A Atualidade do Fórum Social Mundial

30/03/2015
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Foto: Attac fsm attac 2015 gente
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Nascido em 2001, em Porto Alegre, a partir de uma ampla e horizontal articulação internacional de organizações e movimentos sociais, o Fórum Social Mundial (FSM) ousou afirmar, naquele momento de ascensão do neoliberalismo, que outro mundo era possível, colocando-se em contraposição direta ao modelo de globalização econômica e financeira defendido pelo Fórum Econômico de Davos. O FSM semeou uma nova cultura política, com base na democracia direta, sem hierarquias, no respeito às diversidades e na valorização das diferenças, de opções políticas, culturais, religiosas e de livre orientação sexual. Uma cultura de defesa radical do direito das mulheres, contra o racismo ou qualquer forma de discriminação. O FSM assim contribuiu para dar visibilidade a outros paradigmas de desenvolvimento, reafirmar a supremacia dos direitos humanos sobre os interesses econômicos e financeiros, e reanimar a chama da utopia no imaginário coletivo planetário.

 

Passados quatorze anos, o mundo mudou e a hegemonia neoliberal perdeu seu charme e sua vitalidade. Na América Latina, vários governos foram eleitos democraticamente assumindo-se como “filhos e filhas do FSM”. Implementaram, na contramão das cartilhas neoliberais, uma agenda social que resultou na inclusão de milhões de pessoas ao acesso a bens e serviços públicos antes inacessíveis. A geopolítica internacional tornou-se menos dependente do eixo Estados Unidos-União Europeia-Japão e o mundo ficou menos monopolizado.

 

Mas o sistema capitalista não perdeu sua força, e mesmo entrando numa crise profunda a partir de 2008, busca formas de se reinventar. Intensificou-se o processo de mercantilização da vida e dos bens comuns. As políticas nacionais de desenvolvimento, em diversos aspectos, tornaram-se cada vez mais subordinadas aos interesses das elites políticas e dos grupos transnacionais econômicos e financeiros. E em muitos países, o ônus da crise está sendo cobrado das populações, por meio de políticas de austeridade que acabam violando ou precarizando os direitos humanos, trabalhistas e ambientais.

 

Como consequência, aumentaram as tensões entre governos, mesmo aqueles eleitos democraticamente, e os povos. Da mesma forma que o FSM é o aspecto mais significativo da dinâmica dos movimentos sociais nos anos 2000, o surgimento de novos movimentos cidadãos que se expressam nas ruas e nos espaços públicos marca o início dos anos 2010. Destacam-se, entre outros, os movimentos revolucionários do Norte da África que levaram à “Primavera Árabe” a partir de 2011, como também as mobilizações do Occuppy Wall Street, os Indignados na Espanha, os estudantes do Chile, do Québec e de Hong Kong, ou ainda mobilizações cidadãs na Grécia, na Croácia, na Islândia, no Senegal e até mesmo no Brasil, em junho de 2013, quando multidões tomaram as ruas e desafiaram as autoridades, clamando por mobilidade, mais políticas sociais e menos corrupção.

 

Por entender a importância desses levantes populares, a última edição mundial do FSM, em março 2013, foi realizada em Túnis, capital da Tunísia e berço do processo revolucionário no mundo árabe. O evento contou com a presença de cerca de 70.000 pessoas provenientes de 5.045 organizações de 128 países, dentre as quais 1.750 entidades e movimentos tunisianos. No total, foram realizadas 1.014 atividades e 35 assembleias de convergência. O evento foi considerado globalmente como um sucesso, fortaleceu o papel da sociedade civil e o processo democrático no país (hoje o mais promissor na região, com a adoção em 2014 de uma nova constituição e a realização de eleições legislativas e presidenciais) e levou o Conselho Internacional do FSM a apoiar a proposta do comitê magrebino de uma nova edição mundial na capital tunisiana. Tal como Porto Alegre que recebeu 4 eventos desta natureza (2001, 2002, 2003 e 2005), Túnis torna-se o outro grande território de identidade do FSM.

 

O FSM 2015 será realizado nos próximos dias 24 a 28 de março. Assim como em 2013, terá como espaço central a Universidade El Manar. A um mês do evento, já foram inscritas 2.967 organizações de 111 países, e o comitê organizador já recebeu 1.900 propostas de atividades autogestionadas(1). As expectativas do FSM em 2015 superam as de 2013. Segundo Abderrahman Hedhili, presidente do Fórum Tunisiano para os Direitos Econômicos e Sociais (FTDES) e membro da coordenação do comitê organizador do FSM 2015, “em 2013, estávamos particularmente preocupados pela questão organizacional. Mas desta vez (…) temos focado sobre a implicação, no próximo fórum, dos atores sociais do terreno, com suas causas, seus movimentos…”(2)

 

A mobilização dos movimentos sociais e a sua articulação constituem um dos maiores desafios do processo FSM. O estreitamento das relações com os novos movimentos sociais, que está tomando forma na Tunísia, precisa ser reforçado e estendido a outros países, mas impõe ao mesmo tempo uma mudança de cultura e de prática política por parte dos movimentos mais tradicionais, que dominam até então a condução do processo do FSM. Por outro lado, algumas regiões do mundo, a exemplo de parte da Ásia e do Pacífico Sul estão pouco representadas nos espaços do FSM, enquanto outros movimentos que já estiveram envolvidos, afastaram-se. É o caso de muitas organizações do Brasil, como consequência do distanciamento da edição mundial do evento (que ocorreu pela última vez no país em 2009 em Belém) e da falta de informações, mas também da descrença sobre a capacidade das instâncias de facilitação do processo FSM de reinventar-se na atual conjuntura.

 

Mesmo como todos os seus limites e dilemas, “não existe alternativa ao Fórum Social Mundial” declarava em 2013 o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein(3). “Não há nada que esteja acontecendo que se compare a isso. Seja em termos de visões, de inclusão ou de esforços para transformar o mundo.

 

A questão é agora saber se o FSM será capaz de traçar uma estratégia articulada de superação do capitalismo e trazer respostas viáveis à crise civilizatória pela qual passa a humanidade. Gustave Massiah, membro do Conselho Internacional, considera que para sair do neoliberalismo, « podem ser definidas várias abordagens: a curto prazo, aquelas que podem envolver os governos, sob a pressão dos movimentos para definir novas políticas; a médio prazo, esforços para mudar o sistema internacional e ganharmargem de manobra; no longo prazo, políticas alternativas para além do capitalismo. Todas estas abordagens devem ser tomadas agora. »(4)  Nesta ambiciosa caminhada, Túnis pode revelar-se uma etapa fundamental!

 

1) http://www.leconomistemaghrebin.com/2015/02/23/fsm-tunis-2015-2967-organisations-ont-deja-confirme-leur-presence/

 

2) « FSM 2015: quatre questions à Abderrahman Hedhili », 13/01/2015, https://france.attac.org/actus-et-medias/le-flux/article/forum-social-mondial-2015-quatre

 

3) http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/a-Carta-Maior-Wallerstein-diz-que-‘nada’-se-compara-ao-Forum-Social-Mundial%0D%0A/6/27681

 

4) “Sortir du néolibéralisme”, Gustave Massiah, 12/12/2013. http://www.ritimo.org/article5116.html

 

 

- Damien Hazard  es economista, coordenador da ONG Vida Brasil e diretor executivo da Abong- Associação Brasileira de ONGs.

- Mauri Cruz es advogado, membro do conselho diretor da ONG CAMP e do Conselho Diretor da Abong.Ambos representam a Abong no Conselho Internacional do FSM.

 

28/mar/2015

http://www.sul21.com.br/jornal/a-atualidade-do-forum-social-mundial/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/168560

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