Os impasses do Parlamento Europeu

21/05/2009
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Os europeus terão no próximo mês, entre os dias 4 e 7 de junho, mais uma etapa do seu secular processo de integração continental. Nestes dias se realizará a eleição dos 750 deputados que vão compor, pelos próximos cincos anos, o Parlamento Europeu, única instituição da União Europeia (UE) cujos representantes são eleitos pelo voto direto. Tal estatuto poderia assegurar uma particular legitimidade democrática ao Parlamento, mas isso pode ser questionado pelos dados da última pesquisa realizada pela Comissão Europeia apontando que a próxima eleição será marcada por um recorde no número de abstenções: 66% dos eleitores não irão às urnas. É o maior índice nos 30 anos de eleições diretas que singularizam a história do Parlamento.

A UE atualmente é composta por 27 países, somando uma população de mais de 490 milhões de pessoas, mas as causas de tamanha indiferença em relação ao parlamento se explicaria pela ignorância sobre o papel dos deputados (64% dos entrevistados) e de um desconhecimento das funções do próprio parlamento por 59% da população. Contextualizando o agravamento provocado pela crise econômica, o estudo mostra que 62% dos europeus acreditam que seu voto não mudará nada, e 55% julgam que a casa não se ocupa da vida cotidiana das pessoas.

Na Europa, com a efetivação da União Europeia, um número cada vez maior de decisões é adotado de maneira comunitária. Bernard Cassen, da Associação Mémoires de Luttes, explica que "entre dois terços e três quartos dos atos legislativos nacionais são somente a transcrição no direito local de atos legislativos adotados no nível comunitário". Tendo uma importância crescente no seio da UE, a indiferença em relação ao Parlamento é uma contradição que talvez possa ser melhor compreendida quando forem analisados o histórico de sua construção e as forças políticas que se confrontam no seu interior.

Avanço do poder

Quando a União Europeia foi criada em 1992 pelo chamado Tratado de Maastricht, obteve-se àquela altura o resultado de um processo de integração que vinha se realizando desde o final da Segunda Guerra Mundial. Um dos tratados mais importantes neste processo foi o Tratado de Roma, assinado em 1957 por seis países, e que previa no seu segundo artigo a construção europeia por meio do "estabelecimento de um mercado comum e pela aproximação progressiva de políticas econômicas dos Estados membros". O setor econômico, no contexto da disputa entre o bloco soviético e sua influência comunista, e a potência estadunidense que iniciava sua hegemonia no campo ocidental, desempenharia um papel de extrema importância na unificação e reconstrução da Europa. A Comunidade Econômica Europeia (CEE) englobaria a primeira das comunidades criadas, como a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), de 1951, e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom). A livre circulação de pessoas, capitais, serviços, restrições de barreiras alfandegárias e a Política Agrícola Comum (PAC) complementariam os itens deste tratado que instituiu as bases da atual UE, hoje a maior economia do mundo. Durante todo o processo de constituição desta estrutura supranacional, a instituição que viria a ser o atual Parlamento Europeu sempre constou como parte da estrutura de integração, desde o Tratado assinado em Paris no ano de 1951. Mas a eleição pelo sufrágio universal, estipulada no Tratado de Roma, só se efetivaria em 1979.

O sistema legislativo da União Europeia se ancora basicamente em três instituições responsáveis pela implementação das definições dos tratados que a regem. A primeira delas é o Conselho da UE, formado pelos ministros dos Estados membros e detentor do monopólio das propostas legislativas. A Comissão é a segunda das instituições e tem seus membros indicados. A terceira é justamente o Parlamento Europeu, que teve seu poder aumentado ao longo dos anos. De início, com uma função essencialmente consultiva, seu estatuto passou por substantivas modificações a partir do Ato Único de 1986, que lhe atribui um papel legislador importante por meio da adoção dos "procedimentos de cooperação" - segundo os quais a casa passaria a atuar em conjunto com o Conselho no processo de aprovação das propostas apresentadas pela Comissão.

O Ato Único determinava ainda a formação de um grupo específico de setores sobre os quais seriam aplicados estes procedimentos de cooperação, essencialmente ligados às Comunidades de Energia Atômica, Econômica e a do Carvão e Aço. Posteriormente foram implementados os "procedimentos de codecisão", instituídos pelo Tratado de Maastricht, que ampliaria ainda mais seu poder no âmbito legislativo. Com o Tratado de Nice, assinado em 2001, os procedimentos de codecisão demandando uma posição efetiva do Parlamento passam a cobrir aproximadamente 70% das proposições legislativas da União, e dizem respeito a questões como os processos de livre circulação de trabalhadores, de prestação de serviço, liberdade de estabelecimento, educação, saúde pública, transporte, meio ambiente e imigração.

Os partidos políticos europeus

O processo de constituição do Parlamento Europeu, desde seu início, se viu ligado à formação de grupos e partidos políticos europeus. A efetivação do sufrágio universal em 1979 desencadeou um crescimento do número de partidos e grupos. O Tratado de Maastricht, conforme seu artigo 191, estipulou que "os partidos políticos europeus são importantes enquanto fator de integração no seio da União. Eles contribuem para a formação de uma consciência europeia e para a expressão da vontade política dos cidadãos", embora as questões ligadas aos interesses dos partidos nacionais continuem a ter um peso importante. Mas foi só com o Tratado de Nice que os partidos europeus ganharam um estatuto jurídico legal e tiveram suas regras de financiamento estipuladas.

A atual formação do Parlamento Europeu, eleito em 2004, tem 785 deputados que se dividem essencialmente em sete grandes grupos ou partidos europeus. O maior deles é o Grupo do Partido Popular Europeu e dos Democratas Europeus (PPE-DE), que conta atualmente com 288 deputados. Este grupo se tornou o mais forte em 1999 com a adesão dos conservadores ingleses. O atual presidente do Parlamento, o democrata cristão alemão Hans-Gert Pöttering, faz parte deste grupo. Logo depois vem o Partido Socialista Europeu (PSE), que chega ao fim desta legislatura com 215 deputados, contando com representantes dos partidos nacionais socialistas, trabalhistas e socialdemocratas. Ao longo dos anos, eles foram adotando uma posição mais unitária no âmbito europeu, e para estas eleições, pela primeira vez, eles apresentam um manifesto comum. O grupo da Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (Alde), agrupando os representantes dos partidos liberais, democratas e reformadores, tem 101 representantes. O grupo dos Verdes/Aliança Livre Européia (Verts/ALE) e a Esquerda Unitária Européia/Esquerda Verde Nórdica (GUE-NGL) possuem respectivamente 42 e 41 deputados, este último contando com a participação de comunistas.

Mesmo que os deputados sejam indicados, em princípio, pelos partidos nacionais, a adesão aos grupos ou partidos europeus, uma vez eleitos, torna-se condição indispensável para assegurar espaços de influência nas decisões políticas, uma vez que é em função dos grupos que os deputados são designados para Comissões de Trabalho específicas, como as de orçamento, entre as mais de 20 comissões existentes. A relação entre os dois grupos de maior peso no Parlamento, os PPE-DE e os socialistas, varia segundo as pautas, e uma espécie de alternância na presidência do Parlamento é estabelecida entre os dois. A deputada francesa Pervenche Berès esclarece que a aliança dos socialistas com os grupos de esquerda e verdes, que se dá principalmente quando são abordados os temas sociais, não assegura sempre uma maioria.

O Parlamento no futuro

Para os próximos deputados, alguns pontos terão grande importância na agenda política europeia. O primeiro deles seria a implantação do Tratado de Lisboa, que foi revogado em referendo nacional na Irlanda, em 2008, depois do não dos franceses e de holandeses ao Tratado Constitucional Europeu em 2005. A implantação deste novo tratado vem encontrando dificuldades e colocando em questão a legitimidade dos processos de consulta na Europa. Se implementado, este novo tratado traria alterações nas funções do Parlamento, incluindo o número de deputados e suas áreas de competência. As decisões adotadas em âmbito europeu para conter a crise econômica também é um tema presente nos programas dos grupos e partidos. A crise energética e ambiental, a revisão da política agrícola da comunidade, a adesão de novos países à UE, os problemas de precarização das condições de trabalho e direitos sociais complementarão a pauta de alguns dos principais temas da política europeia para o próximo período. F

 

- Douglas Estevam, de Paris

https://www.alainet.org/pt/articulo/133896?language=en
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