Receita de uma crise
04/03/2008
- Opinión
Não há crise na América do Sul. Ao violar o território equatoriano, o governo de Álvaro Uribe busca estimular o conflito armado em seu próprio país, já que seu jargão de “combate ao terrorismo” serve para justificar a política de repressão e a presença militar dos Estados Unidos na região. Ao mesmo tempo, Uribe tem como objetivo romper com a possibilidade de um acordo negociado e humanitário com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para a liberação de reféns, principalmente ex-parlamentares que faziam oposição à sua política de guerra.
Se houvesse realmente uma crise na América do Sul, os demais países da região não seriam unânimes em condenar a ação do exército colombiano. Porém, sabemos que historicamente foram fabricadas diversas “crises” para justificar a manutenção do controle político, econômico e militar dos Estados Unidos, não só na América Latina, mas em outros continentes. A guerra na Colômbia é essencial para que os Estados Unidos mantenham um aparato bélico na região. O Plano Colômbia foi construído para servir de plataforma militar regional e, em diversos momentos, o governo estadunidense tentou envolver os países do Cone Sul no conflito.
No início de 2001, quando o então presidente Andrés Pastrana e o líder das FARC Manuel Marulanda tentavam negociar um acordo de paz, George Bush assumia o poder na Casa Branca e iniciava sua campanha internacional para a ampliação do Plano Colômbia. O Secretário de Estado norte-americano na época, Colin Powell, tinha a tarefa de conseguir a colaboração de países latino-americanos para sua estratégia militar na Colômbia.
Naquele momento, o chamado Plano Colômbia ou “pacote de auxílio” de 1.3 bilhões de dólares, foi aprovado pelo Congresso norte-americano com a justificativa de defender a democracia e acabar com o narcotráfico. O Congresso inclusive condicionava a liberação de recursos para o Plano Colômbia à sua não utilização para fins contra-insurgentes. Claro que ninguém acredita que o propósito do Plano Colômbia era o combate às drogas, mas naquele momento não era aceitável admitir abertamente o papel militar estadunidense contra as guerrilhas colombianas.
Somente após os atentados em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001, o governo Bush passou a utilizar o “combate ao terrorismo” para justificar sua política de guerra. A aceitação da classificação das FARC como grupo “terrorista” só foi possível no contexto internacional pós 11 de setembro. Desde então, este jargão tem sido aceito por muitos governos e meios de comunicação.
A partir de 2002, Colin Powell garantiu uma verba adicional de 731 milhões de dólares para financiar a participação do Equador, Bolívia e Peru no Plano Colômbia. O papel do Equador era central, principalmente porque os Estados Unidos utilizavam a estrutura da Base de Manta, com capacidade de controlar o espaço aéreo da região Amazônica, do Canal do Panamá e da América Central.
A eleição do presidente Rafael Correia interrompeu o apoio do Equador ao Plano Colômbia, já que uma de suas principais medidas foi anunciar que não renovaria o acordo com os Estados Unidos para o controle da Base de Manta. A eleição do presidente Evo Morales na Bolívia e a mudança na política externa daquele país significou um problema adicional para o governo estadunidense na região. Apesar de reiteradas tentativas do governo Bush, através do chamado Comando Sul (um setor do Exército estadunidense que atua na América Latina), para envolver países sul-americanos no conflito colombiano, outros governos têm se recusado a classificar as FARC como terroristas e a enviar tropas para combater as guerrilhas na Colômbia.
Mais recentemente, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, iniciou uma campanha internacional por um acordo humanitário e a libertação de reféns seqüestrados pelas FARC, que ganhou apoio governamental e admiração da sociedade em muitos países, principalmente na Europa e América Latina. É claro que Uribe e Bush precisavam de um contra-ataque e elegeram como alvo o Equador, visando o presidente Rafael Correia e apostando na disseminação de uma onda de “crise” hemisférica.
Imediatamente, a mídia conservadora em muitos países repete declarações da polícia colombiana sobre suposta colaboração dos governos do Equador e da Venezuela com as FARC. Este tipo de campanha serve para intimidar possíveis tentativas de mediação de um acordo de paz na Colômbia. Outras declarações reforçam o clima de guerra. Durante a Conferência de Desarmamento da ONU, o vice-presidente colombiano, Francisco Santos Calderón, declara que as FARC pretendem obter material radioativo, enquanto Alvaro Uribe ameaça denunciar Hugo Chávez à Corte Penal Internacional por “patrocínio e financiamento de genocidas".
Como diz o professor Noam Chomsky, a primeira vítima em uma guerra é a verdade. Neste caso, o palco está montado. Resta saber se Uribe (que tenta esconder denúncias de envolvimento com paramilitares) e Bush (que está desmoralizado e prestes a deixar a Casa Branca) terão credibilidade suficiente para alimentar esta farsa.
- Maria Luisa Mendonça é jornalista e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Se houvesse realmente uma crise na América do Sul, os demais países da região não seriam unânimes em condenar a ação do exército colombiano. Porém, sabemos que historicamente foram fabricadas diversas “crises” para justificar a manutenção do controle político, econômico e militar dos Estados Unidos, não só na América Latina, mas em outros continentes. A guerra na Colômbia é essencial para que os Estados Unidos mantenham um aparato bélico na região. O Plano Colômbia foi construído para servir de plataforma militar regional e, em diversos momentos, o governo estadunidense tentou envolver os países do Cone Sul no conflito.
No início de 2001, quando o então presidente Andrés Pastrana e o líder das FARC Manuel Marulanda tentavam negociar um acordo de paz, George Bush assumia o poder na Casa Branca e iniciava sua campanha internacional para a ampliação do Plano Colômbia. O Secretário de Estado norte-americano na época, Colin Powell, tinha a tarefa de conseguir a colaboração de países latino-americanos para sua estratégia militar na Colômbia.
Naquele momento, o chamado Plano Colômbia ou “pacote de auxílio” de 1.3 bilhões de dólares, foi aprovado pelo Congresso norte-americano com a justificativa de defender a democracia e acabar com o narcotráfico. O Congresso inclusive condicionava a liberação de recursos para o Plano Colômbia à sua não utilização para fins contra-insurgentes. Claro que ninguém acredita que o propósito do Plano Colômbia era o combate às drogas, mas naquele momento não era aceitável admitir abertamente o papel militar estadunidense contra as guerrilhas colombianas.
Somente após os atentados em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001, o governo Bush passou a utilizar o “combate ao terrorismo” para justificar sua política de guerra. A aceitação da classificação das FARC como grupo “terrorista” só foi possível no contexto internacional pós 11 de setembro. Desde então, este jargão tem sido aceito por muitos governos e meios de comunicação.
A partir de 2002, Colin Powell garantiu uma verba adicional de 731 milhões de dólares para financiar a participação do Equador, Bolívia e Peru no Plano Colômbia. O papel do Equador era central, principalmente porque os Estados Unidos utilizavam a estrutura da Base de Manta, com capacidade de controlar o espaço aéreo da região Amazônica, do Canal do Panamá e da América Central.
A eleição do presidente Rafael Correia interrompeu o apoio do Equador ao Plano Colômbia, já que uma de suas principais medidas foi anunciar que não renovaria o acordo com os Estados Unidos para o controle da Base de Manta. A eleição do presidente Evo Morales na Bolívia e a mudança na política externa daquele país significou um problema adicional para o governo estadunidense na região. Apesar de reiteradas tentativas do governo Bush, através do chamado Comando Sul (um setor do Exército estadunidense que atua na América Latina), para envolver países sul-americanos no conflito colombiano, outros governos têm se recusado a classificar as FARC como terroristas e a enviar tropas para combater as guerrilhas na Colômbia.
Mais recentemente, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, iniciou uma campanha internacional por um acordo humanitário e a libertação de reféns seqüestrados pelas FARC, que ganhou apoio governamental e admiração da sociedade em muitos países, principalmente na Europa e América Latina. É claro que Uribe e Bush precisavam de um contra-ataque e elegeram como alvo o Equador, visando o presidente Rafael Correia e apostando na disseminação de uma onda de “crise” hemisférica.
Imediatamente, a mídia conservadora em muitos países repete declarações da polícia colombiana sobre suposta colaboração dos governos do Equador e da Venezuela com as FARC. Este tipo de campanha serve para intimidar possíveis tentativas de mediação de um acordo de paz na Colômbia. Outras declarações reforçam o clima de guerra. Durante a Conferência de Desarmamento da ONU, o vice-presidente colombiano, Francisco Santos Calderón, declara que as FARC pretendem obter material radioativo, enquanto Alvaro Uribe ameaça denunciar Hugo Chávez à Corte Penal Internacional por “patrocínio e financiamento de genocidas".
Como diz o professor Noam Chomsky, a primeira vítima em uma guerra é a verdade. Neste caso, o palco está montado. Resta saber se Uribe (que tenta esconder denúncias de envolvimento com paramilitares) e Bush (que está desmoralizado e prestes a deixar a Casa Branca) terão credibilidade suficiente para alimentar esta farsa.
- Maria Luisa Mendonça é jornalista e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
https://www.alainet.org/pt/articulo/126040?language=en
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