Povos originários reúnem-se na Bolívia:

Direitos indígenas

11/10/2007
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de Tiwanaco e La Paz (Bolivia)

Participantes de encontro convocado por Evo Morales comemoram declaracao da ONU e exigem acoes dos Estados.

Para celebrar a aprovaçao, pela ONU, da Declaraçao Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, e, sobretudo, para elaborar propostas concretas de preservaçao da natureza e do meio ambiente, representantes indigenas de todo o planeta estiveram reunidos no Encontro Mundial dos Povos Indigenas, entre os dias 10 e 12 de outubro, nas cidades de La Paz, Tiwanaku e Chimoré, na Bolívia. A cúpula foi convocada, no dia 15 de setembro, pelo presidente boliviano, Evo Morales, dois dias depois da aprovacao do documento das Nacoes Unidas.

No dia 12, durante o ato de encerramento do encontro, na cidade de Chimoré, no departamento de Cochabamba, seus participantes leram o documento final (veja o texto completo), elaborado durante os debates realizados.  O texto, que contem 14 mandatos que os Estados de todo o mundo devem cumprir, chama a atencao para o fato de a concentracao de capital em poucas maos e a exploracao irracional dos recursos naturais terem “ferido de morte a Mae-Terra”.

Cumprimento

Sobre a declaracao da ONU, os indigenas reunidos na Bolivia exortam os paises membros da entidade e incentivam os povos originarios que “deem cumprimento e pratica a este importante instrumento de significacao historica”, e censuram os governos que votaram contra.

O documento do encontro ainda manifesta o comprometimento em respaldar o “esforco histórico liderado pelo irmao Evo Morales, Presidente dos Povos Indígenas de Abya Yala, na construcao de un novo Estado plurinacional”.

Entre os 14 pontos do texto final, os indígenas convocam os Estados do mundo a contruírem um mundo baseado na cultura da vida dos povos originários; a salvar a natureza dos desastres provocados pelo capitalismo; a substituir esse modelo por outro que respeite a vida; declarar a água como um direito humano; mudar a sede da ONU, hoje nos EUA; entre outros.

Pobreza extrema

A Declaraçao Universal dos Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada no dia 13 se setembro, durante a Assembléia Geral da Organizaçao das Naçoes Unidas (ONU). As negociaçoes para o conteúdo do documento levaram cerca de 25 anos. Estima-se que, se aplicada de forma concreta, a declaraçao protegerá mais de 370 milhoes de pessoas em cerca de 70 paises.

Houve 143 votos a favor e 11 abstençoes. Quatro países votaram contra: Australia, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelandia.

O texto estabelece parâmetros, entre outros, em relaçao aos direitos dos povos indígenas à posse da terra, ao acesso aos recursos naturais, ao respeito e preservaçao de suas tradiçoes e à defesa da autodeterminaçao.

“Estamos esperando uma sensibilidade da comunidade internacional sobre a extrema pobreza em que vivem os povos indígenas. Muitas de nossas comunidades vivem com fome, com desnutriçao crônica, e, sobretudo, nao têm acesso a uma educaçao que permita que nós possamos ingressar nas tomadas de decisoes nos níveis político, econômico e social”, disse, ao Brasil de Fato, a guatemalteca Rigoberta Menchú, prêmio Nobel da Paz em 1992, e presente no encontro na Bolívia.

Segundo ela, a comunidade internacional tem uma dívida com os povos indígenas de todo o mundo, pois permitiu que a discussao sobre a declaraçao da ONU durasse 25 anos. “E, durante esse período, aconteceram genocídios, assassinatos, mentiras”, lembra Rigoberta, que exortou que se acabe o monoculturalismo no mundo.

Votos contra

Para Francisco Machaca Apaza, do Consejo Nacional de Ayllus y Markas del Qullasuyu (Conamaq), da Bolivia, o texto das Naçoes Unidas é dos povos originários do mundo, que pedem que ela seja observada por todos as naçoes.

Em relaçao aos quatro países que votaram contra, Rigoberta diz que “felizmente” eles assim o fizeram, pois seria incompreensível o fato deles terem travado a aprovaçao por 25 anos e agora votarem a favor. “Votam contra porque nao aceitam o direito que os povos indígenas têm de ser povos. O direito que têm de exercer o controle sobre e desfrutar os recursos naturais, minerais. Nao aceitam que a terra para nós nao é só uma fonte econômica, mas também de energias, de espiritualidade. Nao aceitam que nossos filhos devem decidir por si mesmos. Querem nos governar para sempre, e isso nao pode acontecer. Para mim, é melhor que nao tenham votado a favor”, protesta.

Suas críticas foram acompanhadas por Francisco: “Sao governos que mostraram que nao respeitam a natureza, os seres humanos dessa mae-terra. Portanto, pedimos a eles uma reflexao, que enxerguem os seres vivos do planeta. Que nao maltratemos mais a mae-terra”.

RETRANCA

Cerimonia nas ruínas sagradas de Tiwanaco

No dia 11, a 72 km de La Paz, nas ruínas sagradas de Tiwanaku, capital de uma cultura pré-inca (estima-se que teve início em torno de 2400 a.C.) e centro espiritual dos aymaras, foi realizada uma cerimonia para a celebraçao da Declaraçao da ONU. O colorido das roupas dos cerca de dois mil indígenas presentes deram o tom, assim como o forte apoio a Evo Morales, explicitado em faixas e palavras de ordem.

Durante o ato, o Conselho Municipal (equivalente, no Brasil, à Camara dos Vereadores) de Tiwanaku homenageou Rigoberta Menchú. Em seu discurso, ela lembrou que uma declaraçao universal de direitos dos povos indígenas foi exigido há 25 anos. “Naquela época, éramos pequenos. Desde entao, muitos morreram, foram assassinados, foram humilhados. Por isso, sentimos que essa é nossa declaraçao”, disse.

Minuto de silencio

Rigoberta reconheceu a participaçao de países amigos nessa conquista – “sempre estiveram conosco” –, como Suecia, Noruega, Holanda e Cuba. Sobretudo, destacou o papel do país anfitriao do encontro. “Estamos aqui para render homenagem à Bolívia, às suas comunidades e organizaçoes indígenas. Principalmente, a Evo, por ser o único governante que decide de maneira concreta o destino dos povos originários.

Em seguida, um representante dos povos indígenas bolivianos pediu um minuto de silencio em memoria dos que foram “mortos, humilhados, esquartejados” durante mais de 500 anos de luta pelo territorio, e exigiu que a declaraçao da ONU seja incluída na nova Constituiçao do país.

Muito aplaudida, uma representante dos Comanche, dos EUA, um dos quatro países contrarios ao texto da ONU, afirmou que os povos originários de seu país “farao de tudo para mudar o presidente, mudar o Congresso e caminhar juntos com voces em torno da declaraçao dos povos indígenas”. “Regressamos para os EUA com o coraçao mais forte, com o compromisso de avançarmos em nossa luta”, concluiu. Seu discurso foi sucedido por uma apresentaçao de música e dança por um casal indígena da Nova Zelandia, outro país que votou contra a declaraçao das Naçoes Unidas.

Oferenda

Em seguida, vestido a caráter, falou Evo Morales. “Na época da Colonia, dominavam os reis, o clero. Nos últimos anos, dominou a oligarquia. Com a nova Constituiçao, queremos construir o poder do povo”, disse. Em alusao à comemoraçao, no dia 10, dos 25 anos de democracia contínua na Bolivia, Evo afirmou: “Nao nos deram de presente a democracia. Principalmente aos povos indígenas e camponeses, custou luta, sangue. Mas a democracia que temos é neoliberal, é só para a minoria”. Para concluir, o presidente boliviano disse que o sistema capitalista, que concentra as riquezas nas maos de poucos, nao é a soluçao: “os povos indígenas e camponeses devem impulsionar outro tipo de modelo economico, um que defenda a vida”.

A cerimonia nas ruínas de Tiwanaku foi encerrada com uma oferenda, na qual participaram Rigoberta Menchú e Evo Morales, a Pachamama, a “Mae-terra”, nome dado à terra pelos povos indígenas que habitam os Andes.

- Igor Ojeda:  Brasil de Fato

https://www.alainet.org/pt/articulo/123732
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