Coração azul contra o tráfico de pessoas
- Opinión
É importante lembrar o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, 23 de setembro. Pautar o tema é fundamental para a conscientização dos parlamentares, do Poder Público, dos atores das mais variadas esferas de governo e de toda a sociedade para que se ponham em marcha, em movimento, para lutarmos contra o tráfico de pessoas e seu impacto na sociedade.
Marca o dia a Campanha Coração Azul, lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2009, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, cujo tema naquele ano foi “Mulheres e homens unidos para pôr termo à violência contra as mulheres e as raparigas”. É representada por um coração azul, para sensibilizar as pessoas em relação à existência de uma abominável prática que atinge milhões de vítimas, o tráfico de pessoas, e mobilizar apoio para combater essa modalidade moderna de escravatura.
Na América Latina, o Brasil e o México já lançaram a própria versão nacional da campanha, de modo a encorajar a participação em massa no enfrentamento e no combate a esse tipo de violação e inspirar medidas que ajudem a acabar com o tráfico de pessoas e a exploração sexual. O uso do coração azul estende a todas as pessoas a possibilidade de demonstrar sua solidariedade às vítimas.
Além de representar a tristeza das vítimas, o ícone ajuda a relembrar a crueldade, a insensibilidade, o ato repugnante daqueles que compram e vendem outros seres humanos como se mercadorias, objetos ou coisas fossem, numa clara e aviltante comprovação de que, em pleno século 21, o mundo inteiro ainda não conseguiu se desvencilhar da lógica da mercantilização da vida. Em nome de uma ganância sem limites, materializada na busca incessante do acúmulo de capital, bens e riquezas, tudo é permitido, tudo é legal, inclusive a comercialização de seres humanos.
O uso da cor azul da ONU reforça o compromisso da organização contra esse crime que atenta contra a dignidade humana. Assim como a fita vermelha se tornou o símbolo internacional da conscientização sobre o HIV/aids, essa campanha busca fazer do coração azul o símbolo internacional da luta contra o tráfico de pessoas.
Fenômeno mundial, esse tipo de crime atinge milhões de pessoas e representa a terceira maior fonte de renda gerada pelo tráfico, perdendo somente para o de armas e o de drogas, movimentando US$ 32 bilhões por ano. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 44% das vítimas do tráfico são alvos de exploração sexual, 32% são aliciadas para trabalho escravo e 25% sofrem com a combinação de ambos.
Para se ter ideia quão perverso é, basta confrontarmos algumas estatísticas que revelam em números o perfil das vítimas, as rotas e os destinos. Pelo menos a metade delas são menores de 18 anos. A cada ano, cerca de 1 milhão de crianças e adolescentes são vítimas de redes de prostituição, pornografia, tráfico e turismo sexual, de acordo com a OIT. E as mulheres continuam sendo o alvo principal do tráfico, segundo a ONU. Somente na Europa, são 500 mil vítimas por ano, das quais 75 mil são brasileiras.
Os dados da ONU revelam que, dos brasileiros que cruzam o Atlântico vítimas do tráfico, 90% são do sexo feminino. Espanha, Holanda, Itália, Portugal, Suíça e França são os principais destinos das brasileiras, que chegam principalmente dos estados de Goiás, São Paulo, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
As principais rotas do tráfico de brasileiras para os Países Baixos partem da Região Amazônica, com escala no Suriname, país que faz fronteira com os estados do Pará e do Amapá. Um relatório da ONG Fórum da Amazônia Oriental revela que, das 241 rotas de tráfico de seres humanos identificadas no Brasil, 76 passam pela Região Norte.
A expansão do tráfico de seres humanos no mundo é estimulada sobretudo por fatores como pobreza e falta de oportunidades, conforme a Organização Internacional para Migração (OIM). Desde 1994 combatendo as redes internacionais, a entidade já providenciou assistência a cerca de 15 mil vítimas do tráfico de pessoas e implementou quinhentos projetos de reinserção em 85 países.
Quando cada um e cada uma de nós veste o coração azul, estamos dizendo para o Brasil e para o mundo que o tráfico de pessoas e a exploração sexual constituem crime contra a humanidade e que não podemos tolerá-lo. Devemos conscientizar toda a sociedade para denunciá-lo e combatê-lo a todo custo.
A discriminação e o sexismo, além da pobreza, também são fatores que contribuem sobremaneira para a prática desse crime, e é dever de nosso Parlamento discutir o problema e apontar propostas firmes e enérgicas para enfrentá-lo.
Por isso, hoje e sempre, devemos dizer em altos brados: “Somos todos coração azul”. Que cada uma e cada um de nós vista a própria alma de azul, de modo que possamos internalizar o verdadeiro sentido da existência e, assim, nos colocar sempre em movimento pela defesa do bem mais precioso que temos: a vida.
- Erika Kokay é bancária e psicóloga, deputada federal pelo PT-DF e titular da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, entre outras comissões.
Teoria e Debate, Edição 139, 17 agosto 2015
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