Nem um humano, só judeus!
02/05/2011
- Opinión
Há algum tempo, escutei a apresentação irônica, após as ressalvas politicamente corretas tradicionais, de argumento dos negacionistas dos campos nazistas de extermínio. Eles não teriam existido, pois neles não morreu nenhum ser humano, “a não ser seis milhões de judeus”! Na ocasião, lembrei ao colega que a piada inaceitável tornava os seus emissor e receptores positivos de certo modo co-participes da desumanização das populações vitimadas que permitira aquele crime inominável.
Mesmo como historiador, consciente da construção incessante das consciências, sempre me impactou o consenso construído contra, nesse caso, a população judaica, em enorme parte da Europa civilizada, nos anos anteriores e durante a II Guerra. Não é simples apreender plenamente o processo de literal banalização da desumanização das comunidades demonizadas, que prosperou solto durante os anos que procederam ao massacre medonho.
Sábado passado, pela tarde, assisti o noticiário de grande rede televisiva brasileira, anunciando, com visível satisfação, que ataque aéreo da OTAN atingira residência de familiares de Kadafi, sem, no entanto, conseguir matá-lo, segundo fontes “não confirmadas”. Enquanto a telinha transmitia celebração de rebeldes de Benghazi, apresentada como ocorrendo em Trípoli [!], o âncora agregou, lendo o script dos redatores da rede televisiva, que no ataque cirúrgico não havia que se lamentar a morte de civis. Isto por que teriam morrido apenas três “netos” e o “filho” menor do “ditador”, de 29 anos, que até pouco estudava na Europa.
Certamente informado pelo serviço secreto russo, Vladimir Putin, em visita à Dinamarca, na última terça-feira, denunciara o plano dos dirigentes da OTAN de assassinar Muammar Kadafi. Na ocasião, perguntara : “– Quem deu o direito a eles [membros da OTAN] de sentenciar alguém à morte [...].” O primeiro-ministro russo lembrou que a ONU não autorizou − como não poderia autorizar, sob qualquer pretexto − o assassinato do dirigente líbio.
Horas após o ataque assassino, porta-voz da OTAN afirmou que as bombas e os mísseis daquela organização não apontam para indivíduos singulares, mas exclusivamente objetivos militares. A própria imprensa européia, que mantém a tradicional subserviência às ações imperialistas de seus respectivos governos, pergunta-se, se isso fosse certo, como é que as bombas terminaram sobre uma residência, em bairro residencial de Trípoli, onde se encontrava reunida, precisamente, a família Kadafi! Questão à qual os responsáveis da OTAN respondem com o mutismo das hienas que seguem silenciosas à espreita da vítima.
O planejamento da morte de um chefe de Estado, por um outro, é crime de Estado, de extrema gravidade, sancionado pelo direito internacional. Uma ordem de ataque direta, tomada inarredavelmente a frio pelos representantes máximos das três grandes nações envolvidas nos fatos, absolutamente despreocupados com as inevitáveis vítimas civis, constitui ato de terrorismo de Estado que passa a pesar sobre os senhores Sarkozy, Obama e Cameron.
Um ato terrorista de Estado que certamente não causará impressão, se não despertar regozijo, entre enorme parte da população européia e estadunidense. Isto porque ceifou a vida de um jovem homem e de três crianças certamente árabes e possivelmente muçulmanos. Raça e religião demonizadas nas últimas décadas, igualmente a partir das necessidades de rapina do mundo pelo grande capital. Portanto, não há, nos fatos, a lamentar perdas, nem civis, nem humanas.
* Mário Maestri, 62, é historiador.
Domingo, Galícia, 1° Maio 2011 02:00
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