Os gregos conseguirão?
- Opinión
A crise econômica mundial atingiu a Grécia em cheio em 2009, quando sua dívida pública alcançou o patamar de 131% do PIB, impossibilitando a continuidade de sua rolagem. Na ocasião, seus maiores credores eram de longe bancos privados de outros países europeus, notadamente alemães e franceses. Estes se negaram a conceder novos empréstimos, temerosos de não serem pagos, ou, na melhor das hipóteses, liberavam recursos de curto prazo a taxas extorsivas, o que somente agravava a situação.
As autoridades europeias, alegando a necessidade de salvar o processo de integração e impedir que a crise grega contaminasse outros membros da União Europeia, particularmente os da zona do euro, impuseram uma política econômica de austeridade em contrapartida à liberação de novos empréstimos para que a Grécia pudesse saldar os vencimentos de seus títulos da dívida pública. A contrapartida, porém, foi extremamente drástica. A política coordenada pela “troika” – FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu (BCE) – reuniu recursos para novos empréstimos aos gregos, mas impôs uma série de condicionantes, como a adoção de um programa de privatizações que pôs até o Parthenon à venda, redução do valor dos salários e das aposentadorias, demissão de servidores públicos, entre outras medidas. Segundo as ameaças dos maiores integrantes da União Europeia (UE), a alternativa seria a exclusão da Grécia da zona do euro e, possivelmente, até da UE, o que, de acordo com a versão corrente, seria o pior dos mundos.
Apesar dos vigorosos protestos dos sindicatos gregos, o pacote de austeridade foi aprovado no Parlamento, já vigorou durante cinco anos e o PIB se contraiu 25%. A taxa média de desemprego atual está em torno de 26% e, no caso dos jovens, 60%. No entanto, apesar da política de austeridade, a dívida grega representa hoje 181% do PIB, o que significa que ela é simplesmente impagável, pois a tentativa de arrecadar os recursos por meio de alienação de bens públicos, demissões e contenção de salários significa simplesmente aprofundar a recessão, não designar um centavo para investimentos e paralisar a economia do país.
Entretanto, houve uma mudança importante no perfil da dívida. Atualmente, 60% dela é devida aos governos da Alemanha, França, Itália, Espanha, Países Baixos e doze outros países, igualmente da eurozona, 10% ao FMI, 6% ao BCE e o restante a outras instituições menores. Apenas 4% é hoje devido a bancos privados. Isso significa que a política de austeridade imposta pela troika na realidade visava salvar os bancos privados de ficarem com o “mico” no caso de uma moratória grega. Uma manobra que impôs enorme sofrimento à população helênica e sem gerar nenhuma perspectiva de recuperação econômica e social, mesmo a longuíssimo prazo.
A Grécia é uma república parlamentar e, desde o fim da ditadura dos coronéis na década de setenta, os partidos Pasok (social-democrata) e Nova Democracia (centro-direita) se revezam frente ao governo. Foi durante o governo do Pasok, liderado pelo primeiro- ministro Yorgos Papandreu, que em 2010 foi negociado o primeiro pacote de austeridade com a troika. Esse governo se sustentou até o final de 2011, quando Papandreu foi substituído no cargo pelo tecnocrata Lucas Papademos, que havia sido presidente do Banco Central da Grécia e vice-presidente do BCE. Este não durou muito, e nas eleições de 2012 a Nova Democracia teve a maioria dos votos e compôs o governo com o Pasok e outros partidos maiores.
O Syriza, partido formado em 2004 a partir de agrupamentos menores do campo da esquerda, foi o segundo mais votado em 2012 em função de seu posicionamento claro contra as medidas de austeridade e em favor da soberania grega. Nas eleições corridas em janeiro de 2015 foi o mais votado. Sozinho, teve 36,34% dos votos, elegendo 149 deputados, pois a legislação eleitoral concede cinquenta deputados a mais para o partido mais votado. Para indicar o primeiro-ministro, coligou-se com um partido de direita, também antiausteridade, chamado Gregos Independentes, que elegeu treze parlamentares, obtendo assim a maioria dos assentos, em um total de 300.
O programa do Syriza é de oposição à política de austeridade e a favor da permanência na União Europeia. Uma das primeiras medidas de ordem emergencial foi o aumento do salário mínimo e das aposentadorias, bem como de fornecimento de energia elétrica gratuita aos mais pobres, que hoje representam mais da metade da população. Quanto ao tema da dívida, as principais propostas são: redução do valor nominal da dívida, moratória dos juros, implementação de uma cláusula de desenvolvimento e recapitalização dos bancos gregos sem contabilizar na dívida pública.
Quando o Syriza compôs o governo, ainda restavam quatro meses antes de a troika realizar nova avaliação sobre o desempenho macroeconômico da Grécia e, apesar das novas medidas propostas e aprovadas no Parlamento grego, o grupo não adotou maiores retaliações. Mas o tom da pressão política expressa pelos membros da Comissão Europeia, do presidente do Parlamento Europeu e das autoridades alemãs no sentido de o Syriza cumprir o acordado com a troika subiu muito.
A interessante resposta dos gregos, dirigida particularmente às autoridades alemãs, diz respeito à dívida da Segunda Guerra. Quando os alemães invadiram a Grécia, obrigaram o Banco Central grego, em 1943, a conceder um empréstimo para financiar a ocupação. Em valores atualizados e acrescidos de juros durante 72 anos, esse empréstimo equivale hoje a €279 bilhões. Portanto, haveria recursos de sobra para saldar a dívida. O governo alemão obviamente alega que a indenização imposta no final da guerra foi paga à luz das resoluções da Conferência de Londres de 1953, que teria perdoado parcelas da indenização de guerra, e que a Alemanha não é mais o mesmo país de antes do fim da guerra, em 1945.
Outra medida adotada pelo novo governo foi utilizar suas prerrogativas de membro da UE, como quando votou contra a aplicação de novas sanções à Rússia numa das reuniões da Comissão Europeia. Como esse tipo de decisão necessita de unanimidade, as sanções não foram aprovadas, e o novo governo grego pode contar, pelo menos, com a simpatia de um país externo à UE.
O novo ministro da economia da Grécia tem falado em criar um novo “título” que poderia servir também como uma moeda, o bitcoin, que teria um valor equivalente em euros. Poderia ser tanto distribuído pelo governo à população quanto vendido ou utilizado em transações. Seu papel é prevenir a pressão pela exclusão da Grécia da UE se não pagar suas dívidas, pois isso implicaria criar uma nova moeda que poderia ser o bitcoin, e não necessariamente o antigo dracma.
A grande incógnita é saber até onde o povo grego está disposto a ir se a pressão dos países europeus mais poderosos chegar às vias de fato, pois os votos antiausteridade em janeiro último, a partidos de diferentes colorações ideológicas, somaram quase 53%. O Syriza, embora forme o governo, teve pouco mais de um terço dos votos. E, finalmente, combater a política de austeridade não é o mesmo que administrar a exclusão da UE – e a opinião pública pode ser diferente em relação aos dois temas.
O novo governo está indo bem. Resta saber se consegue ampliar seu capital político para enfrentar a pressão que virá agora, uma vez que os prazos impostos pela troika começam a vencer.
- Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo
Teoria e Debate, Edição 135, 23 abril 2015
http://www.teoriaedebate.org.br/colunas/mundo/os-gregos-conseguirao
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