No cerne do ciclone: a crise da dívida na União Europeia (1/7)

A Grécia no centro da tormenta (I)

23/09/2011
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Em julho-agosto de 2011, as bolsas foram novamente abaladas a nível internacional. A crise aprofundou-se na União Europeia, em particular em matéria de dívidas. O CADTM entrevistou Eric Toussaint[i] a fim de descodificar os diferentes aspectos desta nova fase da crise.
 
CADTM: É verdade que a Grécia tem de prometer ao mercado uma taxa de juro de cerca de 15% para poder pedir empréstimos a prazo de 10 anos?
 
Eric Toussaint: Sim, é verdade; os mercados apenas admitem comprar os certificados a prazo de 10 anos que a Grécia emitir na condição de que a Grécia se comprometa a pagar juros exorbitantes.
 
CADTM: A Grécia está disposta a contrair empréstimos nessas condições?
 
Eric Toussaint: Não, a Grécia não se pode dar ao luxo de pagar juros semelhantes. Custar-lhe-ia demasiado caro. Ora, todos os dias lemos, tanto na imprensa tradicional como nos meios de comunicação alternativos (aliás muito úteis para obter uma opinião crítica), que a Grécia tem de pedir emprestado a 15% ou mais.
 
Na realidade, desde que a crise rebentou na primavera de 2010, a Grécia limita-se a contrair no mercado empréstimos a 3 meses, 6 meses, no máximo um ano, com taxa de juro variável, consoante as emissões, entre 4% e 5%[ii]. Relembramos que, antes do início dos ataques especulativos contra a Grécia, esse país conseguia pedir empréstimos a taxas muito vantajosas, tão grande era a ânsia dos banqueiros e outros investidores institucionais (seguradoras, fundos de pensão) – vulgarmente designados em francês por zinzins –, para lhe emprestarem dinheiro.
 
Foi assim que, a 13 de uutubro de 2009, a Grécia emitiu os certificados do Tesouro (T-Bills) a 3 meses com um rendimento (yield) muito baixo: 0,35%. Nesse mesmo dia, a Grécia fez outra emissão de certificados a 6 meses com uma taxa de 0,59%. Sete dias mais tarde, a 20 de outubro de 2009, emitiu certificados a uma taxa de 0,94%[iii]. Isto aconteceu menos de seis meses antes de rebentar a crise grega. As agências de notação atribuíam uma nota muito boa à Grécia e aos bancos que lhe emprestavam a torto e a direito. Dez meses mais tarde, para emitir certificados a 6 meses, a Grécia teve de atribuir um rendimento de 4,65% (cerca de 8 vezes maior). Foi uma mudança de circunstâncias fundamental.
 
Outra questão importante para demonstrar a responsabilidade dos bancos: em 2008, a banca exigia à Grécia um rendimento mais elevado que em 2009. Por exemplo, em junho-julho-agosto de 2008, quando ainda não era conhecida a falência do Lehman Brothers, as taxas de juro já eram quatro vezes mais elevadas que em outubro de 2009. No quarto trimestre de 2009, ao descerem abaixo de 1%, as taxas atingiram o seu nível mais baixo[iv]. O que pode parecer irracional – dado que não é normal um banco baixar as taxas de juro num contexto de grande crise internacional, tanto mais no caso dum país como a Grécia que se endivida muito rapidamente – é lógico na perspectiva dum banqueiro que procura tirar o máximo proveito imediato, estando convencido de que, caso surjam problemas, as autoridades públicas virão em seu socorro. Depois da falência do Lehman Brothers, os governos dos EUA e da Europa verteram enormes montantes para salvar os bancos e relançar o crédito e a actividade económica. Os banqueiros aproveitaram este maná de capitais para emprestarem dentro da UE a países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, convencidos de que, em caso de problema, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia ajudá-los-iam. Do seu ponto de vista, tinham razão.
 
CADTM: Queres dizer que os bancos privados, ao emprestarem com baixos juros, contribuíram activamente para empurrar a Grécia para a armadilha do endividamento insustentável, ao exigir posteriormente taxas muito mais elevadas, que impediram a Grécia de pedir empréstimos a prazos superiores a um ano?
 
Eric Toussaint: Sim, é isso mesmo. Não quero dizer que tenha havido uma maquinação propriamente dita, mas é incontestável que os bancos emprestaram dinheiro exageradamente a países como a Grécia (até baixando as taxas de juro). Do ponto de vista dos bancos, os dinheiros que receberam em quantidade maciça dos poderes públicos tinham de ser aplicados em empréstimos aos Estados da zona euro. É preciso recordar que desde três anos para cá, os Estados se tornaram os actores mais fiáveis, ao passo que se levantaram dúvidas sobre a capacidade das empresas privadas em manterem os seus compromissos e reembolsar as suas dívidas.
 
Para retomar o exemplo concreto anteriormente mencionado, quando, a 20 de outubro de 2009, o governo grego vendeu T-Bills a 3 meses com um spread de 0,35%, tentava reunir um total de 1500 milhões de euros. Os banqueiros e outros especuladores propuseram perto de 5 vezes esse valor, ou seja, 7040 milhões. Por fim, o governo decidiu pedir 2400 milhões emprestados. Não será exagero afirmar que os bancos emprestaram exageradamente à Grécia.
 
Voltemos à questão da sequência de aumentos de empréstimos de bancos da Europa Ocidental à Grécia no período 2005-2009. Os bancos dos países da Europa Ocidental aumentaram os empréstimos à Grécia (tanto ao sector público como ao privado) numa primeira fase entre dezembro de 2005 e março de 2007 (nesse período, o volume de empréstimos aumentou 50%, passando de pouco menos de 80 000 milhões para 120 000 milhões de dólares). Embora a crise do subprime tivesse rebentado nos EUA, os empréstimos voltaram a aumentar fortemente (+33%) entre junho de 2007 e o verão de 2008 (passando de 120 000 milhões para 160 000 milhões de dólares); depois, mantiveram-se num nível muito alto (cerca de 120 000 milhões de dólares). Isto significa que os bancos privados da Europa Ocidental utilizaram o dinheiro que o Banco Central Europeu, o Banco de Inglaterra, a Reserva Federal dos EUA e os fundos dos mercado monetário (money market funds) dos EUA (ver mais adiante) lhes emprestavam massivamente e a baixo custo, para aumentarem os empréstimos a países como a Grécia[v], sem tomar em conta os riscos. Por conseguinte os bancos privados têm uma grande quota de responsabilidade no endividamento excessivo da Grécia. Os bancos privados gregos também emprestaram montes de dinheiro consideráveis aos poderes públicos e ao sector privado. Também eles têm uma grande quota de responsabilidade. As dívidas reclamadas pelos bancos estrangeiros e gregos à Grécia em consequência das suas políticas completamente arriscadas estão feridas, quanto a mim, de ilegitimidade. (Traduzido por Rui Viana Pereira, revisto por Noémie Josse-Dos Santos.)
 


[i]Éric Toussaint, doutorado em Ciências Políticas pelas Universidades de Liège e de Paris VIII, Presidente do CADTM Belgique, membro da Comissão Presidencial de Auditoria Integral da Dívida (CAIC) do Equador e do Conselho Científico da ATTAC France. Redigiu com Damien Millet o livro colectivo La Dette ou la Vie, Aden-CADTM, 2011. Participou no livro da ATTAC Le piège de la dette publique. Comment s'en sortir, Ed. Les liens qui libèrent, Paris, 2011.
[ii] Hellenic Republic Public Debt Bulletin, n° 62, junho 2011. Disponível em www.bankofgreece.gr.
[iii] Hellenic Republic Public Debt Bulletin, n° 56, dezembro 2009.
[iv] Bank of Greece, Economic Research Department – Secretariat, Statistics Department – Secretariat, Bulletin of Conjunctural Indicators, Number 124, October 2009. Disponível em www.bankofgreece.gr
[v] O mesmo fenómeno deu-se simultaneamente em Portugal, Espanha e países da Europa Central e de Leste.
https://www.alainet.org/pt/articulo/152814?language=es

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