Brasil em Copenhague

13/11/2009
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É uma espinha na garganta do  governo brasileiro a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, marcada  para dezembro, em Copenhague.

 Todos sabemos que o nosso planeta  está doente. Nós, humanos, podemos usar máscaras para nos proteger da poluição  atmosférica. A Terra não. Ela está irremediavelmente exposta aos efeitos  nocivos de nossas atividades que, na ânsia de acumular lucros, afetam a  preservação ambiental.

 A Terra é um ser vivo. Os gregos antigos a  chamavam de Gaia. É também um milagre da natureza. Um pouco mais ou um pouco  menos de calor e a vida não existiria em nosso planeta. Ele seria árido e  desabitado como Marte ou Vênus.

 Calcula a ciência que o Universo  existe há 14 bilhões de anos. A Terra, há 4,5 bilhões. Atingida, durante  milênios, por meteoros, períodos glaciais, secas prolongadas, ela foi capaz de  autorregenerar.

 Porém, nos últimos 150 anos, o bicho  homem/mulher causou demasiado estrago em seu habitat. Entupiu de lixo rios e  mares, desmatou florestas (a Amazônia, em 17% de sua área), contaminou o ar  que respiramos... enfim, provocou tamanha degradação, a ponto de, hoje, Gaia  ter perdido 25% de sua capacidade de autorregeneração. Só pode ser salva do  apocalipse precoce se houver intervenção humana.

 Aqui entra a  saia justa do governo brasileiro. Nele, no que concerne à questão ambiental,  há muitas cabeças e pouco consenso. O Brasil é o quarto maior emissor do mundo  de gases de efeito estufa. O presidente Lula, capaz de virar a mesa na defesa  da melhoria de renda dos mais pobres, nunca priorizou a agenda ecológica.  Prova disso é a liberação de sementes transgênicas na lavoura brasileira, o  desmatamento progressivo da Amazônia e o silêncio do Planalto quando ministros  lobistas do agronegócio e das empreiteiras se queixam de que o Ibama – que  avalia o impacto ambiental das obras – atrapalha o progresso... O PAC, por  exemplo, é um primor de anabolizante do PIB e de ameaça ao desenvolvimento  sustentável.

 Com alto e merecido índice de aprovação, o governo  Lula não soube sequer manter à frente do Ministério do Meio Ambiente uma  figura internacionalmente reconhecida como Marina Silva. Quando ela vetava  obras prejudiciais à mãe ambiente, o governo, pressionado pelo  agronegócio e as empreiteiras, se sentia incomodado.

 A decisão de  Marina Silva, de entrar na disputa presidencial nas eleições de 2010, se  constituiu, para o governo, num imprevisto político que, doravante, o obriga a  não mais empurrar com a barriga a questão ambiental. Aliás, agora todos os  prováveis candidatos são verdes desde criancinha...

 O que seria  uma eleição de caráter plebiscitário, voltada a avaliar os oito anos de  governo Lula, realinha o olhar da nação no rumo do futuro. Os candidatos, por  força da participação de Marina Silva, terão de debater o projeto Brasil  centrado no desenvolvimento sustentável.

 A Conferência de  Copenhague estabelecerá um novo protocolo, em substituição ao de Kyoto.  Governos e empresas devem se comprometer, urgentemente, a reduzir a emissão de  CO2 (gás carbônico). A excessiva presença de poluentes na atmosfera esburaca a  camada de ozônio, derrete as geleiras, faz subir o nível do mar, aumenta o  aquecimento global, causa desertificação (e, portanto, fome e fluxos  migratórios), multiplica cânceres e enfermidades respiratórias.  

 O que está em questão não é apenas evitar que a temperatura da  Terra suba dois graus, provocando efeitos nefastos. Temos pela frente apenas  15 anos para evitá-lo. É o próprio sistema de estímulo consumista, centrado no  uso privado de carros e de energias poluentes. Sem mudança do paradigma  capitalista, a catástrofe será inevitável.

 Os países ricos,  vilões da excessiva emissão de CO2, resistem às medidas de redução a serem  adotadas até 2020. O Brasil vacila. O Ministério do Meio Ambiente defende o  compromisso de, até lá, se reduzirem em 40% as emissões nacionais e o  desmatamento da Amazônia em 80%. O Itamaraty e o Ministério da Ciência e  Tecnologia são contra. A ministra Dilma Rousseff, como boa mineira, prefere  não falar em índices ou números...

 No centro do debate está a  candidatura à Presidência da ministra-chefe da Casa Civil. O governo não mira  propriamente Copenhague, e sim as urnas de outubro de 2010. Se a delegação  brasileira presente na capital da Dinamarca abraçar a posição dos países ricos  – que coincide com a do agronegócio e das empreiteiras – a candidata Dilma  corre o risco de ficar mal na foto ecológica, sombreada pela candidata Marina,  que não abre mão da sustentabilidade. Se o Brasil se comprometer com a meta de  redução de 40%, Dilma ganha destaque ecológico na foto, mas desagrada a base  aliada que lhe sustentará a candidatura.

 Na terça, 3 de novembro,  Lula e os ministros debateram a questão durante três horas. Não chegaram ao  consenso. Nova reunião está prevista para este sábado, 14. Queira Deus que o  governo se preocupe mais com as futuras gerações e a saúde do planeta do que  com os interesses pecuniários das empresas responsáveis pela degradação  ambiental.

 Frei Betto é escritor, autor, em parceria com  Marcelo Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade”  (Agir), entre outros livros.

Copyright 2009 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
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