Carta Mundial de Mídia Livre

Resultado da reflexão coletiva iniciada em 2013 e como uma expressão da fala de resistência e engajamento em defesa de uma comunicação justa e emancipatória, comprometida com as evoluções do mundo e da nossa humanidade.
27/04/2015
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Fórum Mundial de Mídia Livre fmml
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Nós, comunicadores/as e ativistas, engajados/as em múltiplas práticas de comunicação emancipatória em diferentes regiões do mundo, livremente reunidos/as em março de 2015 em Túnis, por ocasião do 4º Fórum Mundial de Mídia Livre, organizado nos marcos do Fórum Social Mundial 2015,

 

Adotamos a presente Carta Mundial de Mídia Livre, como resultado de nossa reflexão coletiva iniciada em 2013 e como uma expressão da nossa fala de resistência e engajamento em defesa de uma comunicação justa e emancipatória, comprometida com as evoluções do mundo e da nossa humanidade.

 

Nós somos mulheres e homens comunicadoras e comunicadores, ativistas, jornalistas, hackers, comunicadores/as comunitários/as ou livres, movimentos sociais, associações ou organizações populares.
Somos blogueiras e blogueiros, produtores/as de audiovisual, desenvolvedores/as de tecnologia livre, associações, redes, sindicatos, faculdades de jornalismo, centros de pesquisa sobre informação e comunicação ou ONGs que apóiam o acesso à informação e à comunicação.

 

Nós somos indivíduos e coletivos, profissionais, amadores/as, militantes pela democratização da comunicação tanto em nível local quanto global, afirmando que esta democratização e que o direito à comunicação de todas e todos são condição essencial para a construção de um mundo justo e sustentável.

 

Desde o início dos movimentos de luta “altermundistas”, nós temos trabalhado para criar um espaço de expressão dos movimentos sociais. O Fórum Social Mundial, que compreende os fóruns temáticos e regionais organizados no mundo inteiro desde 2001, funciona como um espaço de convergência e de cooperação difundido pelas mídias livres. Nossa rede de ativistas surgiu no bojo desta dinâmica e se transformou num movimento estruturado em prol da liberdade de expressão e da luta por outra forma de comunicação. Nós continuaremos a cooperar com outros movimentos, contribuindo para fazer da comunicação uma questão política, tendo em vista transformar o sistema mundial de comunicação.

 

Nós praticamos novas formas de comunicação humana, intercultural, horizontal, não-violenta, aberta, descentralizada, transparente e inclusiva e compartilhada, através de instrumentos e formas de expressão múltiplas (rádio, televisão, audiovisual, imprensa, internet, etc), experimentando novos modos de organização e de produção de informação. Nossas fontes de financiamento, quando existem, não condicional nossa maneira de comunicar nem nossa linha editorial.

 

Nós estamos conscientes de que o termo “mídia livre” remete a diferentes interpretações nas nossas diversas realidades linguísticas e culturais. Nós o escolhemos, em primeiro lugar, para nos reunir em torno de práticas comuns baseadas na busca por autonomia frente às lógicas comerciais ou estatais, na luta contra toda forma de dominação e no desejo de garantir espaços de expressão abertos. Nós desejamos construir modelos econômicos solidários e sustentáveis.

 

O diálogo das nossas diversidades nos ensinou como conhecer melhor nossas forças, nossas contradições e nossa ética comum, nossas sensibilidades, nossas práticas e nosso desejo de luta e independência. Os encontros organizados desde 2013 nos permitiram elaborar princípios de ação e um horizonte estratégico comuns.

 

Esta Carta marca tanto o resultado de um processo quanto um novo ponto de partida para continuar a construção de um movimento emancipatório dos atores da informação, da comunicação e de suas tecnologias.

 

Precisamos mais do que nunca de uma comunicação contra-hegemônica, plural e engajada

 

Constatamos que a produção de conhecimento e a difusão de informações pela mídia hegemônica são subordinadas aos poderes político e econômico. As mídias comerciais reproduzem um sistema de valores e de compreensão do mundo em crescente dissonância com as reais necessidades das sociedades e a exclusão de grupos sociais já marginalizados. Durante os últimos 20 anos, com a concentração da mídia e o desenvolvimento transnacional de redes de telecomunicações em todas as partes do mundo, o poder dos atores tradicionais da comunicação se ampliou. A grande mídia tornou-se o vetor hegemônico de construção de sentidos, de subjetividades e de opinião pública. Ela instala uma lógica de mercantilização da cultura e da linguagem e pode tornar-se um fator de desestabilização em diferentes partes do mundo.

 

Mais profundamente ainda, nós percebemos que a comunicação da mídia hegemônica contribui para exacerbar os problemas que o mundo atravessa atualmente nos planos cultural e político. Ela homogeniza e monopoliza onde se deveria valorizar a diversidade, favorecer a participação, a colaboração por uma construção coletiva de conhecimento e compreensão do mundo. Ela se organiza em torno do factual, do interesse particular e do valor comercial, onde se deveria compreender os processos sociais em sua temporalidade e profundidade, promover o interesse geral e o valor social.

 

Construímos uma comunicação inclusiva, plural e transformadora

 

Frente a esse sistema hegemônico de comunicação, os ativistas da comunicação e os atores da sociedade civil têm recorrido histórica e continuamente às mídias livres em seu combate pela democracia real e a justiça social. Essas mídias fazem falar outras vozes e se opõem à hegemonia dos discursos utilizando os canais não comerciais e não governamentais (tais como as rádios comunitárias, os canais de televisão independentes, os jornais, os blogs e as redes sociais, a música, a arte de rua, etc).

 

Com o avanço das novas tecnologias da informação e da comunicação, principalmente a internet, nós vivemos nos últimos anos a emergência de potencialidades de compartilhamento e de difusão de conhecimento em quase todos os países do mundo. Grupos cada vez mais numerosos defendem as mídias livres e sua interconexão crescente reforça nosso desejo e nossa capacidade de trabalhar juntos além das fronteiras e das diferentes linguagens midiáticas.

 

Nós constatamos que a sociedade civil se apropria das novas tecnologias para criar especialmente rádios e TVs independentes na internet, blogs, redes sociais, plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo, jornais e revistas. Os desenvolvedores produzem softwares livres e interfaces web, verdadeiras alternativas aos softwares e serviços comerciais.

 

Afirmamos os princípios comuns para guiar nossa ação e promover as mídias livres em nossas sociedades

 

Considerando as declarações internacionais, as cartas e os textos de referência que dizem respeito à comunicação, o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), assim como as diferentes declarações dos movimentos sociais sobre o direito à comunicação adotadas a partir de fóruns sociais mundiais,

 

1. A liberdade de expressão para todas e todos, o direito à informação e à comunicação e o acesso à liberdade de conhecimentos são direitos humanos fundamentais. O direito à comunicação remete ao início da humanidade e à nossa vocação de viver em comunidade. Mulheres e homens sempre buscaram formas de se informar de maneira livre e independente, quaisquer que sejam as situações de dominação histórica que os grupos dominantes têm exercido sobre os meios de informação da sociedade.

 

2. Democratizar a informação e a comunicação é uma condição fundamental para a participação e o exercício da democracia. A redistribuição da palavra, a comunicação e a nossa ação como mídias livres não devem ser limitados às questões técnicas ou instrumentais. Fundamentais para nossos movimentos assim como para o conjunto com a sociedade, elas são antes de tudo uma questão política.

 

3. A informação e a comunicação são essenciais para as mobilizações e as lutas pelo respeito aos direitos humanos.

 

4. A informação e os canais de comunicação são bens comuns. Seu uso e gestão devem ser baseados na busca do interesse geral e plural, tendo como prioridade incentivar a participação popular. Isso implica escapar da lógica de mercado e reconhecer novos setores da comunicação, além dos setores privado e público.

 

Nós assumimos plenamente nosso papel de mídias livres afirmando nossas particularidades e responsabilidades

 

A ação das mídias livres se baseia na busca pela independência frente ao controle exercido pelo Estado, pelos poderes econômicos, políticos, ideológicos, religiosos e pelos grandes grupos de comunicação. Nós não fazemos parte da lógica do lucro e do mercado que caracteriza a mídia hegemônica.

 

Nós queremos ser solidários/as às transições sociais, econômicas, ecológicas, democráticas em curso nas diferentes partes do mundo. Nossas lutas constituem um aporte essencial para os direitos humanos e as lutas contra a colonização, os territórios ocupados, o patriarcado, o sexismo, o racismo, contra o neoliberalismo e todas as formas de opressão e de fundamentalismo. Nós nos mobilizamos contra as violências via internet e outras mídias, e notadamente contra as violências de gênero e contra as minorias sexuais.

 

Nossas formas de comunicação privilegiam a valorização da diversidade de expressões e de compreensões do mundo, a tolerância, a pluralidade de fala e o reequilíbrio do poder. Nós promovemos a participação social, a cooperação e partilha de informação em diferentes mídias e por diferentes produtores/as de informação.

 

Nós lutamos contra todos os discursos de ódio, intolerância e violência. Nós defendemos/destacamos outras formas de vida, outras representações do mundo, e incentivamos novas formas de participação e engajamento político. As mídias livres visam a formar mulheres e homens para o uso e a leitura crítica dos meios, numa perspectiva de educação popular.

 

Nós assumimos o dever de contribuir para o reequilíbrio dos fluxos de informação entre todos os países do mundo, e dentro de cada país, criando espaços públicos democráticos que encarnem uma ética da informação respeitosa da vida privada.
Nós sabemos como é importante respeitas as culturas, as memórias, as histórias e as identidades dos povos. Nossa ação permite fazer com que a sociedade ouça os interesses, a voz e as ações dos povos autóctones, das minorias discriminadas e dos grupos sociais oprimidos por causa de sua religião, de sua identidade, de sua orientação sexual, de sua classe, de sua deficiência, de sua etnia ou de sua língua.

 

Os conteúdos que nós veiculamos valorizam a diversidade de imaginários, de identidades e de expressões culturais, em oposição ao reforço das normas estéticas e de comportamentos de gêneros impostos aos povos. Não damos espaço a nenhuma forma de discriminação ou de opressão de gênero, de qualquer minoria, no mundo.

 

Num contexto de convergência, nossas mídias livres trabalham pela soberania tecnológica. Elas rejeitam a mercantilização das identidades digitais e promovem a partilha de conhecimento através do uso de licenças livres e “standards” abertos.

 

Nós reivindicamos uma transformação dos sistemas de comunicação e nos engajamos para:

 

  • Afirmar o direito à comunicação comum como um direito fundamental.

 

  • Defender a internet como um bem comum.

 

  • Desenvolver os marcos democráticos de regulação da comunicação, através de órgãos ou agências independentes, especialmente visando a combater a concentração dos meios.

 

  • Apoiar e incentivar o desenvolvimento dos meios de comunicação comunitários e associações, com reserva de frequência para os diferentes setores da sociedade civil.

 

  • Reforçar a independência dos serviços públicos de difusão (ou mídia pública) frente aos serviços governamentais e de mercado.

 

  • Incentivar a utilização das línguas e dialetos nos diversos espaços de expressão midiática, dando uma atenção particular às línguas minoritárias.

 

  • Reivindicar o desenvolvimento de políticas públicas que visem a reforçar as mídias livres, sua qualidade e sustentável.

 

  • Recusar o monopólio das infraestruturas de internet, a guarda de dados pelas corporações e a vigilância do ciberespaço.

 

  • Desenvolver uma governança democrática para a internet, incluindo a garantia de neutralidade de rede, o direito à vida privada e a liberdade de expressão nas redes.

 

  • Facilitar o acesso às tecnologias livres e abertas.

 

  • Universalizar o acesso aos meios de comunicação e à internet banda larga.

 

  • Lutar contra a criminalização de militantes e organizações que desenvolvem mídias livres.

 

  • Proteger jornalistas e todos os atores da comunicação contra a violência, a perseguição ou a exploração.

 

  • Mobilizar e criar conexões entre as diferentes mídias e os movimentos sociais, especialmente no processo do Fórum Social Mundial.

 


Fazemos um apelo para a mobilização e articulação de ações relacionadas com a Carta

 

  • Afirmar a Carta para construir os fundamentos para garantir as mídias livres, a nível nacional, regional e internacional

 

  • Utilizar a carta como um instrumento pedagógico e de aprendizagem, organizando especialmente os debates e fóruns de discussão sobre as mídias e a internet livres.

 

  • Construir parcerias com outros setores sociais e atores internacionais para a promoção e a defesa dos princípios enunciados acima.

 

  • Realizar uma cartografia de mídias livres, a fim de permitir diferentes iniciativas de partilha de informações e de experiências, com base no princípio de livre participação e no respeito ao direito de anonimato.

 

  • Ampliar a Carta para gerar instrumentos, ferramentas ou mecanismos a nível temático ou regional.

 

  • Promover os princípios da Carta nos meios de comunicação livres em todas as regiões do mundo e por ocasião de eventos intergovernamentais ou internacionais da sociedade civil.

 

Nós, mídias livres, somos conscientes da nossa força e do papel crucial que temos a desempenhar e nos comprometemos, aqui e agora, na luta pelos princípios e compromissos estabelecidos acima, até que se tornem realidade.

 

Túnis, Março 2015

 

Voce pode assinar e aderir à Carta Mundial da Mídia Livre enviando um email para charte@fmml.net. Por favor, indique seu nome e de sua organização.

https://www.alainet.org/pt/articulo/169234
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