Cosmologia da dominação em crise

30/01/2009
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Há imenso sofrimento produzido pela atual crise econômico-financeira, em todos os estratos sociais, seja ricos seja pobres. Mais que a admiração é o sofrimento que nos faz pensar. É o momento de irmos para além do aspecto econômico-financeiro da crise e descermos aos fundamentos que a provocaram. Caso contrario, as causas da crise continuarão a produzir crises cada vez mais dramáticas até se transformarem em tragédias de dimensões planetárias.

O que subjaz a atual crise é a ruptura da clássica cosmologia que perdurou por séculos mas que não dá mais conta das transformações ocorridas na humanidade e no planeta Terra. Ela surgiu há pelo menos 5 milênios quando começaram a se constituir os grandes impérios, ganhou força com o Iluminismo e culminou com o projeto da tecnociência contemporâneo. Ela partia de uma visão mecanicista e antropocêntrica do universo. As coisas estão ai uma ao lado da outra, sem conexão entre si, regidas por leis mecânicas. Elas não possuem valor intrínseco, apenas valem na medida em que se ordenam ao uso humano. O ser humano se entende fora e acima da natureza, como seu  dono e senhor que pode dispor dela ao seu bel prazer. Partia de uma falsa pressuposição de que poderia produzir e consumir de forma ilimitada dentro de um planeta limitado, que esta abstração fictícia chamada dinheiro representa o valor maior, que a competição e a busca do interesse individual resultarão em bem estar geral. É a cosmologia da dominação.

Pois esta cosmologia levou a crise ao âmbito da ecologia, da politica,da ética e agora da economia. As ecofeministas nos chamaram atenção para a estreita conexão existente entre antropocentrismo e patriarcalismo que desde o neolítico faz  violência às mulheres e à natureza.

Felizmente a partir dos meados do século passado, vindo de várias ciências da Terra especialmente da teoria da evolução ampliada está se impondo uma nova cosmologia, mais promissora e com virtualidades capazes contribuir  na travessia da crise de forma criativa. Ao invés de um cosmos fragmentado, composto pela soma de seres mortos e desconectados, a nova cosmologia vê o universo como o conjunto de sujeitos relacionais, todos inter-retro-conectados. Espaço, tempo, energia, informação e matéria são dimensões de um único grande Todo. Mesmo os átomos, mais que partículas, são entendidos como ondas e cordas em permanente vibração. Antes que uma máquina, o cosmos, incluindo a Terra, comparece como um organismo vivo que se auto-regula, se adapta, evolui e eventualmente, em situações de crise, dá saltos buscando um novo equilíbrio.

A Terra, segundo renomados cosmólogos e biólogos, é um planeta vivo – Gaia - que articula o físico, o químico, o biológico de tal forma que se torna sempre benfazeja para vida. Todos seus elementos são dosados de uma forma tão subtil que somente um organismo vivo poderia faze-lo. Somente a partir dos últimos decênios e agora de maneira inequívoca dá sinais de estresse e de perda de sustentabilidade. Tanto o universo quanto a Terra se mostram direcionados por um propósito que se revela pela emergência de ordens cada vez mais complexas e conscientes. Nós mesmos somos a parte consciente e inteligente do universo e da Terra. Pelo fato sermos portadores destas capacidades, podemos enfrentar as crises, detectar o esgotamento de certos hábitos culturais (paradigmas) e inventar novas formas de sermos humanos, de produzirmos, consumirmos e convivermos. É a cosmologia da transformação, expressão da nova era, a era ecozóica.

Precisamos abrirmo-nos a esta nova cosmologia e crer que aquelas energias (expressão da suprema Energia) que estão produzindo o universo já há mais de treze bilhões de anos estão também atuando na presente crise econômico-financeira. Elas certamente nos forçarão a um salto de qualidade rumo a um outro padrão de produção e de consumo, que efetivamente nos salvaria, pois seria mais conforme à lógica da vida, aos ciclos de Gaia e às necessidades humanas.


- Leonardo Boff é Teólogo

https://www.alainet.org/pt/articulo/132110
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