A violência como instrumento de dominação
26/12/2012
- Opinión
No sistema capitalista patriarcal, as mulheres e seus corpos são considerados coisas, propriedade dos homens e devem, portanto, sempre estar a seu dispor
A violência contra mulher, também chamada de violência sexista continua sendo o principal instrumento de dominação das mulheres nesse sistema – capitalismo patriarcal. Ela atinge a todas as mulheres, independente de sua região, classe social e status econômico e pode ocorrer tanto no âmbito privado, quanto no âmbito público. Na maioria dos casos, a violência é exercida por pessoas que estão muito próximas das mulheres: maridos, amantes, namorados, pais, parentes, amigos e colegas de trabalho.
A violência é materializada de diversas formas – violência no âmbito da família e conjugal, violência sexual, tráfico, assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, etc. Essas e outras formas de violência que atingem as mulheres são reflexos das desigualdades entre homens e mulheres. No sistema capitalista patriarcal, as mulheres e seus corpos são considerados coisas, propriedade dos homens e devem, portanto, sempre estar a seu dispor. Em alguns momentos, as situações de violência vêm na forma de controle e ciúme. Ao contrário do que a sociedade, muitas vezes, associa esses valores a provas de amor, sabemos que não passam de sentimentos legitimadores de violência.
Além disso, um dos principais recursos utilizados para que os culpados escapem da punição é transformar as mulheres de vítimas em rés. Dizer que “foi ela que provocou”, que ela estava vestida de forma insinuante são falácias comuns de que os homens dispõem para responsabilizar as mulheres pela sua própria agressão.
Segundo a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), de primeiro de janeiro a 30 de junho deste ano, foram registrados 388.953 atendimentos pelo Ligue 180, o que representa uma média de 2.150 registros por dia. De acordo com o Mapa da Violência, em 2011, o Ministério da Saúde registrou 70285 atendimentos de mulheres no SUS, por danos gerados pela violência.
A situação da violência contra as mulheres é tão grave que em fevereiro deste ano, foi instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito Contra a violência à mulher. Após seis meses houve prorrogação do seu prazo devido à quantidade de trabalho, relatórios e denúncias geradas. Seu objetivo primordial é o de investigar a omissão do poder público na aplicação da Lei Maria da Penha.
Chega de violência sexual
A violência sexual é uma forma de violência que tem sido extremamente banalizada e que está fundamentada em uma noção de que as mulheres estão sempre disponíveis para o prazer sexual dos homens. A sociedade, por sua vez, continua a naturalizar uma noção de que a sexualidade masculina é tanto incontrolável, como insaciável, o que “legitima” as agressões e crimes. A violação do corpo das mulheres é também utilizada como instrumento em guerras e conflitos, como no bárbaro caso de estupro de uma indígena Guarani-Kaiowá, em pleno conflito de terras no Mato Grosso do Sul. Na cidade de Queimadas, na Paraíba, em fevereiro deste ano, nove homens estupraram 5 mulheres durante uma festa realizada por eles com o intuito de “presentear” o aniversariante com o estupro dessas mulheres. Foi um episódio revoltante, que não encontra no vocabulário uma palavra capaz de traduzi- lo. Em outubro, a banda baiana New Hit foi acusada de estuprar duas fãs que buscavam autógrafos e fotos dos integrantes. Durante o programa da Globo Big Brother, assistimos em tempo real, uma participante do programa ser estuprada depois de uma festa. Recentemente, a marca de camisinha Prudence veiculou uma propaganda incitando o ato sexual não consentido. Esses exemplos demonstram tanto o nível de violência e crueldade, quanto de descaso e naturalização desses crimes. Por outro lado, as vítimas são expostas, sua palavra é colocada em dúvida e, muitas vezes, a justiça não acontece, obrigando essas mulheres a se isolarem e viverem com medo e com ameaças. Em 2011, 13.000 mulheres foram atendidas no SUS, vítimas de violência sexual no Brasil.
Quem ama não mata
Sabemos que os crimes ditos “passionais” representam também a materialização do machismo e do patriarcado. Os criminosos tratam suas vítimas como coisas, objetos de sua posse, que não podem contrariá-los. Segundo o Mapa da Violência, o Brasil é 7º país que mata mais mulheres no mundo, com uma taxa de 4.4 assassinatos para cada 100 mil mulheres. O número de mortes por meio de estrangulamento e facadas é muito maior quando as vítimas são mulheres do que homens, o que denota uma motivação machista, implicando sofrimento e dor. As ameaças e os crimes fazem parte de um esquema de controle das mulheres. Muitas vezes, estas pagam com a vida por exercer sua autonomia e por dar fi m a uma relação violenta e desrespeitosa. “Quem ama não mata” foi lema do movimento feminista nos anos 80 para denunciar os assassinatos de mulheres. Os homens não matam por amor, mas barbaramente por não aceitar a autonomia das mulheres, as suas escolhas e formas de agir. No Brasil, 41% dos assassinatos de mulheres ocorre dentro de casa e a maior parte das vítimas tem entre 15 e 29 anos.
- Clarisse Goulart Paradis é militante da Marcha Mundial das Mulheres.
https://www.alainet.org/pt/articulo/163632
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