"Regulação da mídia é necessária à liberdade de expressão"
- Opinión
O julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4679, 4747, 4756 e 4923, ajuizadas contra a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (12.485/2011) teve nesta quinta-feira 25 um capítulo importante, não só para os atores diretamente envolvidos no mercado de TV por assinatura, mas para a defesa da regulação democrática dos meios de comunicação como um todo.
Movidas pelo DEM e por associações comerciais como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura em UHF (ABTVU), as ações questionam principalmente dois aspectos da lei, que em 2011 colocou em vigor um novo marco legislativo para todos os serviços de TV paga no País: o impedimento de que uma mesma empresa seja produtora e distribuidora de conteúdo, e a determinação de cotas de conteúdo nacional na programação dos canais.
O relator da matéria, ministro Luiz Fux, não apenas invalidou praticamente todas as alegações das autoras, considerando a quase totalidade dos artigos da lei como constitucionais, como proferiu um voto que mostra, de forma inequívoca, a validade – e mesmo a necessidade – da regulação da mídia para a garantia da liberdade de expressão, diversidade e pluralidade no sistema de comunicação do País.
Algumas passagens do voto merecem ser rememoradas, pois lançam luz sobre um debate feito em geral de forma enviesada pela própria mídia brasileira. Segundo Fux, os dispositivos da lei “respaldam, a toda evidência, uma postura não meramente passiva do Estado na regulação da TV por assinatura, viabilizando (e porque não dizer: reclamando) verdadeira atuação positiva do Poder Público na promoção dos valores constitucionais pertinentes ao setor”.
Indo, inclusive, além do debate sobre a estruturação do mercado de tevês pagas, o ministro do Supremo destacou a necessidade de se estabelecer mecanismos que garantam a diversidade nos meios de comunicação. Referindo-se às cotas para conteúdo nacional e independente garantidas na lei, afirmou que “o mercado audiovisual – deixado por si próprio – é incapaz de promover a diversidade de conteúdo e o pluralismo que se espera dos meios de comunicação de massa” – conforme previsão da Constituição Federal de 1988.
Ratificou, ainda, que a lei ora questionada atende à concretização não apenas do que dispõe a Constituição, mas também a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, promulgada pela Unesco e ratificada pelo Brasil. O tratado internacional diz que “cada parte poderá adotar medidas destinadas a proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu território”. Entre as medidas, a convenção cita aquelas destinadas a “fornecer às indústrias culturais nacionais independentes e às atividades no setor informal acesso efetivo aos meios de produção, difusão e distribuição das atividades, bens e serviços culturais.”
O posicionamento de Fux, como ele mesmo afirmou, considerou o papel crucial da comunicação social e sua enorme capacidade de influenciar a opinião da população.
Contra o abuso de poder
Durante a quase uma hora de apresentação de seu voto, Luiz Fux defendeu a lei, diante dos olhares inquietos dos representantes das empresas – que esperavam encontrar ali acolhida para seus argumentos contrários à legislação e a marcos regulatórios equivalentes estabelecidos nos mais diferentes países do mundo. O ministro do STF foi categórico ao afirmar que a 12.485 contribui para a diversificação do conteúdo e “tende a evitar que o mercado de TV por assinatura se feche, ampliando as fontes de informação disponíveis e o espaço para a manifestação de novos entrantes”.
A afirmação encontra eco nos dados apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) no julgamento da quinta 25. Segundo o órgão, após sua entrada em vigor, com a previsão de reserva de 3 horas e meia por semana nos canais de espaço qualificado para conteúdos brasileiros (dos quais metade é produzida por produtoras independentes), o mercado de TV por assinatura deu um salto significativo.
O número de canais que veiculam mais de 21 horas de programação nacional passou de 7 em 2010, para 22 em 2015. A quantidade de séries produzidas e veiculadas no País também cresceu. Eram 73 em 2011 e, no ano passado, somaram 506 produções.
Os advogados do mercado repetiram o mantra habitual do setor empresarial. Consideram a lei inconstitucional porque, a seu ver, ela fere a livre iniciativa, a “propriedade intelectual dos canais” e a liberdade de expressão.
O argumento foi questionado por Bráulio Araújo, representante do Intervozes, que participou do julgamento na figura de amicus curiae. Ele sustentou que a livre iniciativa e a livre concorrência não são normas absolutas e que, ao Estado, é necessário atender ao interesse público e aos princípios constitucionais em sua ação – tanto no estabelecimento de limites à concentração dos meios quanto em relação às normas de promoção da diversidade, por meio do incentivo à produção regional e independente.
“A eficiência dessa técnica e sua adequação ao ordenamento jurídico é comprovada pela experiência internacional, haja vista que uma série de países – tais como França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Holanda, Austrália, EUA e Argentina – adotam regras que impõem limites fixos à concentração de poder econômico sobre os meios de comunicação”, destacou o Intervozes.
“A comunicação é o único setor econômico em que a Constituição Federal proíbe expressamente o monopólio e o oligopólio, porque ela reconhece que os meios de comunicação não são apenas bens econômicos; são espaços fundamentais para a democracia", afirmou Araújo. Nesse sentido, o prejuízo à democracia causado pela concentração midiática é maior do que qualquer benefício econômico que essa situação passa vir a gerar.
O julgamento das ações foi paralisado logo após a leitura do voto do relator Luiz Fux. Além de Fux, nenhum ministro se manifestou sobre o caso, que deve voltar ao plenário do STF no segundo semestre. Até lá, fica a esperança de que seja aberto, no Judiciário, um novo capítulo do debate sobre as comunicações no País, hoje marcado pela desinformação e pela manipulação do discurso.
É hora de o Brasil se alinhar aos demais países democráticos que reconhecem a centralidade de uma comunicação plural e diversa para as sociedades contemporâneas. E, com isso, romper com o histórico de omissão do Estado em sua regulação e de privilégio do exercício da liberdade de expressão por poucos, com o total silenciamento das maiorias sociais.
- Helena Martins é jornalista, doutoranda pela Universidade de Brasília e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.
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