Venezuela e Bolívia
07/08/2008
- Opinión
Andei, em julho, por Venezuela e Bolívia. Dois países governados por figuras singulares em busca de alternativas ao neoliberalismo: Hugo Chávez e Evo Morales. Os dois, eleitos democraticamente (Chávez reeleito).
Uma primavera política sopra sobre a América Latina. Após décadas de ditaduras militares (made in USA) e governos neoliberais corruptos (made in Consenso de Washington) – Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fujimori no Peru, Andrés Perez na Venezuela e Sánchez de Losada na Bolívia – os eleitores optam por eleger políticos de extração social popular e/ou identificados com movimentos sociais progressistas.
Estive em Barquisimeto, capital musical da Venezuela, a convite da Universidade Politécnica. Participei de seminário sobre extensão universitária como forma de solidariedade aos setores da população marginalizados ou excluídos.
Encontrei uma nação dividida. Chávez encarna, para uns, o messias, para outros, o diabo. O primeiro grupo fala entusiasmado das organizações “comunales” (versão venezuelana do orçamento participativo) e da crescente interação entre sociedade civil e poder público. Reconhece a melhoria nos salários, no consumo de bens duráveis (sobretudo carros) e nos serviços de saúde, educação e construção de moradias populares.
Montado em seus barris de petróleo (a Venezuela é o segundo exportador para os EUA, depois da Arábia Saudita), o país se dá o direito de promover grandes investimentos em sua infra-estrutura.
O repúdio a Chávez vem da oligarquia que, graças aos petrodoláres e à corrupção, fazia de Miami sua capital. E também de setores da classe média, descontentes com o freqüente desabastecimento de gêneros de primeira necessidade e a inflação anual atingindo 21%.
A oposição, respaldada pelos bispos católicos, acusa Chávez de “cubanizar” o país, devido ao grande número de médicos e professores cubanos atuantes em programas sociais voltados aos mais pobres. Incomoda-se também com a retórica presidencial centrada na Revolução Bolivariana “rumo do socialismo do século XXI”.
Em La Paz, participei do encontro de intelectuais e artistas, de vários países, pela unidade e soberania da Bolívia. Presentes alguns ministros da Cultura de países latino-americanos, incluído Juca Ferreira, que agora ocupa o lugar deixado por Gilberto Gil. Tivemos oportunidade de estar com Evo Morales. Aprovou-se uma declaração de apoio ao seu governo que, a 10 de agosto, será submetido ao plebiscito revogatório.
O plebiscito revogatório é um recurso sumamente democrático (adotado também na Venezuela) que obriga o presidente, em pleno mandato, a se submeter à apreciação do eleitorado. Toda a nação se transforma num grande palco de debates a respeito da administração federal.
Morales é uma figura singular. Oriundo da etnia aimara, de líder indígena se tornou dirigente sindical. Num país de 9 milhões de habitantes, dos quais 1/3 vive no exterior em busca de melhores condições de vida, ele trata de fazer a Bolívia se apropriar de suas fontes energéticas, como o gás, e dos minerais preciosos, até agora explorados por transnacionais, inclusive a Petrobras.
Chávez e Morales enfrentam o grande desafio histórico de promover reformas estruturais em seus países pela via democrática e pacífica. Os dois sofrem pressão constante da Casa Branca e da oligarquia nativa. Na Bolívia há um forte movimento por autonomia de algumas regiões, com nítidas tendências separatistas (apoiadas pelo governo usamericano).
Tanto a Chávez quanto a Morales se impõe a exigência – urgente – de darem consistência à organização e mobilização populares, a seus partidos políticos e, sobretudo, ao projeto de nação que pretendem implantar – o que, hoje, transparece confusamente numa retórica esquerdista que os pobres não entendem, a classe média teme e a rica repudia.
No Brasil, o governo Lula optou por um desenvolvimentismo sem inflação descontrolada e com forte viés social, através de políticas compensatórias (e não emancipatórias) como o Bolsa Família – tudo dentro dos marcos do neoliberalismo. Na Venezuela e na Bolívia, a opção é romper esses marcos e promover reformas estruturais de modo a construir um modelo de sociedade com menos desigualdade e mais participação popular.
O futuro é imprevisível. Uma coisa, porém, é óbvia: em nenhuma outra parte do mundo há tanta esperança, tanta busca de alternativas, tanta utopia como, hoje, na América Latina. Tomara que o sonho se transforme em realidade.
- Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outras obras.
A reprodução só pode ser feita mediante autorização por escrito de Frei Betto.
Uma primavera política sopra sobre a América Latina. Após décadas de ditaduras militares (made in USA) e governos neoliberais corruptos (made in Consenso de Washington) – Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fujimori no Peru, Andrés Perez na Venezuela e Sánchez de Losada na Bolívia – os eleitores optam por eleger políticos de extração social popular e/ou identificados com movimentos sociais progressistas.
Estive em Barquisimeto, capital musical da Venezuela, a convite da Universidade Politécnica. Participei de seminário sobre extensão universitária como forma de solidariedade aos setores da população marginalizados ou excluídos.
Encontrei uma nação dividida. Chávez encarna, para uns, o messias, para outros, o diabo. O primeiro grupo fala entusiasmado das organizações “comunales” (versão venezuelana do orçamento participativo) e da crescente interação entre sociedade civil e poder público. Reconhece a melhoria nos salários, no consumo de bens duráveis (sobretudo carros) e nos serviços de saúde, educação e construção de moradias populares.
Montado em seus barris de petróleo (a Venezuela é o segundo exportador para os EUA, depois da Arábia Saudita), o país se dá o direito de promover grandes investimentos em sua infra-estrutura.
O repúdio a Chávez vem da oligarquia que, graças aos petrodoláres e à corrupção, fazia de Miami sua capital. E também de setores da classe média, descontentes com o freqüente desabastecimento de gêneros de primeira necessidade e a inflação anual atingindo 21%.
A oposição, respaldada pelos bispos católicos, acusa Chávez de “cubanizar” o país, devido ao grande número de médicos e professores cubanos atuantes em programas sociais voltados aos mais pobres. Incomoda-se também com a retórica presidencial centrada na Revolução Bolivariana “rumo do socialismo do século XXI”.
Em La Paz, participei do encontro de intelectuais e artistas, de vários países, pela unidade e soberania da Bolívia. Presentes alguns ministros da Cultura de países latino-americanos, incluído Juca Ferreira, que agora ocupa o lugar deixado por Gilberto Gil. Tivemos oportunidade de estar com Evo Morales. Aprovou-se uma declaração de apoio ao seu governo que, a 10 de agosto, será submetido ao plebiscito revogatório.
O plebiscito revogatório é um recurso sumamente democrático (adotado também na Venezuela) que obriga o presidente, em pleno mandato, a se submeter à apreciação do eleitorado. Toda a nação se transforma num grande palco de debates a respeito da administração federal.
Morales é uma figura singular. Oriundo da etnia aimara, de líder indígena se tornou dirigente sindical. Num país de 9 milhões de habitantes, dos quais 1/3 vive no exterior em busca de melhores condições de vida, ele trata de fazer a Bolívia se apropriar de suas fontes energéticas, como o gás, e dos minerais preciosos, até agora explorados por transnacionais, inclusive a Petrobras.
Chávez e Morales enfrentam o grande desafio histórico de promover reformas estruturais em seus países pela via democrática e pacífica. Os dois sofrem pressão constante da Casa Branca e da oligarquia nativa. Na Bolívia há um forte movimento por autonomia de algumas regiões, com nítidas tendências separatistas (apoiadas pelo governo usamericano).
Tanto a Chávez quanto a Morales se impõe a exigência – urgente – de darem consistência à organização e mobilização populares, a seus partidos políticos e, sobretudo, ao projeto de nação que pretendem implantar – o que, hoje, transparece confusamente numa retórica esquerdista que os pobres não entendem, a classe média teme e a rica repudia.
No Brasil, o governo Lula optou por um desenvolvimentismo sem inflação descontrolada e com forte viés social, através de políticas compensatórias (e não emancipatórias) como o Bolsa Família – tudo dentro dos marcos do neoliberalismo. Na Venezuela e na Bolívia, a opção é romper esses marcos e promover reformas estruturais de modo a construir um modelo de sociedade com menos desigualdade e mais participação popular.
O futuro é imprevisível. Uma coisa, porém, é óbvia: em nenhuma outra parte do mundo há tanta esperança, tanta busca de alternativas, tanta utopia como, hoje, na América Latina. Tomara que o sonho se transforme em realidade.
- Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outras obras.
A reprodução só pode ser feita mediante autorização por escrito de Frei Betto.
https://www.alainet.org/pt/articulo/129109
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