Ativistas cobram democracia na regulamentação do Marco Civil
- Opinión
Entidades do movimento social, especialistas em tecnologia e ativistas pela liberdade e direitos na Internet enviaram carta ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nesta quinta-feira (10), cobrando a manutenção do modelo de participação social na regulamentação do Marco Civil da Internet. De acordo com o documento, as sugestões feitas possibilitam 'consolidar a metodologia implementada no processo democrático adotado para a formulação, tramitação e regulamentação do Marco Civil da Internet', atualmente sob risco após o Ministério da Justiça estabelecer uma dinâmica diferente para a segunda fase da regulamentação.
Sancionado em 2014, depois de um longo período de tramitação e disputa, o Marco Civil da Internet estabeleceu direitos e deveres de usuários e terceiros – uma espécie de Constituição da Internet brasileira. A sociedade foi protagonista no processo de construção do Projeto de Lei, que contou com cerca de duas mil contribuições. Após a sua aprovação, a presidente Dilma Rousseff participou do Diálogos Conectados, debate promovido por entidades da sociedade civil durante a campanha eleitoral, no qual se comprometeu a manter o modelo de participação social para a regulamentação da lei.
Na primeira etapa da regulamentação, o Ministério da Justiça abriu consulta pública sobre grandes temas do Marco Civil da Internet, conforme explica Renata Mielli, secretária-geral do Barão de Itararé e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Foi estabelecido um debate sobre os temas em um formato de 'fórum virtual', no qual contribuições eram postadas e discutidas”, relata.
Para a segunda fase do processo, porém, o governo solicitou que a sociedade enviasse minutas de decreto sintetizando as sugestões levantadas na primeira etapa. “Não cabe à sociedade civil sistematizar todas as contribuições”, critica Mielli. "Primeiro, porque não há uniformidade nas propostas de cada entidade. Segundo, pois quem tem condição de elaborar minutas de decreto são os escritórios das grandes empresas privadas e não a sociedade civil". De acordo com ela, o encaminhamento proposto pelo Ministério da Justiça "não é democrático e invalida todo o processo de construção coletiva e participação”.
A cobrança feita na carta enviada a Cardozo é de que o governo cumpra com o combinado e apresente sua proposta para, posteriormente, voltar à consulta pública. “O próprio Ministério da Justiça deve sistematizar as contribuições da primeira etapa e elaborar uma proposta de decreto. Aí, sim, que coloquem-na em debate para a sociedade discutir”, salienta Mielli.
Advogada, conselheira do Proteste – Associação de Consumidores e representante do 3º setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefèvre avalia que a decisão, por mais que não tenha sido tomada de 'má-fé' pelo Ministério da Justiça, pode ser um tiro no pé. "Ainda que o Marco Civil da Internet seja uma ferramenta jurídica, o prazo de 30 dias para elaborar minutas de decreto sobre temas técnicos complexos é algo absurdo", opina. "As grandes empresas de telecomunicações não só dominam os meandros técnicos das questões colocadas na regulamentação como também têm dinheiro para contratar quem redija minutas de decreto para eles, o que não é o caso da sociedade civil".
Lefèvre lamenta que o governo tenha descumprido a promessa de que a sociedade discutiria sua proposta de decreto, já abarcando as contribuições da primeira etapa. "Espero que isso não coloque sob o risco a árdua batalha que travamos pelo Marco Civil da Internet e que haja um equilíbrio entre agentes. Desde antes de sua aprovação até o processo de regulamentação, tem sido uma luta hercúlea, que não pode ir por água abaixo".
Confira, abaixo, a íntegra da carta:
Ao
Excelentíssimo Senhor José Eduardo Cardozo
Ministro da Justiça da República Federativa do Brasil
São Paulo, 10 de junho de 2015
Assunto: CONSULTA PÚBLICA DO TEXTO CONSOLIDADO DO DECRETO DE REGULAMENTAÇÃO DO MARCO CIVIL DA INTERNET
Senhor Ministro,
Somos um grupo de organizações da sociedade civil, especialistas em tecnologia e ativistas comprometidos com a defesa da liberdade e de direitos na Internet. Consideramos importante a iniciativa deste Ministério em abrir processo participativo também para a sistematização da minuta do decreto, porém entendemos que ele não substitui a realização de uma segunda fase de consulta pública, a partir de texto de decreto já consolidado. Aguardamos que, ao fim do trabalho de análise e redação a ser realizado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, o texto esteja disponível em uma plataforma on-line para uma última análise da sociedade, assim como ocorreu com o projeto do Marco Civil antes de ser enviado ao Congresso Nacional.
Participamos ativamente do processo de aprovação do Marco Civil da Internet, além das consultas públicas sobre a regulamentação da lei. Portanto, pedimos a Vossa Excelência que viabilize a abertura da íntegra da minuta de decreto, com a consolidação das contribuições públicas e faça uma nova rodada de debates públicos similares ao previamente adotado.
A garantia de tal ação não só é importante para que se possa identificar e apontar eventuais incongruências no texto do decreto, bem como seria necessário e oportuno para consolidar toda a metodologia participativa implementada no processo democrático adotado para a formulação, tramitação e regulamentação do Marco Civil da Internet, inclusive para identificação das sugestões captadas na primeira fase já incorporadas no texto da minuta do decreto.
Subscrevem,
Actantes
Artigo 19
ASL – Associação Software Livre
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Clube de Engenharia
Coletivo Digital
Hack Agenda
IBIDEM – Instituto Beta para Internet e a Democracia
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Instituto Bem Estar Brasil
Instituto Telecom
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Mega
Proteste – Associação de Consumidores
Assinaturas individuais:
Anahuac de Paula Gil
10 Junho 2015
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