Mulheres do campo afirmam lideranças

Os congressos da CLOC, desde sua segunda edição, estão precedidos de uma Assembleia Continental de Mulheres do Campo.
08/04/2015
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 502: Agricultura Camponesa para a Soberania Alimentar 30/03/2015

A participação das mulheres com propostas, ações e reivindicações próprias na Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC-VC) – como também na Via Campesina internacional – se traduziu em um processo de progressiva afirmação no sentido do reconhecimento pleno da organização. Os congressos da CLOC, desde sua segunda edição, estão precedidos de uma Assembleia Continental de Mulheres do Campo. A V Assembleia terá lugar em Buenos Aires, de 12 a 13 de Abril de 2015.

 

Aspectos como o princípio de paridade de participação em todos os níveis ou a luta contra a violência às mulheres, já não são só demandas das mulheres, mas também políticas assumidas pelo conjunto da CLOC-VC. Assim, por exemplo, em 2012, a CLOC-VC afirma:

 

“Lutamos para construir um projeto de sociedade global, justo e igualitário, nós campesinas e campesinos rechaçamos toda forma de violência contra as mulheres e desde nossa Assembleia chamamos a continuar denunciando e fazendo frente à violência intrafamiliar no campo e a violência que acontece na maior parte do mundo contra as mulheres nas empresas e no trabalho assalariado. Saudamos a organização e a luta das mulheres por sua emancipação e por avançar na igualdade de gênero e sua participação nos espaços de poder”.

(Conclusões da Assembleia Continental da CLOC-VC, Manágua)

 

O debate sobre o feminismo também está presente dentro da Coordenação, como consta nas conclusões da IV Assembleia de Mulheres (Quito, 2010): “reafirmamos nossa vontade de continuar lutando para que a proposta feminista continue contribuindo para definir as mudanças socialistas que ansiamos, pelo que lutaremos sem cessar até que as forças combinadas do capitalismo e do patricarcado sejam parte do passado”. Se trata, justamente, de desenvolver uma proposta de feminismo campesino, popular e socialista, pensando não só nas mulheres, mas também em uma sociedade mais justa, igualitária e em harmonia com a natureza.

 

E acontece que, sem dúvidas, os aspectos específicos de gênero são um eixo central de suas ações; mas também é de se destacar que as propostas e ações das mulheres da CLOC-VC abarcam uma temática muito mais ampla. É mais, em vários aspectos da problemática do campo, elas assumiram lideranças e reivindicam ser historicamente as defensoras ou protetoras das sementes da humanidade. Justamente entre os temas de maior importância definidos pelas mulheres estão, por um lado, a soberania alimentar, que implica produzir alimentos saudáveis, distribuídos localmente; e por outro, as lutas em defesa da terra, da água, da biodiversidade e das sementes, frente às empresas e corporações de agronegócios.

 

Erradicar a violência

 

Para Marina dos Santos, dirigente do Movimento Sem Terra do Brasil e integrante da Comissão Política da CLOC-VC, as mulheres avançaram muito nos espaços organizativos, especialmente a respeito da participação das mulheres e a política de paridade nas organizações. “Praticamente todas as organizações que compõem a região sul-americana da VC têm definida uma política de paridade”, comentou, em conversa com a ALAI, durante a reunião de balanço que a Articulação de Mulheres da CLOC-VC Sul América realizou em Quito, em setembro de 2014.

 

Não obstante, ela diz que não basta ter participação, mas também aponta o desenvolvimento de um processo de formação com as mulheres, particularmente nas lutas: “para que garantam em seus espaços uma atuação com muita qualidade, com muita ênfase em seus atos”, tanto no teórico – investigar, elaborar – como na prática. De fato, em quase todos os países da região já existem processos de formação política e técnica. Também em muitos países se conformaram coletivos de mulheres entre diversas organizações, para debater, investigar, intercambiar sobre problemas e desafios e inclusive trabalhar em conjunto.

 

Há seis anos a Via Campesina internacional adotou também a resolução de lutar contra a violência contra as mulheres do campo, em todas suas formas: violência sistêmica, doméstica, laboral, em contexto de guerras, e outras. É complexo, porque se trata de uma violência diária, mas muitas vezes velada; “uma violência que o sistema nos impregnou”, comenta a líder camponesa. Da mesma forma, considera que “o principal desafio é continuar este debate no meio das organizações, com os companheiros, com o conjunto das famílias. O diagnóstico é que não temos os espaços, a institucionalidade necessária, para o combate da violência contra as mulheres, porque temos poucos espaços institucionais, e aqueles que temos estão muito distantes, não contemplam as necessidades que existem, sobretudo para o campo. Por exemplo, temos no Brasil a lei Maria da Penha, é uma lei muito importante, mas é insuficiente, porque muitas vezes sofremos a violência e não temos a aonde ir fazer a denúncia; ou se vamos fazer a denúncia isso implica enfrentar as pessoas que são muito violentas conosco”.

 

As principais experiências de sucesso desta campanha se registram ao nível das comunidades, quando se discute e se busca comunitariamente como fazer frente a casos concretos de violência, o que ajuda a encontrar mecanismos mais coletivos para enfrentá-la.

 

Feminismo camponês popular

 

Não obstante, o principal desafio que identificaram as mulheres camponesas da região sul-americana da CLOC-VC é como desenvolver o feminismo camponês popular. “Temos que aprofundar este tema, ir elaborando teoricamente sobre o que é para nós o feminismo, ao mesmo tempo em que temos que ir produzindo, elaborando e também ir fazendo na prática com as e os compas das organizações”, sublinha Marina dos Santos, acrescentando que: “para nós o feminismo campesino e popular tem que ser um feminismo socialista”. Isso implica manter “os principio da sociedade que queremos para nós e para os camponeses do mundo e especialmente para toda a classe trabalhadora”. E aponta: “Não é um projeto só para as mulheres ou para os camponeses, mas também que queremos fazer uma luta e ter um projeto de sociedade para o conjunto da classe trabalhadora”.

 

Dos Santos reconhece, entretanto, que historicamente o feminismo teve um desgaste muito grande: teve períodos em que a burguesia intentou transformar o significado, o conceito de feminismo, como o contrário do machismo; isto foi uma tentativa que a ideologia capitalista intentou implantar na sociedade” Por isso – assinala – os lemas da CLOC-VC: “sem feminismo não há socialismo” e seu contrário: “sem socialismo não há feminismo”, se devem ir construindo “na prática com nossas organizações e elaborando no teórico para ir avançando. E temos crescido neste debate, nesta construção”, que já se debate em todas as organizações, afirma.

 

A CLOC-VC é uma organização de composição muito diversa, que inclui, entre outros, indígenas e afrodescendentes. Este fato apresenta desafios à hora de abordar estes temas, pelas diferentes cosmovisões e culturas. Por exemplo, nos povos indígenas, que encaram a relação homem-mulher desde os conceitos de dualidade e complementaridade, há resistência ao termo feminismo, por sua origem ocidental. Mas as mulheres indígenas também lidam com problemas de discriminação, marginalização e violência. Como trabalhar estas diferenças? Marina explica: “estamos indo bem devagar com as organizações indígenas, mas temos muitos avanços já. Porque também nas organizações indígenas, as companheiras assumiram tarefas importantes e estão sendo convocadas para os trabalhos dentro das organizações, sobretudo estão sendo chamadas à participação, o que para nós é importante. As bolivianas nos deram muitos exemplos disso; na Colômbia e no Equador também”.

 

Diante destes desafios, para o VI Congresso da CLOC-VC, que se realizará em Buenos Aires de 14 a 17 de abril de 2015, as mulheres acordaram debater este tema do feminismo camponês popular e socialista com o conjunto de participantes: vamos aprofundá-lo na Assembleia das Mulheres, mas queremos debatê-lo com todo o Congresso”, afirma a líder camponesa. (Tradução: Caróu Oliveira - Coletivo Chasqui)

https://www.alainet.org/pt/articulo/168796
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