O mito do colapso americano
- Opinión
“Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar”
N. Maquiavel, O Príncipe, 1513
Na segunda feira, 6 de outubro de
No meio do tiroteio, é difícil de pensar. Talvez por isto, multiplicam-se, na imprensa e na academia, os adjetivos, as exclamações e as profecias apocalípticas, anunciando o fim da supremacia mundial do dólar e do poder global dos EUA, ou do próprio capitalismo americano. Na mesma hora em que os governos e investidores de todo mundo estão se refugiando no próprio dólar e nos títulos do Tesouro americano, apesar de sua baixíssima rentabilidade, e apesar de que o epicentro da crise esteja nos EUA. E o que é mais interessante, é que são os governos dos estados que estariam ameaçando a supremacia americana, os primeiros a se refugiarem na moeda e nos títulos americanos. Para explicar este comportamento aparentemente paradoxal, é preciso deixar de lado as teorias econômicas convencionais sobre o “padrão ouro” e o “padrão-dólar”, e também as teorias políticas convencionais sobre as crises e “sucessões hegemônicas”, dentro do sistema mundial.
Comecemos pelo paradoxo da “fuga para o dólar”, em resposta à crise do próprio dólar. Aqui é preciso entender algumas característcas específicas e fundamentais do sistema “dólar-flexível”. Desde a década de 1970, os EUA se transformaram no “mercado financeiro do mundo” e o seu Banco Central (FED) passou a emitir uma moeda nacional de circulação internacional, sem base metálica, administrada através das taxas de juros do próprio FED, e dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que atuam em todo mundo, como lastro do sistema “dólar-flexível”. Por isto “a quase totalidade dos passivos externos americanos é denominada em dólares e praticamente todas as importações de bens e serviços dos EUA são pagas exclusivamente
Mas além disto, do ponto de vista da hierarquia mundial, se esta crise for administrada de forma estratégica pelo governo americano, ela poderá reforçar em vez de enfraquecer a posição futura dos EUA, dentro do sistema mundial. Para entender este segundo paradoxo, entretanto, é necessário ir um pouco além da economia e das finanças e analisar com cuidado a origem e os desdobramentos das crises e da competição entre os estados nacionais. Em primeiro lugar, quase todas as grandes crises do sistema mundial foram provocadas, até hoje, pela própria potência hegemônica. Em segundo lugar, estas crises são provocadas quase sempre pela expansão vitoriosa (e não pelo declínio) das potencias capazes de atropelar as regras e instituições que eles mesmos criaram num momento anterior, e que depois se transformam num obstáculo no caminho de sua própria expansão. Em terceiro lugar, o sucesso econômico e a expansão do poder da potencia líder é um elemento fundamental para o fortalecimento de todos os demais estados e economias que se proponham concorrer ou “substituir” a potencia hegemônica. Por isto, finalmente, as crises provocadas pela “exuberância expansiva” da potencia líder, afetam, em geral, de forma mais perversa e destrutiva aos “concorrentes” do que ao próprio hegemon, que costuma se recuperar de forma mais rápida e poderosa do que os demais.
Resumindo: “apesar da violência desta crise financeira, não deverá haver um vácuo nem uma “sucessão” na liderança política e militar do sistema mundial. E, do ponto de vista econômico, o mais provável é que ocorra uma fusão financeira cada vez maior entre a China e os Estados Unidos”, [2]
[1] Serrano, F. (2008) “A economia Americana, o padrão “dólar-flexível” e a expansão mundial nos anos
[2] Fiori, J.L. (2008) “ O sistema mundial, no início do século XXI”, in J.L Fiori, F. Serrano e C. Medeiros, O MITO DO COLAPSO AMERICANO, Editora Record, Rio de janeiro, p: 65 ( NO PRELO)
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