Mercado da fé
- Opinión
Como os supermercados, as Igrejas disputam clientela. A diferença é que eles oferecem produtos mais baratos e, elas, prometem alívio ao sofrimento, paz espiritual, prosperidade e salvação.
Por enquanto, não há confronto nessa competição. Há, sim, preconceitos explícitos em relação a outras tradições religiosas, em especial às de raízes africanas, como o candomblé e a macumba, e ao espiritismo.
Se não cuidarmos agora, essa demonização de expressões religiosas distintas da nossa pode resultar, no futuro, em atitudes fundamentalistas, como a “síndrome de cruzada”, a convicção de que, em nome de Deus, o outro precisa ser desmoralizado e destruído.
Quem mais se sente incomodada com a nova geografia da fé é a Igreja Católica. Quem foi rainha nunca perde a majestade... Nos últimos anos, o número de católicos no Brasil decresceu 20% (IBGE, 2003). Hoje, somos 73.8% da população. E nada indica que haveremos de recuperar terreno em futuro próximo.
Paquiderme numa avenida de trânsito acelerado, a Igreja Católica não consegue se modernizar. Sua estrutura piramidal faz com que tudo gire em torno das figuras de bispos e padres. O resto são coadjuvantes. Aos leigos não é dada formação, exceto a do catecismo infantil. Compare-se o catecismo católico à escola dominical das Igrejas protestantes históricas e se verá a diferença de qualidade.
Crianças e jovens católicos têm, em geral, quase nenhuma formação bíblica e teológica. Por isso, não raro encontramos adultos que mantêm uma concepção infantil da fé. Seus vínculos com Deus se estreitam mais pela culpa que pela relação amorosa.
Considere-se a estrutura predominante na Igreja Católica: a paróquia. Encontrar um padre disponível às três da tarde é quase um milagre. No entanto, há igrejas evangélicas onde pastores e obreiros fazem plantão toda a madrugada.
Não insinuo assoberbar ainda mais os padres. A questão é outra: por que a Igreja Católica tem tão poucos pastores? Todos sabemos a razão: ao contrário das demais Igrejas, ela exige de seus pastores virtudes heróicas, como o celibato. E exclui as mulheres do acesso ao sacerdócio. Tal clericalismo trava a irradiação evangelizadora.
O argumento de que assim deve continuar porque o Evangelho o exige não se sustenta à luz do próprio texto bíblico. O principal apóstolo de Jesus, Pedro, era casado (Marcos 1, 29-31); e a primeira apóstola era uma mulher, a samaritana (João 4, 28-29).
Enquanto não se puser um ponto final à desconstrução do Concílio Vaticano II, realizado para renovar a Igreja Católica, os leigos continuarão como fiéis de segunda classe. Muitos não têm vocação ao celibato, mas sim ao sacerdócio, como acontece nas Igrejas anglicana e luterana.
Ainda que Roma insista em fortalecer o clericalismo e o celibato (malgrado os escândalos frequentes), quem conhece uma paróquia efervescente? Elas existem, mas, infelizmente, são raras. Em geral, os templos católicos ficam fechados de segunda à sexta (por que não aproveitar o espaço para cursos ou atividades comunitárias?); as missas são desinteressantes; os sermões, vazios de conteúdo. Onde os cursos bíblicos, os grupos de jovens, a formação de leigos adultos, o exercício de meditação, os trabalhos voluntários?
Em que paróquia de bairro de classe média os pobres se sentem em casa? Não é o caso das Igrejas evangélicas, basta entrar numa delas, mesmo em bairros nobres, para constatar quanta gente simples ali se encontra.
Aliás, as Igrejas evangélicas sabem lidar com os meios de comunicação, inclusive a TV aberta. Pode-se discutir o conteúdo de sua programação e os métodos de atrair fiel. Mas sabem falar uma linguagem que o povo entende e, por isso, alcançam tanta audiência.
A Igreja Católica tenta correr atrás com as suas showmissas, os padres aeróbicos ou cantores, os movimentos espiritualistas importados do contexto europeu. É a espetacularização do sagrado; fala-se aos sentimentos, à emoção, e não à razão. É a semente em terreno pedregoso (Mateus 13, 20-21).
Não quero correr o risco de ser duro com a minha própria Igreja. Não é verdade que ela não tenha encontrado novos caminhos. Encontrou-os, como as Comunidades Eclesiais de Base. Infelizmente não são suficientemente valorizadas por ameaçarem o clericalismo.
Aliás, as CEBs realizarão seu 12º encontro intereclesial de 21 a 25 de julho deste ano, em Porto Velho (RO). O tema, “Ecologia e Missão”; o lema, “Do ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia”. São esperados mais de 3 mil representantes de CEBs de todo o Brasil.
Bom seria ver o papa Bento XVI participar desse evento profundamente pentecostal.
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de “Mística e Espiritualidade” (Garamond), entre outros livros.
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