nações ricas acolitadas pelo FMI e pelo Banco Mundial.

A Páscoa cristã sinaliza que, malgrado tanta miséria e desesperança, em Cristo temos a certeza da vitória da  justiça sobre a injustiça e da vida sobre a morte.
Aceitar que "a história  acabou" é cair no engodo da eternização do presente: a malhação que nos  promete eterna juventude; o apego aos bens como se fôssemos imortais; a  acumulação como se levássemos terras e tesouros para o além-túmulo; as  drogas como sucedâneo diabólico de uma geração que não aprendeu a sonhar com  Jesus, Gandhi, Luther King e Che Guevara.

É isto que a Igreja celebra hoje: Cristo vive e sua vitória sobre os poderes deste mundo é a garantia de que os sonhos brotados do coração e da fé são semente de "um novo céu e uma nova Terra", como prenuncia o Apocalipse. E, como diz a canção, um sonho que muitos sonham se faz realidade.


- Frei Betto é autor do romance sobre Jesus Entre todos os homens  (Ática).

https://www.alainet.org/pt/articulo/120405
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