O Fórum ganhou mundo

28/01/2012
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O Fórum Social Mundial é uma invenção brasileira, embora seja fruto da confluência de idéias e necessidades de gente de várias partes do planeta. Teve impacto global em seus primeiros anos, quando o mundo acordava dos anos iniciais do neoliberalismo. Propiciou encontros, trocas de idéias e a realização de ações organizadas, como manifestações antiguerra e protestos internacionais. Alavancou ações desiguais e combinadas (e descombinadas e iguais) em vários países, acolheu ativistas e governantes, difundiu demandas variadas e foi palco de manifestações políticas e culturais.

O Fórum não tem o mesmo peso de outros tempos e o neoliberalismo não morreu. Mas as demandas dos Fóruns ganharam vida.

A América Latina é o único continente no qual os protestos ganharam musculatura política. O descontentamento popular com a aplicação do mercadismo desvairado resultou em governos reformistas que estão mudando o panorama continental. Muitos deles ainda padecem da hegemonia liberal, como é o caso brasileiro. Mas é inegável que fissuras importantes apareceram, transformando a região num pólo de esperança diante da crise européia.

O jornalista francês Ignacio Ramonet lembrou, em debate na quinta-feira (30), em Porto Alegre, que na Europa “houve a ilusão de que o neoliberalismo entrava em crise, quando o Lehman Brothers caiu, em 2008”. Mas uma transmutação ocorreu. O sistema entrou em parafuso, gerando uma esteira de catástrofes sociais, políticas e econômicas. Mas as empresas que não quebraram se fortaleceram e absorveram ativos e mercados dos que ficaram pelo caminho. “Podemos fazer uma analogia com aquela história de que ‘a economia vai bem, mas o povo vai mal’, repetida durante a ditadura”, ironizou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, no mesmo debate.

Fórum Social pessoal

O Fórum Social é um evento fragmentado. Mesmo esta atual edição, bem menor que as anteriores, comporta centenas de atividades, debates, palestras, diálogos, intercâmbios, lançamentos de livros, tribunas para chefes de Estado, partidos políticos, sindicatos e ONGs e iniciativas variadas. Cada participante busca seus nichos de afinidade e sua turma, montando um roteiro pessoal. De certa maneira, acompanha a lógica da internet, na qual cada um elege seus sítios e páginas de interesse, montando um recorte próprio de navegação, acessando textos, imagens, filmes, músicas, jogos e ações interativas. Não há a figura de um editor a comandar a escolha do internauta.

Algo semelhante se dá com o Fórum. Cada um monta o seu, daí a riqueza do evento. Não existe comitê central. Se é verdade que a maioria dos participantes está abrigada no espectro da esquerda, é bom lembrar o óbvio: são tantas vertentes e visões, que seria injusto classificar os Fóruns Sociais como atividades DE esquerda. Mais justo é percebê-lo como ricas iniciativas DAS esquerdas.

Jornalisticamente o Fórum é “incobrível” (para utilizar um neologismo a gosto do ex-ministro Antonio Magri, que se dizia “imexível” no cargo). Carta Maior se desdobra, com mais de uma dezena de profissionais, para reportar tamanha diversidade e apresentar parte das múltiplas faces desses dias ao sul do país. O conjunto aparece como um caleidoscópio multicolorido, mutante, atraente e variado.

Impacto político

As atividades mais diretamente vinculadas à política imediata geralmente são as de maior impacto. A presença da presidente Dilma em Porto Alegre e não em Davos apresenta um grande simbolismo. O encontro suíço já viveu melhores dias. Nem a mandatária brasileira, nem Obama, nem Hu Jintao e nem Sarkozy se fizeram presentes, retirando muito do peso político que a atividade teve em tempos idos.

O Fórum Temático tenta preparar os movimentos sociais para a Rio+20, conferência da ONU sobre sustentabilidade ambiental, que será realizada em junho no Rio de Janeiro. Há o receio dos movimentos de que a conferência não atenda reclamos de populações atingidas por obras governamentais e empresariais com grande poder de devastação ambiental. Uma série de reivindicações sai do Rio Grande, como passo importante na unificação de tais setores.

Pauta definida

Já existe uma pauta definida para quebrar as bases do modelo ultraliberal. Há anos se repete que devem ser colocadas limitações à livre circulação de capitais, aos juros e encargos das dívidas públicas, que as grandes corporações e os ricos devem ser penalizados, que deve ser respeitada a função social da propriedade, que a comunicação precisa ser democratizada, que as privatizações devem ser revertidas, que a militarização da vida social deve ser impedida, que a democracia precisa ser ampliada, as discriminações impedidas etc. etc. Concepções não faltam, soluções há e muitas.

Não se trata de um problema técnico. Trata-se de ver quem pagará pelas mudanças.

Falta força política para que se possam concretizar as idéias. A derrota que se atribui às esquerdas ao longo das décadas de implantação do neoliberalismo não foram derrotas apenas das esquerdas. Foram derrotas das maiorias, dos povos e dos pobres.

Num dos debates de Porto Alegre, Luiz Gonzaga Belluzzo atentou para a seriedade da palavra de ordem do movimento Ocupar Wall Street: “Somos 99%”. Esses foram os derrotados das últimas décadas e não facções ou correntes de pensamento isoladas.

Mas é decisivo ter em mente: força política se adquire na disputa política. A América Latina tem mostrado, com todos os problemas, que mudanças virão com a conquista do poder político. E nisso muito se avançou. As últimas décadas não foram apenas de derrotas. É preciso preservar e radicalizar as conquistas, democratizando o poder político e ampliando o caráter público do Estado.

Há uma certa concordância geral nisso tudo. Talvez seja esse o motivo de poucos ainda falarem em Porto Alegre ser possível “mudar o mundo sem tomar o poder”.
 
- Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
 
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/155583
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