Novo Código da Mineração: o neoliberalismo explícito do Congresso Nacional
- Opinión
Há exatamente dois anos o governo federal encaminhou o projeto de lei 5807/13, que define um novo marco regulatório para o setor de mineração no Brasil. O Congresso criou uma comissão especial para tratar do assunto, cujo relator é o deputado Leonardo Quintão (PMDB MG), reeleito recentemente e que pretendia colocar em votação o PL ainda neste semestre. Ele é um parlamentar sincero, ético e moralista por natureza, e declarou o seguinte em uma audiência pública na Câmara no ano passado:
“- Não tenho nenhuma vergonha de ser financiado, dentro da lei, por mineradoras”.
Segundo informações divulgadas pelo Movimento dos Atingidos Pela Mineração, ele recebeu R$380 mil das empresas de extração mineral, mas não foi o único a maioria dos 31 parlamentares que compõem a comissão especial também receberam – de quase todos os partidos -, além disso, o levantamento dos movimentos sociais sobre doações eleitorais eleva o número para 89 eleitos, que receberam doações legais das mineradoras.
O novo Código foi elaborado para alterar regras estabelecidas na época da ditadura militar. Muda essencialmente duas coisas: o regime de prioridades, ou seja, o primeiro que entra com o pedido de pesquisa tem o direito de lavrar posteriormente e as alíquotas da Compensação Financeira, o tributo que incide sobre a extração – CEFEM – até agora chega ao máximo de 3% - alumínio, manganês, sal-gema, por exemplo -, e 1% no caso do ouro – 0,2% de a origem for o garimpo. A mineração no Brasil é sinônimo de ferro, principal produto de exportação, praticamente 70%, além de ser o maior recolhedor de impostos – oito dos 10 municípios que mais arrecadam. O segundo colocado é o ouro, mas enquanto o ferro vale US$30 bilhões, o ouro alcança US$2,3bilhões, seguido pelo nióbio com US$1,8bi e o cobre US$1,5bi, dados de um trabalho do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, que é mais do que um manifesto neoliberal para o setor de mineração.
Artigo 109 – Agência Nacional de Mineração regulariza
O PL 5807/13 já recebeu 370 emendas, descaracterizando totalmente as medidas que alteravam as regra do setor. Não que a proposta do governo seja uma maravilha, porque não inclui iniciativas para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores e muito menos para estancar ou prevenir os impactos socioambientais. O novo marco cria o Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional da Mineração mais ou menos na mesma direção do que foi proposto para o petróleo. O artigo 109 inserido pelos parlamentares diz o seguinte:
“- Qualquer atividade que cause impedimento da mineração tem que ser autorizada pela Agência Nacional da Mineração”.
Isso inclui unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas. Ou seja, enquanto os movimentos sociais estão brigando contra a PEC 215, que passa para o Congresso o poder de regularizar as terras indígenas, a bancada da mineração propõe um artigo que torna legal a iniciativa.
Acima de tudo, garantir o direito das mineradoras
Agora a argumentação dos extratores, muito bem definidas no 1º Fórum Brasileiro da Mineração, organizado por um conhecido representante tucano do neoliberalismo e líder do LIDE, o que chega a soar como cacofonismo já que é um movimento mundial que reúne líderes empresariais, João Dória Júnior.
“- O Brasil precisa crescer, diversificar e expandir seu conhecimento geológico e para isso a compensação do lucro é fundamental. A CEFEM deve levar em consideração as dificuldades de infraestrutura e riqueza do corpo mineral. Não podemos onerar da mesma forma um projeto no Xingu e um localizado próximo a estradas e portos.”
Claro que o deputado Leonardo Quintão foi um dos palestrantes no encontro realizado no ano passado. Para garantir o direito de prioridade dos extratores grandes é óbvio, porque quem tem poder e dinheiro pesquisa e varre o subsolo com muito mais facilidade que garimpeiros alucinados. Entretanto, acima de tudo, é preciso garantir o direito das empresas, os resultados dos investimentos e, principalmente, que o Estado não coloque empecilhos para a atividade, já que se trata de uma área cheia de especificidades, os resultados até chegar ao mineral procurado é sempre muito pequeno. O setor de mineração, ainda segundo o estudo do Senado representa US$51 bilhões na economia brasileira e dá emprego a 175 mil trabalhadores. Um trecho do estudo:
“- A mineração agrega valor a algo que de outra forma seria apenas rocha e assim pode trazer bem estar para toda a sociedade, gerar renda e também propicia a interiorização de atividades industriais. A taxa de sucesso é baixíssima.”
O trecho é introdutório, porque o estudo detalhado é uma peça empresarial de altíssima qualidade e registra o “excessivo intervencionismo estatal da proposta do governo não é adequado ao moderno setor mineral e representa um retrocesso em relação ao atual Código da Mineração”, registram os consultores legislativos, responsáveis por balizar a opinião dos parlamentares no Congresso Nacional.
Viés nacionalista e agregação de valor local
“- O risco político para a empresa mineradora aumenta com o processo do empreendimento. A empresa enterra vultosos recursos no empreendimento e anseia por receber o retorno do capital investido. O país hospedeiro tem a jazida descoberta e o empreendimento definitivamente atado a seu território e pode pressionar para impor novas condições. Numa posição extremada o país hospedeiro pode expropriar as jazidas e as descobertas”, reforçam os consultores do Senado, ressaltando que serão investidos US$75 bilhões até 2016, um número oficial estimado, coisa que está longe da realidade.
Ainda tem mais: “Entre as atribuições do Conselho Nacional de Pesquisa Mineral duas permitem identificar o viés do nacionalismo na extração de recursos naturais presentes no novo marco regulatório da mineração: a proposição de iniciativas destinadas a promover a agregação de valor na cadeia produtiva nacional dos bens minerais e a proposição de diretrizes para a fixação de índices de conteúdo local a serem observados nas licitações, concessões e autorizações de direitos minerários”.
Segundo o Núcleo de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado a preocupação do governo é gerar emprego e renda no país, mas ressalta que “medidas simplistas, que desconsideram as especificidades do setor mineral e da economia brasileira, baseado mais em imposições do que em incentivos, não são o melhor caminho”.
Por último: ”Decisões empresariais têm que fazer sentido econômico e o governo deve ser muito cuidadoso para não intervir no setor mineral com políticas voluntaristas dissociadas da realidade econômica e afugentar investidores e o governo não deve esquecer de que não é onipotente, existem outras variáveis no setor que ele não tem controle”.
Reação internacional contra mineradoras
Por tudo isso, “demanda uma intervenção intensa do Congresso Nacional para o seu aperfeiçoamento”. Realmente os resultados da participação dos congressistas surgiram rapidamente. E o novo Código da Mineração está na pauta do legislativo, sem considerar a opinião dos movimentos sociais e principalmente das comunidades envolvidas com a exploração mineral. Na verdade o estudo do Congresso Nacional é a expressão maior do poder do cartel das mineradoras que sofrem pressão em todas as partes do mundo por recolherem poucos tributos e pelos impactos socioambientais. A Austrália em 2012 definiu um novo imposto de 30% sobre os lucros das minas de minério de ferro e carvão. No mesmo ano a Indonésia, uma das maiores exportadoras de níquel e estanho, definiu uma nova política para o setor de mineração, desestimulando a exportação de matéria-prima.
A Bolívia, entre 2007 e 2010, expropriou os ativos de mineração e fundição controlados pela trading suíça Glencore e a Venezuela já tinha nacionalizado a indústria siderúrgica e cancelou seis concessões da Anglo American de jazidas de níquel. A África do Sul debateu intensamente a nacionalização do setor mineral – é a maior produtora de platina – também em 2012 – a iniciativa não foi aprovada no Congresso.
Créditos da foto: ebc
18/06/2015
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