As ciências sociais e o novo boom latino-americano
16/05/2007
- Opinión
A América Latina volta ao primeiro plano internacional. Por um lado, encontramos uma nova realidade política expressada em vitórias eleitorais de forças de centro-esquerda e de esquerda. Por outro lado, uma conjuntura econômica marcada pela retomada do crescimento econômico, a queda da dívida externa, o aumento dos superávits cambiais e o conseqüente aparecimento de amplas reservas de divisas. Estas mudanças são ainda mais impressinantes por estarem ligadas a um forte movimento de integração regional e o surgimento de uma diplomacia regional cada vez mais densa e atuante não somente no plano continental senão também no plano internacional.
Estes fatos assustam os centros do poder mundial. Está muito claro que estes centros, sejam as corporações transnacionais, sejam os Estados nacionais que as abrigam, protegem e estimulam, sentem-se sem poder para controlar completamente esta situação. Por outro lado, estas corporações e estes governos vêem com bons olhos a evolução econômica da região e não têm grandes confrontações com as políticas econômicas em andamento na maior parte dos países.
Temos falado nestes artigos sobre uma verdadeira mutação da consciência coletiva da região com a inclusão da subjetividade dos grupos étnicos e de gênero, dos despossuídos e marginalizados socialmente, das populações jovens e tantas outras camadas sociais excluídas por anos e anos dos centros de decisão que afetam duramente suas próprias vidas.
A onda democrática que se expande pelo mundo como resultado da derrocada das ditaduras impostas nos anos1960s e 1970s se impõe também pelo aumento da comunicação entre os povos e as lutas antiditatoriais e pela defesa dos direitos humanos.
Estes avanços democráticos retomam a defesa das conquistas democráticas dos anos 1930 a 1970, apoiadas em fortes movimentos de massa (que podem ter sido em parte manipulados pelos governos chamados”populistas”) mas que acumularam conquistas importantes contra as quais se lançaram as ondas de golpes de Estado e terror estatal iniciados com o golpe de 1964 no Brasil e, finalmente, a ofensiva neoliberal das décadas de 80 e 90.
Se já naquela época foi difícil deter as conquistas populares, atualmente será bem mais difícil deter um movimento que vem de baixo para cima, aproveitando as brechas antiautoritárias abertas pelos próprios centros de poder mundial quando decidiram livrar-se dos militares que eles mesmos tinham colocado no poder.
Neste movimento geral de superação de um quadro político, econômico e ideológico dominado pelo “pensamento único” de origem neoliberal, destaca-se o papel cada vez mais claro do pensamento socioeconômico e político latino-americano. Trata-se de sobrepor-se a um falso “universalismo”, alardeado por economistas “de terceira linha”, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional entre outros. Estes “economistas” pretendem ensinar economia a alguns dos melhores economistas do mundo. Entre eles existe uma geração de cientistas sociais na América Latina que desenvolveu nos anos 1950, 1960 e 1970 um pensamento social de alta qualidade e impacto internacional.
Instituições como a CEPAL (Comissão Econômica nas Nações Unidas para a América Latina), a ALAS (Associação Latino-americana de Sociologia), a FLACSO (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais), o CLACSO (Conselho Latino-americana de Ciências Sociais), permitiram afirmar uma consciência e prática profissional de excelente qualidade no continente, mas, sobretudo, foram abrindo caminho para um pensamento regional cada vez mais denso, acompanhado de um enorme acervo de estatísticas e pesquisas empíricas.
É muito alentador ver como estas instituições conseguiram manter sua continuidade em um continente assaltado por golpes militares, censuras, demissão e perseguição de professores, e outros confrontos violentos. As Universidades nacionais e as instituições básicas de planejamento (muito enfraquecidas pelos delírios livre-cambistas neoliberais) conseguiram sobreviver apesar de todos os ataques que sofreram. Elas permitiram manter um substrato intelectual no continente apesar dos ataques de um arcaísmo triunfante que era exercido em nome da “modernidade”.
À medida que o baixo nível dos titulares do “pensamento único” foi se revelando com o fracasso de suas políticas, os intelectuais, cientistas sociais e artistas autênticos começam a levantar novamente suas cabeças e somar-se à grande ofensiva em andamento no plano internacional e regional contra os donos das consciências humanas atemorizadas pelo terror repressivo, físico, moral e intelectual. No final deste mês de maio participaremos em Cochabamba de uma reunião da Rede em Defesa da Humanidade sobre o papel dos meios de comunicação neste processo. Em junho participaremos em Havana do V Encontro Internacional sobre Cultura e Desenvolvimento com uma problemática similar.
Nos próximos meses assistiremos alguns momentos de afirmação das instituições que sobreviveram a esta onda de barbárie. A ALAS realizará seu XXVI Congresso em agosto (13 a 18) em Guadalajara. A FLACSO comemorará seus 50 anos em outubro (29 a 31), O CLACSO comemorará seus 40 anos em outubro (25 a 27) em Bogotá. Ao mesmo tempo, muitas outras instituições foram criadas e desenvolvidas neste período e seria muito difícil enumerá-las em um artigo curto.
Só gostaria de assinalar que em novembro deste ano se reunirá em Caracas a Cátedra e Rede da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN, ver www.reggen.org.br) que eu dirijo e que reúne centros de pesquisa dos vários continentes para fazer um balanço destas mudanças junto com várias instituições latino-americanas e internacionais que formam a REGGEN e com uma participação especial de vários grupos de trabalho do CLACSO e da Rede de Economia Mundial (REDEM) com sede em Puebla, México, além de um grande número de intelectuais de várias partes do mundo que reúnem-se em torno do Centro Internacional Miranda que abrigará este evento em Caracas.
Acredito firmemente que uma grande mudança teórica está em curso e que esta oportunidade permitirá explicitá-la para liberar definitivamente nosso pensamento de uma contra-revolução teórica similar à que representou a inquisição católica frente à emergência de uma nova sociedade burguesa e um novo pensamento em escala mundial nos séculos XV a XVIII. É notável verificar como pode ganhar credibilidade uma tentativa de voltar em pleno século XXI aos esquemas de uma economia de livre mercado instituídos no século XVIII e completamente ultrapassados pela realidade econômica de nosso tempo.
- Theotonio Dos Santos é Diretor Presidente da Cátedra UNESCO-UNU sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (www.reggen.org.br) e Professor Visitante da Universidade do Estado da Paraíba (UEPB).
Estes fatos assustam os centros do poder mundial. Está muito claro que estes centros, sejam as corporações transnacionais, sejam os Estados nacionais que as abrigam, protegem e estimulam, sentem-se sem poder para controlar completamente esta situação. Por outro lado, estas corporações e estes governos vêem com bons olhos a evolução econômica da região e não têm grandes confrontações com as políticas econômicas em andamento na maior parte dos países.
Temos falado nestes artigos sobre uma verdadeira mutação da consciência coletiva da região com a inclusão da subjetividade dos grupos étnicos e de gênero, dos despossuídos e marginalizados socialmente, das populações jovens e tantas outras camadas sociais excluídas por anos e anos dos centros de decisão que afetam duramente suas próprias vidas.
A onda democrática que se expande pelo mundo como resultado da derrocada das ditaduras impostas nos anos1960s e 1970s se impõe também pelo aumento da comunicação entre os povos e as lutas antiditatoriais e pela defesa dos direitos humanos.
Estes avanços democráticos retomam a defesa das conquistas democráticas dos anos 1930 a 1970, apoiadas em fortes movimentos de massa (que podem ter sido em parte manipulados pelos governos chamados”populistas”) mas que acumularam conquistas importantes contra as quais se lançaram as ondas de golpes de Estado e terror estatal iniciados com o golpe de 1964 no Brasil e, finalmente, a ofensiva neoliberal das décadas de 80 e 90.
Se já naquela época foi difícil deter as conquistas populares, atualmente será bem mais difícil deter um movimento que vem de baixo para cima, aproveitando as brechas antiautoritárias abertas pelos próprios centros de poder mundial quando decidiram livrar-se dos militares que eles mesmos tinham colocado no poder.
Neste movimento geral de superação de um quadro político, econômico e ideológico dominado pelo “pensamento único” de origem neoliberal, destaca-se o papel cada vez mais claro do pensamento socioeconômico e político latino-americano. Trata-se de sobrepor-se a um falso “universalismo”, alardeado por economistas “de terceira linha”, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional entre outros. Estes “economistas” pretendem ensinar economia a alguns dos melhores economistas do mundo. Entre eles existe uma geração de cientistas sociais na América Latina que desenvolveu nos anos 1950, 1960 e 1970 um pensamento social de alta qualidade e impacto internacional.
Instituições como a CEPAL (Comissão Econômica nas Nações Unidas para a América Latina), a ALAS (Associação Latino-americana de Sociologia), a FLACSO (Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais), o CLACSO (Conselho Latino-americana de Ciências Sociais), permitiram afirmar uma consciência e prática profissional de excelente qualidade no continente, mas, sobretudo, foram abrindo caminho para um pensamento regional cada vez mais denso, acompanhado de um enorme acervo de estatísticas e pesquisas empíricas.
É muito alentador ver como estas instituições conseguiram manter sua continuidade em um continente assaltado por golpes militares, censuras, demissão e perseguição de professores, e outros confrontos violentos. As Universidades nacionais e as instituições básicas de planejamento (muito enfraquecidas pelos delírios livre-cambistas neoliberais) conseguiram sobreviver apesar de todos os ataques que sofreram. Elas permitiram manter um substrato intelectual no continente apesar dos ataques de um arcaísmo triunfante que era exercido em nome da “modernidade”.
À medida que o baixo nível dos titulares do “pensamento único” foi se revelando com o fracasso de suas políticas, os intelectuais, cientistas sociais e artistas autênticos começam a levantar novamente suas cabeças e somar-se à grande ofensiva em andamento no plano internacional e regional contra os donos das consciências humanas atemorizadas pelo terror repressivo, físico, moral e intelectual. No final deste mês de maio participaremos em Cochabamba de uma reunião da Rede em Defesa da Humanidade sobre o papel dos meios de comunicação neste processo. Em junho participaremos em Havana do V Encontro Internacional sobre Cultura e Desenvolvimento com uma problemática similar.
Nos próximos meses assistiremos alguns momentos de afirmação das instituições que sobreviveram a esta onda de barbárie. A ALAS realizará seu XXVI Congresso em agosto (13 a 18) em Guadalajara. A FLACSO comemorará seus 50 anos em outubro (29 a 31), O CLACSO comemorará seus 40 anos em outubro (25 a 27) em Bogotá. Ao mesmo tempo, muitas outras instituições foram criadas e desenvolvidas neste período e seria muito difícil enumerá-las em um artigo curto.
Só gostaria de assinalar que em novembro deste ano se reunirá em Caracas a Cátedra e Rede da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN, ver www.reggen.org.br) que eu dirijo e que reúne centros de pesquisa dos vários continentes para fazer um balanço destas mudanças junto com várias instituições latino-americanas e internacionais que formam a REGGEN e com uma participação especial de vários grupos de trabalho do CLACSO e da Rede de Economia Mundial (REDEM) com sede em Puebla, México, além de um grande número de intelectuais de várias partes do mundo que reúnem-se em torno do Centro Internacional Miranda que abrigará este evento em Caracas.
Acredito firmemente que uma grande mudança teórica está em curso e que esta oportunidade permitirá explicitá-la para liberar definitivamente nosso pensamento de uma contra-revolução teórica similar à que representou a inquisição católica frente à emergência de uma nova sociedade burguesa e um novo pensamento em escala mundial nos séculos XV a XVIII. É notável verificar como pode ganhar credibilidade uma tentativa de voltar em pleno século XXI aos esquemas de uma economia de livre mercado instituídos no século XVIII e completamente ultrapassados pela realidade econômica de nosso tempo.
- Theotonio Dos Santos é Diretor Presidente da Cátedra UNESCO-UNU sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (www.reggen.org.br) e Professor Visitante da Universidade do Estado da Paraíba (UEPB).
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