A caverna de Platão
09/12/2007
- Opinión
No livro VII de A República, Platão narra que Sócrates propôs a seus ouvintes imaginarem um grupo de prisioneiros acorrentados numa caverna, sem nunca poder se virar. Lá fora há uma fogueira, cujas chamas projetam dentro da caverna as sombras de quem passa diante da entrada. Os prisioneiros, que nunca viram o mundo exterior, julgam que as sombras e o eco das vozes são reais.
O capitalismo, em seus primórdios, produzia em função das necessidades humanas. Não se investia em algo que o consumidor julgasse desnecessário. A superprodução inventou a publicidade de modo a inverter o processo, já não é o consumidor que busca o produto, é o produto que se impõe ao consumidor.
O avanço tecnológico e o designer tornam a mercadoria descartável. Não basta ter um rádio. É preciso ter o novo rádio, de linhas arrojadas, formado menor, capaz de funcionar a pilha. Assim, graças à publicidade o supérfluo torna-se necessário.
Nessa sua fase neoliberal, em pleno advento da pós-modernidade, o capitalismo introduz o mercado como paradigma supremo. Se no período medieval o paradigma foi teocêntrico, e a fé figurava como rainha do saber; se no período moderno o paradigma antropocêntrico fez a fé ceder lugar à razão; agora o mercado não se interessa pelo homem religioso ou racional, interessa-se pelo consumista. E quanto menos razão, mais emoção, o que induz o consumidor a contemplar, embevecido, um novo computador ou os veículos expostos no Salão do Automóvel. Assim, o capitalismo alcança o nosso inconsciente.
Agora, de costas à concretude da existência e indiferentes à sua historicidade, tomamos as sombras por realidades. O sentido da vida desloca-se da fé (coração) e dos ideais (razão) para centrar-se nos objetos possuídos. Vive-se em função de bens finitos. Mesmo para o jovem morador da favela, o tênis de marca é mais importante que a escolaridade e a formação profissional.
A pessoa é o quem tem e ostenta, e não os valores e propósitos que assume. As aparências contam mais que o ser, e ainda que isso não seja verdade há o socorro miraculoso do marketing para convencer-nos de que faz bem à saúde o refrigerante descalcificador; imprime sedução a cerveja que alcooliza; concede status o carro luxuoso. Vale a pena votar no político safado revestido de ética!
Se os bens finitos superam os infinitos, e o desejo converge para o absurdo, e não para o Absoluto, não é de se estranhar que as frustrações sejam proporcionais às ambições. Todos invejam o alpinismo de seus ídolos incensados pela mídia, embora deles conheçamos apenas as sombras projetadas na tela da TV e das revistas, pois estamos irremediavelmente de costas para a porta da rua, convencidos de que o personagem representado por aqueles que exibem fama, poder e riqueza é mais real que as pessoas deles.
- Frei Betto é escritor, autor de “Típicos tipos – perfis literários” (A Girafa), entre outros livros.
O capitalismo, em seus primórdios, produzia em função das necessidades humanas. Não se investia em algo que o consumidor julgasse desnecessário. A superprodução inventou a publicidade de modo a inverter o processo, já não é o consumidor que busca o produto, é o produto que se impõe ao consumidor.
O avanço tecnológico e o designer tornam a mercadoria descartável. Não basta ter um rádio. É preciso ter o novo rádio, de linhas arrojadas, formado menor, capaz de funcionar a pilha. Assim, graças à publicidade o supérfluo torna-se necessário.
Nessa sua fase neoliberal, em pleno advento da pós-modernidade, o capitalismo introduz o mercado como paradigma supremo. Se no período medieval o paradigma foi teocêntrico, e a fé figurava como rainha do saber; se no período moderno o paradigma antropocêntrico fez a fé ceder lugar à razão; agora o mercado não se interessa pelo homem religioso ou racional, interessa-se pelo consumista. E quanto menos razão, mais emoção, o que induz o consumidor a contemplar, embevecido, um novo computador ou os veículos expostos no Salão do Automóvel. Assim, o capitalismo alcança o nosso inconsciente.
Agora, de costas à concretude da existência e indiferentes à sua historicidade, tomamos as sombras por realidades. O sentido da vida desloca-se da fé (coração) e dos ideais (razão) para centrar-se nos objetos possuídos. Vive-se em função de bens finitos. Mesmo para o jovem morador da favela, o tênis de marca é mais importante que a escolaridade e a formação profissional.
A pessoa é o quem tem e ostenta, e não os valores e propósitos que assume. As aparências contam mais que o ser, e ainda que isso não seja verdade há o socorro miraculoso do marketing para convencer-nos de que faz bem à saúde o refrigerante descalcificador; imprime sedução a cerveja que alcooliza; concede status o carro luxuoso. Vale a pena votar no político safado revestido de ética!
Se os bens finitos superam os infinitos, e o desejo converge para o absurdo, e não para o Absoluto, não é de se estranhar que as frustrações sejam proporcionais às ambições. Todos invejam o alpinismo de seus ídolos incensados pela mídia, embora deles conheçamos apenas as sombras projetadas na tela da TV e das revistas, pois estamos irremediavelmente de costas para a porta da rua, convencidos de que o personagem representado por aqueles que exibem fama, poder e riqueza é mais real que as pessoas deles.
- Frei Betto é escritor, autor de “Típicos tipos – perfis literários” (A Girafa), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/124657
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