Avançar para ajustar

19/05/2015
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Achei que era piada, mas não: o governo federal distribuiu peças publicitárias tendo como lema “ajustar para avançar”. Não é culpa do marqueteiro, o problema é a mensagem horripilante. O equivalente é a famosa frase: primeiro fazer o bolo crescer para depois repartir. Com um agravante, aquele bolo efetivamente cresceu. Já, agora, caso o ajuste prossiga, não haverá avanço e sim retrocesso.

 

Para ser mais preciso: caso o ajuste prossiga, só os ricos deste país ficarão ainda mais ricos, só eles vão ganhar dinheiro e melhorar de vida Aliás, se há uma constante neste país, ela é esta. Como já foi dito por alguém, mesmo quando os pobres melhoraram de vida, os ricos conseguiram ganhar dinheiro como nunca.

 

A conta é simples: salário e emprego dependem de crescimento, crescimento depende de investimento, investimento depende do Estado. Nem todo investimento público gera melhoria na vida da classe trabalhadora. Mas reduzir o investimento público, piora a vida da classe trabalhadora.

 

Claro, sempre haverá um Cândido a acreditar piamente que o investimento benfazejo virá depois do ajuste. E que só o ajuste permitirá o posterior investimento.

 

Infelizmente, Cândido desconsidera a maciça transferência de recursos públicos para os senhores da dívida, que por sua vez não pagam impostos e ainda buscam manter uma rentabilidade compatível com uma taxa de juros que só o Brasil é capaz de oferecer. O que não rima com investimento que gera avanço social.

 

Portanto, o lema “ajustar para avançar” só faz sentido se entendido da seguinte maneira: ajustar para avançar contra o padrão de vida da classe trabalhadora. Ou então: ajustar para baixo o salário e o emprego da maioria, avançar para maiores lucros da minoria.

 

O incrível é que os governos Lula e Dilma demonstraram ser possível crescer distribuindo. Noutras palavras, demonstraram que é avançando que se ajusta.

 

Aliás, se quiseres verdadeiro equilíbrio fiscal, promovas crescimento com distribuição de renda. O resto é papo. Não há nada mais desequilibrado do que certos governos neoliberais.

 

O que dirá a respeito disso o 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores? Se depender da militância que comparece a debates que estão sendo realizados em todo o país, prevalecerá uma ideia simples: que Dilma tome posse. Pois foi Dilma que venceu o segundo turno das eleições presidenciais, não foi Cunha, muito menos Levy.

 

Acontece que os delegados e as delegadas com direito a voz e voto neste Congresso foram eleitos no politicamente longínquo ano de 2013.

 

Naquela época, já havia sinais abundantes de que a situação estava exigindo do PT uma nova orientação política. No entanto, prevaleceu na eleição partidária uma posição conservadora: mesmo sabendo dos problemas, não antecipar nem o debate nem as medidas alternativas.

 

Fosse agora a eleição, é muito provável que prevalecesse em delegados e delegadas outro ponto de vista: o de que o PT precisa mudar e mudar rápido, sob pena de perder grande parte da força política e social acumulada ao longo de 35 anos.

 

Delegados e delegadas de 2013 vão atualizar seu ponto de vista com a radicalidade necessária? Ou predominará aquele tipo de mediação que não agrada a nenhuma das posições em debate?

 

A maioria das teses inscritas para debate promete mudanças no comportamento do Partido, especialmente no sentido de reatar laços com um grande setor da classe trabalhadora que confiava em nós, mas agora se distanciou.

 

A maioria das teses defende que o PMDB não é aliado das mudanças, sendo necessário construir uma aliança com os partidos, movimentos, setores e personalidades de esquerda, democráticos e populares que garantiram a eleição de Dilma no segundo turno de 2014.

 

A maioria das teses aponta para mudanças na estratégia do PT, no sentido de que para transformar o Brasil é preciso combinar luta social e institucional, luta cultural e organização. Tendo como objetivo não conciliar, mas derrotar o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia.

 

A maioria das teses sugere mudanças na política do governo Dilma, no sentido do programa vitorioso no segundo turno das eleições presidenciais, não aquele vitorioso nas eleições da Câmara dos Deputados no primeiro turno e muito menos o de Armínio Fraga, ou melhor, Joaquim Levy.

 

Contudo, enquanto a maioria das teses alimenta a esperança, ainda que modesta e contida, a maioria da bancada do PT na Câmara dos Deputados escolheu votar a favor das Medidas Provisórias 664 e 665, nos dias 6 e 13 de maio de 2015, piorando a vida de quem vive de salário, recebe pensão ou seguro-defeso.

 

O governo argumenta que há fraudes, desvios e distorções, que as Medidas Provisórias visariam corrigir. Sem dúvida existem alguns dos problemas citados, que poderiam e deveriam ter sido corrigidos há mais tempo, sem a necessidade dessas medidas.

 

Entretanto, o governo admite que as MPs 664 e 665 integram um “ajuste fiscal”. E até o momento o governo não adotou nenhuma medida que faça os ricos pagar ao menos uma parte do ajuste.

 

Ao mesmo tempo em que enviou estas Medidas Provisórias, o governo – através do Banco Central – aumenta a taxa básica de juros e contingencia o orçamento, afetando quem precisa de crédito barato e políticas públicas.

 

Diante de tantos fatos e evidências de que as MPs são parte integrante de uma política econômica e de uma estratégia política que Dilma derrotou no segundo turno, esperamos que a bancada do PT no Senado vote contra essas Medidas Provisórias.

 

Uma posição forte e consequente do PT, mais uma intensa paralisação da classe trabalhadora no dia 29 de maio vão contribuir para que Dilma, aquela Dilma que ganhou as eleições desmascarando as toscas políticas neoliberais, assuma a presidência da República.

 

- Valter Pomar é militante do PT  e professor da UFABC.

 

http://www.brasildefato.com.br/node/32080

https://www.alainet.org/pt/articulo/169725
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