Eles não amam a vida

05/12/2008
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A busca de uma saída para a crise econômico-financeira mundial está cercada de riscos. O primeiro é que os paises ricos busquem soluções que resolvam seus problemas, esquecendo do caráter interdependente de todas as economias. A inclusão dos paises emergentes pouco significou, pois suas propostas mal foram consideradas. Prevaleceu ainda a lógica neo-liberal que garante a parte leonina aos ricos. O segundo é perder de vista as demais crises, a ecológica, a climática, a energética e a alimentar. Concentrar-se apenas na questão econômica, sem considerar as outras, é jogar com a insustentabilidade a médio prazo. Cabe recordar o que diz a Carta da Terra:”nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentes”(Preâmbulo). O terceiro risco, mais grave, consiste em apenas melhorar as regulações existentes em vez de buscar alternativas, com a ilusão de que o velho paradigma neoliberal teria ainda a capacidade de tornar criativo o caos atual.

O problema não é a Terra. Ela pode continuar sem nós e continuará. A magna quaesto, a questão maior, é o ser humano voraz e irresponsável que ama mais a morte que a vida, mais o lucro que a cooperação, mais seu bem estar individual que o bem geral de toda a comunidade de vida. Se os responsáveis pelas decisões globais não considerarem a inter-retro-dependência de todas estas questões e não forjarem uma coalizão de forças capaz de equacioná-las aí sim estaremos  literalmente perdidos.

Na verdade, se houvesse um mínimo de bom senso, a solução do cataclismo econômico e dos principais problemas infra-estruturais da humanidade seria encontrada. Basta proceder a um amplo e geral desarmamento já que não há confrontos entre potências militares. A construção de armas, propiciada pelo complexo industrial-militar, é a segunda maior fonte de lucro do capital. O orçamento militar mundial é da ordem de um trilhão e cem bilhões de dólares/ano. Já se gastaram só no Iraque dois trilhões de dólares. Para este ano, o governo norte-americano encomendou armas no valor de um trilhão e meio de dólares.

Estudos de organismos de paz revelaram que com 24 bilhões de dólares/ano – apenas 2,6% do orçamento militar total - poder-se-ia reduzir pela metade a fome do mundo. Com 12 bilhões – 1,3% do referido orçamento – poder-se-ia garantir a saúde reprodutiva de todas as mulheres da Terra.

Com grande coragem, o atual Presidente da Assembléia da ONU, o padre nicaragüense Miguel d’Escoto, denunciava em seu discurso inaugural em meados de outubro: existem aproximadamente 31.000 ogivas nucleares em depósitos, 13.000 distribuidas em vários lugares no mundo e 4.600 em estado de alerta máximo, quer dizer, prontas para serem lançadas em poucos minutos. A força destrutiva destas armas é aproximadamente de 5.000 megatons, força que é 200.000 vezes mais avassaladora que a bomba lançada sobre Hiroshima. Somadas com as armas químicas e biológicas, pode-se destruir por 25 formas diferentes toda a espécie humana. Postular o desarmamento não é ingenuidade, é ser racional e garantir  a vida que ama a vida e que foge da morte. Aqui se ama a morte.

Só este fato mostra que a atual humanidade é feita, em grande parte, por gente irracional, violenta, obtusa, inimiga da vida e de si mesma. A natureza da guerra moderna mudou substancialmente. Outrora “morria quem ia para a guerra”. Agora não, as principais vitimas são civis. De cada 100 mortos em guerra, 7 são soldados, 93 são civis, dos quais 34, crianças. Na guerra do Iraque já morreram 650.00 civis e apenas cerca de 3.000 soldados aliados. Hoje assistimos algo, absolutamente inédito e de extrema irracionalidade: a guerra contra a Terra. Sempre se faziam guerras entre exércitos, povos e nações. Agora, todos unidos, fazemos guerra contra Gaia: não deixamos um momento sem agredi-la, explorá-la até entregar todo seu sangue. E ainda invocamos a legitimação divina para o nosso crime, pois cumprimos o mandato:”multiplicai-vos, enchei e subjugai a Terra”(Gn 1,28).

Se assim é, para onde vamos? Não para o reino da vida.

- Leonardo Boff é Teólogo.

https://www.alainet.org/pt/articulo/131264
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