Um balanço de quase sete anos da Rodada Doha

15/04/2008
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Introdução

A Rodada Doha é a nona rodada de negociações comerciais internacionais se considerarmos as que foram realizadas desde 1947 no âmbito do antigo GATT (Acordo Geral de Comércio e Tarifas) e a primeira sob os auspícios da OMC (Organização Mundial do Comércio), o organismo multilateral que o sucedeu a partir de 1995.

A rodada foi inaugurada na IV Conferência Ministerial da OMC realizada na cidade de Doha no Emirado de Qatar em novembro de 2001. Embora não houvesse consenso entre seus membros sobre a conveniência de iniciar uma nova rodada de negociações, ela foi aprovada, principalmente, em função da insistência e pressão política dos países industrializados representados pelos EUA, Canadá, Japão e União Européia, grupo conhecido como o “Quadrilátero”. Estes estavam, particularmente, interessados em aprofundar os acordos de liberalização de tarifas industriais, serviços, investimentos e compras governamentais.

Os governos destes países receberam o apoio do Brasil, Argentina, Austrália e outros países interessados em negociar um novo acordo no âmbito do comércio de bens agrícolas, uma vez que o resultado alcançado na Rodada Uruguai do GATT, quando o tema foi negociado pela primeira vez, praticamente não alterou o protecionismo dos países desenvolvidos em relação à agricultura.

A resistência dos demais países membros ao início de uma nova rodada foi vencida na manhã do dia 14 de novembro, quase um dia depois da data prevista para a conclusão da Conferência, quando várias delegações já tinham partido, graças a uma manobra do presidente da mesa dos trabalhos que simplesmente leu uma resolução e a considerou aprovada pelo plenário.

Desta forma o Conselho Geral da OMC foi encarregado de organizar os grupos de trabalho dos técnicos da sede da entidade em Genebra sob coordenação do Comitê de Negociações Comerciais (CNC) para iniciar as negociações sobre 19 temas agrupados em seis áreas de atuação. Entre os temas destacavam-se agricultura, serviços, acesso a mercados não-agrícolas (NAMA), os chamados “Temas de Cingapura” (investimentos, políticas de concorrência, compras governamentais e facilitação de comércio), avaliação sobre implementação dos acordos TRIPS (propriedade intelectual) e TRIMS (investimentos), criação de grupos de trabalho sobre transferência de tecnologia, dívida e finanças e alguns temas novos como o comércio eletrônico.

Além do início da nova rodada, também denominada de “Rodada do Desenvolvimento” prevista para concluir em 1º de fevereiro de 2005, a Conferência aprovou uma medida de flexibilidade importante no acordo TRIPS que foi a possibilidade da quebra de patentes para a fabricação de remédios genéricos para enfrentar enfermidades como AIDS e Malária.

Mesmo com este ganho importante na conferência, iniciar a Rodada de Doha foi um grande equívoco, pois não foi resolvida uma série de pendências da conclusão da Rodada Uruguai do GATT, a economia dos países em desenvolvimento não haviam se recuperado ainda dos efeitos da abertura econômica dos anos 1990 e a agenda comercial, mais uma vez, foi determinada pelos interesses dos países industrializados.

A V Conferência Ministerial realizou-se em setembro de 2003 em Cancun no México de acordo com o cronograma previsto. No entanto, ela não chegou a qualquer conclusão devido à resistência dos países industrializados em fazerem concessões no tema agricultura e devido à oposição da maioria dos países em desenvolvimento em discutir os “Temas de Cingapura” argumentando que muitos itens aprovados nas conferências anteriores não tinham ainda sido implementados e que não fazia sentido negociar novos temas antes que isto ocorresse.

Nesta Conferência inaugurou-se também a atuação de uma nova coalizão de países coordenada pelo Brasil, Índia, Argentina e África do Sul denominada G – 20 devido ao número de membros. O foco deste grupo é a negociação de bens agrícolas. Embora não fosse a primeira iniciativa de conformar grupos de interesse entre países membros da OMC, foi a primeira vez que se articulou um grupo de países em desenvolvimento cuja maioria é de grande porte como os quatro coordenadores além da China, Paquistão, Indonésia, Nigéria, entre outros.

Um outro fator interessante é que nem todos eles são exportadores de bens agrícolas. Muitos são inclusive importadores de alimentos e em vários deles, como na Índia, a maioria da população vive no campo, o que exige políticas abrangentes para este setor, principalmente, no tocante à proteção dos interesses dos pequenos produtores e dos trabalhadores assalariados. No entanto, a eliminação das distorções que caracterizam as políticas agrícolas dos países desenvolvidos unifica seus interesses.

O fracasso da Conferência de Cancun e a criação do G – 20 provocaram uma reunião em meados de 2004 entre os membros do “Quadrilátero”, Brasil e Índia representando o G – 20 e a Austrália representando o “Grupo de Cairns” que é um outro grupo de interesse sobre comércio agrícola mais antigo do qual o Brasil e outros membros do G – 20 também fazem parte.

Nesta reunião nasceu uma proposta que o Conselho Geral da OMC ratificou em agosto de 2004 reduzindo a agenda das negociações a cinco temas: NAMA, agricultura, serviços, implementação do acordo TRIPS e facilitação de comércio.

Na prática isto significou reduzir a negociação substantiva aos dois primeiros temas, pois a decisão sobre a liberalização do comércio de serviços por meio do GATS (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços) já fora tomada antes e o que faltava definir eram os setores de serviços que cada país poderia colocar na mesa para negociar. A implementação diz respeito a alguns aspectos do acordo TRIPS que ainda não estão definidos e a facilitação de comércio se relaciona a procedimentos aduaneiros e outras medidas que desburocratizem e agilizem os processos de exportação e importação.

Embora a redução da agenda fosse uma vitória importante do G – 20, porque foi a primeira vez que os países em desenvolvimento conseguiram bloquear a hegemonia dos países industrializados sobre as negociações comerciais internacionais, a combinação da negociação de NAMA de interesse dos países industrializados e de agricultura de maior interesse dos países em desenvolvimento foi um novo equívoco e criou uma armadilha para os países em desenvolvimento que são possuidores de algum nível de industrialização como a Argentina, África do Sul, Brasil, entre outros.

Isto porque não é possível comparar e equiparar os ganhos da liberalização de dois produtos tão distintos. A “Teoria das Vantagens Comparativas” prega que um país ganha quando há a liberalização comercial de um bem em cuja produção ele é mais competitivo, mesmo que seja em troca da liberalização de outro produto onde sua competitividade é menor, favorecendo um outro país. Porém, como os dois são especializados nos seus respectivos produtos, o comércio de ambos tende a crescer e os dois, em tese, ganham.

No entanto, quando um destes produtos é industrial e o outro é agrícola, é muito arriscado aceitar a competição entre bens industriais produzidos nacionalmente e os importados simplesmente em troca de aumentar a exportação de bens agrícolas. Isto porque as perdas e ganhos na indústria são claros e decorrentes da tarifa externa, das regras de exceção que a negociação comercial definir e da gestão da produção, enquanto os ganhos na agricultura, mesmo liberalizada são incertos e dependentes de muitos outros fatores como o clima, ocorrência ou não de pragas, preços internacionais, armazenagem, procura e oferta, entre outros.

Além disto, se for ampliado o acesso aos mercados agrícolas dos países desenvolvidos isto pressupõe a ampliação da produção agrícola nos países em desenvolvimento trazendo ganhos para os produtores num primeiro momento, mas esta ampliação da oferta fará os preços caírem num segundo momento sem que os produtores tenham controle sobre eles. Isto não deve ser tomado como um fator de desestímulo para a busca do acesso de mercados, mas demonstra a complexidade da relação entre custo da importação de bens industriais em troca da exportação de commodities, aliás, uma questão histórica na relação econômica e política entre os países da periferia com os países centrais. 

O Professor Jagdish Bhagwati, liberal e ardoroso defensor do livre comércio ensina que nas negociações comerciais de agenda alargada como nos dias atuais, não convém misturar os temas a serem negociados, pois neste caso alguém perderá e, obviamente, será aquele que depender do bem de menor governabilidade quanto a volumes de produção e preços. Portanto, trocar ganhos em NAMA para os países industrializados por ganhos em agricultura para os países em desenvolvimento, mesmo que tragam uma vantagem no curto prazo, tenderão logo em seguida a produzir perdas irrecuperáveis na indústria.

Estas perdas se referem à possibilidade de desenvolvimento e à geração de empregos. Mais de 60% dos empregos nos países em desenvolvimento se encontram na indústria e eventuais ganhos na agricultura não gerariam empregos em número suficiente para compensar aqueles que vierem a ser perdidos no setor industrial e tampouco seriam empregos com a mesma qualidade e remuneração.

O governo brasileiro e outros argumentam com razão que, além de reduzir as barreiras tarifárias de bens agrícolas dos países desenvolvidos, é necessário modificar a disciplina que atualmente rege sua produção agrícola como o uso de subsídios domésticos pagos aos seus produtores rurais para assegurar os preços e níveis de produção e de subsídios diretos a sua exportação. Estes subsídios que representam aproximadamente US$ 1,0 Bilhão por dia geram uma competição desleal com os países produtores de bens agrícolas que não se utilizam deste mecanismo para ganhar espaço no mercado mundial.

Ora, se a proibição de subsídios à produção industrial, bem como de outros mecanismos de dumping comercial é parte dos princípios do GATT, OMC e Acordos Comerciais em geral, aceito por todos desde o início, porque este mesmo princípio não se aplica diretamente à produção de bens agrícolas ao invés de compor a agenda de negociações? A resposta é simples. A liberalização comercial não é tão liberal assim, pois adotar este princípio na indústria era benéfico para os países desenvolvidos competirem entre si em pé de igualdade, mas não o é quando se trata de competir com países que têm maiores vantagens competitivas que eles na agricultura.

Portanto, a ocorrência de um “trade off” entre um acordo em NAMA e um acordo em agricultura será essencialmente política para prestigiar o sistema multilateral de comércio ao invés de um acordo comercial com bons resultados para todos.   

Entre a reunião do Conselho Geral da OMC de agosto de 2004 e a VI Conferência Ministerial em Hong – Kong na China em dezembro de 2005, as discussões se deram em torno de fórmulas para reduzir tarifas em NAMA, fórmulas para reduzir tarifas e subsídios em agricultura e listas positivas de novos serviços a serem oferecidos para liberalização.

A pressão dos países industrializados por uma forte redução das tarifas de bens não agrícolas – NAMA – foi muito intensa, pois suas tarifas externas são em média muito mais baixas do que a dos países em desenvolvimento, 3% contra 14% em média ponderada. Sua ambição é reduzir a diferença entre estes dois valores para algo em torno de 4% porque, principalmente, as empresas multinacionais com sede nos EUA, Japão e União Européia querem ampliar ainda mais suas exportações para os países em desenvolvimento de mercados maiores.

O mecanismo de redução tarifária negociado em rodadas anteriores normalmente era linear e aplicado sobre cada linha tarifária consolidada na OMC ou sobre a média delas. O Brasil atualmente tem consolidado 98 setores tarifários não agrícolas na OMC e que compõem uma Tarifa Externa Comum no Mercosul (TEC) de 8.822 linhas tarifárias. Importante lembrar que as variantes de cada produto significam linhas diferentes. Por exemplo, no caso de um tecido de algodão, cada cor e textura serão tratadas como bens diferentes e, portanto, especificadas enquanto linhas tarifárias com valores específicos.

As tarifas consolidadas na OMC são as que resultaram do processo histórico de negociações comerciais para cada país que, no entanto, na prática acabam por aplicar tarifas menores em função de realidades específicas como o Mercosul onde existe a TEC dos quatro países em relação ao resto do mundo cuja média é menor do que a média das tarifas consolidadas. No caso do Brasil, sua tarifa média consolidada é 29,9%, a aplicada é 12,7% em média e a TEC média é de 10,8%. A diferença entre as duas últimas se deve ao fato de haver exceções na TEC, pois o Mercosul é uma União Aduaneira Incompleta.

Por exemplo, para o setor de calçados isto significa uma tarifa consolidada junto à OMC de 35% enquanto a TEC aplicada é de apenas 19,6%. No caso do setor automotivo os mesmos índices são respectivamente 31,7% e 19,4%.

Manter esta diferença entre tarifas aplicadas e consolidadas, conhecida no jargão comercial como “água”, permite aos países em desenvolvimento elevar tarifas até o limite do percentual consolidado num momento de ameaça competitiva inesperada. Se for aprovada a posição dos países desenvolvidos quanto a NAMA, esta possibilidade deixará de existir e se perderá mais um mecanismo de manejo macroeconômico.

Antes da conferência ministerial de Hong – Kong, alguns países como os EUA simplesmente chegaram a propor a redução de todas as tarifas de bens industriais a 8% em média até 2010 e a zero até 2015. Porém, durante as discussões surgiu a proposta de uma outra fórmula menos radical, embora também ruim para os países em desenvolvimento, que foi a chamada “Fórmula Suíça” que provocaria reduções ou cortes maiores na tarifas mais altas. Esta fórmula se contrapôs à preferência dos países em desenvolvimento por cortes lineares ou médios que preservassem algum espaço entre as tarifas aplicadas e as consolidadas.

A Fórmula Suíça provoca menor impacto sobre as tarifas quando seu coeficiente é alto, pois neste caso os cortes são mais baixos, mas ocorre o contrário quando os coeficientes são baixos. Por exemplo, um coeficiente 60 significa um corte de um terço na tarifa consolidada, o coeficiente 30 uma redução de 50% e o coeficiente 15 representa um corte de dois terços.

A fórmula que define as tarifas finais é tl = A x to / A + to, aonde “to” é a tarifa consolidada, “A” é o coeficiente a ser definido e “tl” é a tarifa final. Vejamos o que o coeficiente 15 significaria para a tarifa consolidada do Brasil que é de 29,9% em média:

tl = 15 x 29,9 / 15 + 29,9 = 448,5 / 44,9 = 9,99

Nesta opção, a nova tarifa consolidada média de 9,99% seria menor que a tarifa média aplicada pelo Brasil de 12,7% e da TEC média de 10,8%, o que significaria a perfuração de 5.480 das linhas tarifárias desta, 62% do total, o que provocaria expressivas aberturas comerciais em vários setores importantes para a economia do Brasil e consequentemente para o Mercosul como o de calçados, o automotivo, o químico e outros. Além do prejuízo de seu desempenho econômico colocaria mais de um milhão de empregos diretos em risco no Brasil somente nestes setores.

A conferência de Hong-Kong não chegou a nenhum acordo específico sobre novos valores para tarifas e subsídios e o texto resultante apenas definiu parâmetros para as negociações, principalmente, em NAMA e agricultura. No caso de NAMA, acordou-se adotar “uma Fórmula Suíça” para definir a redução de tarifas. Foi o terceiro equívoco do processo porque na hipótese mais favorável aos países em desenvolvimento, a fórmula apenas cortaria na “água”. Porém, a maior probabilidade, uma vez aceito o princípio que a Fórmula Suíça encerra, seria a adoção de um coeficiente que viesse a reduzir efetivamente a tarifa aplicada e é o que foi posto na mesa posteriormente.   

A situação atual das negociações

As negociações dos temas na rodada acontecem em grupos de trabalho específicos, onde os respectivos presidentes apresentam textos de resolução que direcionam os rumos das negociações e que evoluem ou não na direção de um acordo conforme as propostas dos países membros e da criatividade dos presidentes em transformar os diferentes anseios dos países membros em propostas viáveis.

Além das reuniões dos grupos de trabalho, há vários outros mecanismos de consulta e negociação. A instância superior é a Conferência Ministerial, mas para montar a arquitetura das negociações e aprovar encaminhamentos ocorrem diversas reuniões informais intermediárias com participação mais limitada de países membros, como as mini-ministeriais e as “green rooms”[1], além de reuniões como a já mencionada que provocou a redução da agenda em 2004 e outra ocorrida recentemente em Londres entre EUA, União Européia e Brasil, possivelmente para sondar a posição brasileira sobre as novas possibilidades de flexibilidades em NAMA que mencionaremos mais adiante.

Os textos inicialmente apresentados pelos presidentes dos grupos de NAMA e Agricultura não possibilitaram qualquer consenso e acordo ao longo de 2006 e 2007, mesmo com a ocorrência de reuniões fora do cronograma, como por exemplo, a que ocorreu após a Cúpula do G-8 em Heiligendamm na Alemanha em junho de 2007. A arrogância dispensada pelos negociadores europeus e americanos aos ministros de relações exteriores do Brasil e Índia nesta ocasião provocou a retirada deles da reunião.

Até o início de 2008, tudo indicava que a Rodada Doha não chegaria a uma conclusão com resultados concretos, em particular, o equilíbrio reivindicado pelo governo brasileiro e pelo G – 20 de redução de tarifas em NAMA em nível superior ao proposto pelos países desenvolvidos; redução de subsídios agrícolas domésticos dos EUA ao nível aproximado de US$ 10,0 Bilhões por ano; eliminação dos subsídios europeus à exportação e redução tarifária dos produtos agrícolas em nível proporcional às reduções que viessem a ser definidas em NAMA.

Esta expectativa até o momento não foi atendida. O texto sobre agricultura continua limitado e vago e o de NAMA apresentou propostas de reduções tarifárias muito superiores às tradicionalmente admitidas pelo governo brasileiro e pelo grupo de países de industrialização relativa que fazem parte do G – 20, conhecido com NAMA – 11 que já as rejeitou duas vezes.

O presidente do Grupo de Negociação de NAMA apresentou uma proposta que previa uma Fórmula Suíça com coeficientes entre 19 e 23 com a possibilidade de excluir 5% das linhas tarifárias e importações, consideradas sensíveis ou vulneráveis, da aplicação da fórmula e além da redução de 50% da fórmula sobre outros 10%. O que for acordado seria retroativo à situação das linhas tarifárias em novembro de 2001.

a) Avaliação dos coeficientes:

O atual coeficiente em discussão, embora sem obter consenso, propõe uma variação entre 19 e 23 para os países em desenvolvimento e de 8 a 9 para os países desenvolvidos. Se aplicarmos a Fórmula Suíça sobre as tarifas médias dos países em desenvolvimento (14%) e os desenvolvidos (3%), os cortes serão mais significativos para os primeiros.

Supondo os coeficientes maiores, 23 e nove, teremos:

tl1 = 23 x 14 / 23 + 14 = 322 / 37 = 8,7%. (Corte médio de 37,9%).

tl2 = 9 x 3 / 9 + 3 = 27 / 12 = 2,3%. (Corte médio de 23,3%).

Se utilizarmos os coeficientes menores de 19 e oito:

tl1 = 19 x 14 / 19 + 14 = 266 / 33 = 8,1%. (Corte médio de 42,1%).

tl2 = 8 x 3 / 8 + 3 = 24 / 11 = 2,2%. (Corte médio de 27,7%).

No primeiro exemplo, a diferença entre os cortes propostos para os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos é de 14,6 e no segundo, 14,4. Sem entrar no mérito dos valores dos coeficientes, mas considerando que o mandato da Rodada Doha é o de contribuir para o desenvolvimento, os países desenvolvidos teriam que conceder mais, um conceito que se denomina de “reciprocidade menos que total”. Neste sentido, os membros do NAMA - 11 têm argumentado que os cortes são altos demais e que deveria haver uma diferença mínima de 25 entre os cortes dos dois grupos de países.

A aplicação dos coeficientes 19 e 23 significam cortes tarifários, respectivamente, de 60,9% e 56,5% e provocariam os seguintes resultados sobre a tarifa consolidada média do Brasil de 29,9%:

tl19 = 19 x 29,9 / 19 + 29,9 = 568,1 / 48,9 = 11,7%

tl23 = 23 x 29,9 / 23 + 29,9 = 687,7 / 52,9 = 13%.

Neste caso, o número de perfurações da TEC variaria entre aproximadamente 3.500 e 5.000 com maior impacto sobre as linhas tarifárias de calçados, setor automotivo, móveis, têxteis e vestuário, material de transporte, entre outros.

b) Avaliação sobre as sensibilidades

Como já foi mencionado, o texto propõe a exclusão de até 5% das linhas tarifárias e das importações que cada país membro considere como sensíveis à competição comercial, bem como aplicar apenas 50% da fórmula da redução tarifária sobre até 10% das linhas e comércio. Entretanto, não será permitido isentar capítulos tarifários inteiros. Estes números permitiriam no caso do Brasil e demais países do Mercosul isentar 441 linhas tarifárias e aplicar apenas 50% da fórmula sobre outras 882 linhas tarifárias, o que significa que poderia haver alguma exceção para no máximo 1.323 linhas.

Além de ser pouco na atual situação dos países em desenvolvimento, é também uma contradição com o texto sobre agricultura onde não há limites para o número de produtos sensíveis. Em particular no caso dos países do Mercosul, há um agravante que é a TEC, pois esta define a relação comercial do bloco com o resto do mundo e dificilmente os seus quatro membros adotariam os mesmos produtos como sensíveis.

Por exemplo, vamos supor que Argentina e Brasil queiram incluir linhas tarifárias do setor automotivo como sensíveis e o Paraguai e Uruguai não o queiram. Estes dois podem se tornar a porta de entrada para a importação de automóveis para Brasil e Argentina, pois adotarão a nova tarifa negociada na OMC e como a tarifa entre os quatro países é zero isto desviaria o comércio para os dois primeiros.

Portanto, para contemplar as sensibilidades que cada um necessita considerar e sem causar prejuízos ao conjunto do Mercosul, os atuais percentuais de sensibilidades são baixos. Os governos do Mercosul propõem a adoção de um mínimo de 16% de isenções para superar este problema, o que permitiria manter 1.412 linhas tarifárias como estão.         

c) Avaliação sobre os adendos do “Chair”

No dia 28 de fevereiro o presidente (chair) do grupo de negociações de NAMA introduziu algumas modificações e comentários no texto com o qual o grupo vinha trabalhando que, por um lado, atendem a várias demandas dos países de menor desenvolvimento relativo e de outros que mantém um número menor de tarifas consolidadas na OMC, por outro, abrem possibilidades de modificações quanto às sensibilidades e prazos de implementação que são questões importantes para os países em desenvolvimento em geral.

Vamos nos ater às questões que afetam a este grupo de países. Sobre o tema sensibilidades, ele abriu oito diferentes possibilidades que combinam coeficientes para a fórmula com diferentes possibilidades para isentar produtos sensíveis de reduções tarifárias ou então para que estas sejam menores. O objetivo desta iniciativa era provocar os países do NAMA 11 a reduzirem suas objeções aos números apresentados até então.

Embora nenhum deles tenha concordado com qualquer uma das propostas ou qualquer número, vários deles se dispuseram a trabalhar com diferentes opções. Entre estas há três que oferecem maior número de linhas tarifárias sensíveis em troca de cortes tarifários mais altos depois de aplicada a Fórmula Suíça, há duas propostas que relacionam diretamente o valor do coeficiente com o percentual de linhas beneficiadas pelas flexibilidades, há outra opção que combina diferentes flexibilidades e há a opção oito que propõe um corte tarifário nos moldes da redução de tarifas de bens agrícolas da Rodada Uruguai do GATT com redução das médias e estabelecimento de teto tarifário.

A Argentina e Venezuela se dispuseram a analisar esta opção, embora ela seja considerada irrealista pelos especialistas no assunto, até porque contraria o espírito da Fórmula Suíça já aceita por todos desde 2005.

O governo indiano não se pronunciou sobre eventuais preferências e manifestou que a iniciativa do “chair” visava somente dividir o NAMA 11. O governo sul africano declarou que nenhuma das opções lhe interessaria uma vez que se encontra numa posição muito desconfortável nas negociações de NAMA, pois praticamente não existe “água” entre a média de sua tarifa consolidada e a média praticada. Qualquer corte tarifário teria efeitos imediatos e, portanto, seus esforços se voltam mais para elevar os coeficientes da fórmula do que conquistar flexibilidades.

O governo brasileiro demonstrou interesse em analisar possibilidades no âmbito da opção 2, em particular a sua segunda alternativa, possivelmente, com o intuito de aproveitar esta concepção para apresentar uma contra-proposta. A opção 2 é uma combinação de coeficientes com percentuais de linhas tarifárias sensíveis com total exclusão de cortes e com redução de 50% nos cortes.

Esta alternativa não propõe flexibilidades se o coeficiente for 24. No entanto, propõe exclusão dos cortes para 10% das linhas e corte de 50% da fórmula para 5% delas no caso de coeficiente 21 e exclusão e 50% para, respectivamente, 14 e 7% das linhas na hipótese de adoção do coeficiente 19.

Transformando isto em percentuais de corte e quantidade de linhas tarifárias isenta de corte ou com corte de 50% da fórmula teremos:
  1. Coeficiente 24 significa um corte de 55,5% e gera uma nova tarifa média consolidada de 13,3% provocando, aproximadamente, 3.000 perfurações da TEC. Neste caso não haveria flexibilidade para isentar linhas tarifárias.
  2. Coeficiente 21 significa um corte de 58,9% e gera uma nova tarifa média de 12,3% provocando, aproximadamente, 4.000 perfurações da TEC, mas com a possibilidade de excluir 882 delas e reduzir o dano em outros 441, num total de 1.323 linhas preservadas de alguma maneira.
  3. Coeficiente 19 significa um corte 60,9% e gera uma nova tarifa média de 11,7% provocando um pouco menos de 5.000 perfurações da TEC, mas com a possibilidade de excluir 1.235 delas e reduzir o dano em 618, o que preservaria de alguma forma um total de 1.853 linhas.

Apesar da variação entre a quantidade de perfurações, a opção pelo coeficiente maior não exclui os setores industriais mencionados anteriormente dos riscos de serem substituídos por produtos importados, inclusive porque a proposta não permite excluir setores industriais inteiros representados pelos capítulos tarifários consolidados.

As flexibilidades previstas na hipótese do coeficiente 19 se aproximam muito da quantidade reivindicada pelo Mercosul, entretanto, os problemas de origem da negociação persistem e são principalmente os cortes tarifários profundos provocados pela fórmula apresentada e reiterada pelo presidente do Grupo de Negociação em NAMA, o canadense Don Stephenson apesar da oposição do NAMA 11.

A questão que envolve a negociação de coeficientes e flexibilidades foi bem explicitada pelo representante do governo sul africano após a apresentação das oito opções: “primeiro vamos definir o nível de ambição da liberalização (fórmula de cortes tarifários) e depois as exceções”.

d) Avaliação sobre as negociações em agricultura

Do
ponto de vista de propostas concretas em termos de números, o Grupo de Negociações em Agricultura pouco apresentou até o momento. Os principais itens que estão sob consideração são:

- redução tarifária, inclusive a liberalização quase total de produtos tropicais; produtos sensíveis; disciplina para subsídios domésticos e de exportação e produtos especiais ligados à segurança alimentar e à agricultura familiar.

O texto do Presidente do Grupo, o neozelandês Crawford Falconer, propõe alguns valores para a redução tarifária que, no entanto, são lineares e modestos em comparação com as propostas apresentadas em NAMA e ainda assim são fortemente questionados pelos países desenvolvidos.

Recentemente aventou-se a possibilidade de adotar quotas com tarifas menores para alguns produtos a depender da capacidade de absorção da concorrência por parte dos países desenvolvidos e avalia-se que pode haver avanços na redução tarifária para produtos tropicais, uma vez que estes não competem com a produção local nestes países.

Não há proposta para limitar a isenção dos produtos considerados sensíveis de reduções tarifárias como apresentada nas negociações de NAMA.

As propostas para redefinir o conteúdo da “Caixa verde” e reduzir ou limitar a aplicação dos subsídios domésticos, dificilmente irão além da proposta de definir tetos por setor equivalentes a 50% do realizado até o momento, o que no caso dos EUA significaria um subsídio máximo de US$ 25.00 por tonelada de soja e o fim dos subsídios para o algodão. É bom lembrar que esta situação do algodão é decorrente da vitória do Brasil num contencioso na OMC contra os subsídios domésticos que o governo americano aplicava a este produto, embora o tema tenha sido incluído nas negociações.

Quanto à redução dos subsídios à exportação, particularmente, da União Européia não há novidades práticas.

A política específica para os produtos especiais e aqueles ligados à agricultura familiar, foi defendida pelo Brasil e Índia, mas não é consensual sequer entre todos os membros do G – 20 e, aparentemente, vem sendo abandonada em função da prioridade governamental quanto aos demais temas.

e) Avaliação sobre os demais itens

Tampouco há avanços favoráveis aos países em desenvolvimento neste aspecto. A oferta de novos serviços beneficia mais os países desenvolvidos que estão preparados para exportar serviços ou instalar empresas para explorá-los em terceiros países. Os aspectos ligados a este setor que poderiam beneficiar os trabalhadores dos países em desenvolvimento, como o seu livre acesso para prestar serviços legalmente em países desenvolvidos, a livre remessa de renda de migrantes para seus países de origem, entre outros, não estão contemplados.

A facilitação de comércio continua se chocando com a pretensão dos países desenvolvidos de manter suas barreiras não tarifárias como o sistema anti-dumping americano e o aspecto implementação do TRIPS no tocante às patentes de biodiversidade também não chegou a um acordo. O governo brasileiro reivindicou discutir o assunto e no caso da biodiversidade e conhecimentos tradicionais, que os responsáveis pelo seu patenteamento deveriam comprovar sua origem, bem como que haveria compartilhamento dos benefícios com os moradores dos locais de origem.

Conclusão

Esta sendo criado um clima por parte de alguns governos com apoio da imprensa internacional e especializada de que as negociações nos grupos estão chegando ao seu final e que é o momento de iniciar o “processo horizontal”. Este processo, normalmente, ocorre quando é o momento do acordo geral ser amarrado pelos ministros que tentarão compor os números finais de todos os grupos de negociação.

O argumento favorável à realização do processo horizontal até meados de maio se deve à apresentação da nova fórmula de flexibilidades em NAMA que gerou a impressão de destravamento das negociações e a possibilidade de entendimentos em agricultura como o teto para subsídios domésticos e a adoção de quotas com tarifas menores para certos produtos.

Várias entidades empresariais americanas, como a poderosa “Coalition of Services Industry” (CSI), têm se dirigido a Genebra para fazer lobby junto aos países em desenvolvimento como Brasil, Índia, China e outros, em favor de mais ofertas na área de serviços como correios, entregas, bancos, telecomunicações, entre outros. Seus representantes têm ameaçado que farão pressão junto ao Congresso Americano contra a aprovação do acordo se não houver maiores concessões destes países.    

Além dos supostos “avanços” que estariam sendo alcançados, argumenta-se também que é o momento derradeiro para se chegar a um acordo que possa ser absorvido pelo governo americano ainda durante o mandato de Bush, pois a nova administração presidencial dos EUA, seja qual venha a ser, levaria muito tempo para definir sua política de comércio exterior e por conseqüência sua posição quanto à Rodada Doha o que poderia estender o impasse, possivelmente, por mais dois anos pelo menos.  

Há posicionamentos, inclusive, a favor de um processo horizontal que envolva somente NAMA e agricultura para depois eventualmente incluir os acordos sobre os demais temas.

Nos comentários de bastidores, o governo brasileiro tem sido considerado um dos incentivadores do processo horizontal rápido.

É conhecida a preocupação do governo em preservar o espaço multilateral de negociações comerciais e o esforço que fez para manter as negociações em andamento, masmo nos momentos de maiores dificuldades.

Além disto, a pressão interna do setor de agro-negócio pela aceitação de um acordo é ser grande. Um artigo publicado em 12 de março no jornal “O Estado de São Paulo” por André Nassar, presidente do ICONE, entidade especializada em negociações comerciais de agricultura expressou claramente que o atingido até então em termos de disciplina dos subsídios agrícolas era suficiente, representava um importante avanço e era o momento de concluir a rodada.

Mesmo assim, não está claro se o governo brasileiro está disposto a aceitar um acordo nos termos atuais.  

Claro que toda negociação possui suas técnicas e a melhor proposta somente surge no final, mas pelos comportamentos e manifestações dos atores ao longo destes quase sete anos e pelas poucas alterações nos textos dos presidentes dos grupos negociadores, qualquer acordo neste momento seria rebaixado em termos de conteúdo.

Considerando o resumo das negociações em NAMA, agricultura e serviços:

- Os coeficientes em NAMA representam cortes maiores do que os países em desenvolvimento podem suportar sem prejuízos em setores industriais importantes e não está sendo respeitado o conceito de “reciprocidade menos que total”. A tática nesta negociação é a de minimizar perdas.

- Em agricultura não há reduções relevantes nas tarifas e nos subsídios à exportação. Tampouco há limites para produtos sensíveis. Há redução de subsídios domésticos, embora alguns já estivessem assegurados por decisão do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, como no caso do algodão. Existe também a possibilidade de ampliar as exportações de produtos tropicais. A tática nesta negociação é a de obter ganhos.

- Os principais setores de serviços onde os países desenvolvidos reivindicam aberturas como telecomunicações, energia elétrica, água e saneamento básico, bancos, etc, não têm restrições à participação externa no Brasil. A questão é manter as regras nacionais ou submetê-las ao regime da OMC do qual não tem volta. Nesta área há mais a perder do que ganhar com a recusa dos países desenvolvidos em aceitar a livre circulação de mão de obra e de facilitar as remessas de dinheiro do exterior para os países de origem dos trabalhadores.

A perspectiva de uma “rodada do desenvolvimento” deixou de existir com os vários equívocos mencionados e apesar da importante iniciativa de criação do G – 20 e do NAMA – 11, os tradicionais acordos ditados pelos países industrializados de acordo com seus interesses parecem estar de volta. O esforço do governo brasileiro até aqui para alcançar um acordo equilibrado poderá ter sido em vão.

O divisor de águas sobre a conclusão ou não da Rodada está no acordo em NAMA, se os países em desenvolvimento mais uma vez cederão na abertura de seus mercados industriais ou se conseguirão manter a linha política estabelecida a partir de Cancun e da criação do G – 20 em 2003.



[1] Reuniões “Green Room” são aquelas onde apenas os governos considerados mais influentes são convidados a participar. O nome vem da cor verde da sala na sede da OMC onde elas costumam ocorrer. Um dos fatores que levou a Conferência Ministerial de Seattle a fracassar em 1999 foi a grande quantidade de reuniões “Green Room” que excluíam a maioria dos membros da OMC das discussões.

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