O boneco protegido

A proteção policial oferecida ao boneco inflável e infamante do Presidente Lula vestido de presidiário na Avenida Paulista, neste domingo, não é um fato irrelevante, na crise que vive o país.
31/08/2015
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A proteção policial oferecida ao boneco inflável e infamante do Presidente Lula vestido de presidiário na Avenida Paulista, neste domingo, não é um fato irrelevante, na crise que vive o país. Vejam: não estou falando do “boneco”, que poderia ser do Sartori, do Fernando Henrique, do Aécio, deste que vos escreve ou de qualquer outra pessoa, que poderia, ao sentir-se injuriado ou difamado, acionar a Justiça, para buscar as devidas reparações legais. Estou me referindo à proteção policial oferecida aos que resolveram, por decisão política, assumir o risco de atacar desta forma um ex-Presidente, assumindo uma forma  muito usada na Alemanha  convulsa que precedeu o nazismo. Ali, as principais vítimas eram os sociais–democratas, os comunistas e a comunidade judia.

 

Naqueles  anos tristes de decomposição da República de Weimar as hordas das SA, protegidas pela Polícia do Estado, invadiam estabelecimentos de comércio dos judeus, lares de adversários políticos e, em nome do futuro da Alemanha, saqueavam e matavam, preparando um regime totalitário que foi responsável pela eclosão da Segunda Grande Guerra. Faziam tudo isso com a proteção da Polícia e com a “luz verde” das organizações políticas conservadoras, muitas delas depois também  devastadas ou perseguidas pela besta nazista. Estou me referindo, portanto, a um certo nível de ultrapassagem do rito democrático, quando as forças de segurança do Estado deixam de preservar a sua neutralidade formal e avançam na sua partidarização aberta.

 

Tal avaliação serviria para qualquer “boneco” protegido, porque o fato emblemático deste episódio é a Polícia protegendo uma ação que, claramente, acionada a Justiça pelo ofendido,  poderia ser considerada uma ação delituosa. A presença da Polícia, protegendo atos injuriosos ou difamatórios, abre uma ferida no pacto democrático vigente, porque incita, também,  os inconformados, a exigirem dela um tratamento isonômico, ou seja,  o direito à proteção de atos que realizem contra os seus adversários políticos, com o risco de gerar um espiral de violência que , substitua a política pela ação direta e, finalmente, a disputa pela hegemonia dentro da democracia pela violência sem freios.

 

Agnes Heller, no seu “O Cotidiano e a História”, diz que “os políticos grandes e vitoriosos foram sempre aqueles cujas representações da própria classe ou nação e até mesmo dos (seus)  inimigos mantiveram-se isentas de preconceitos”, por isso puderam ver com clareza o que deveriam e poderiam fazer, em defesa da sua classe, do seu país ou do que imaginavam ser o melhor para todo o povo.

 

Os que observam os outros somente através de um sistema de preconceitos, por exemplo, achando “que o seu opositor” é invariavelmente “um covarde”, ou que permanecerá eternamente acuado, mais dia menos dia será derrotado.

 

Estas pessoas não conseguem  nunca compreender as reservas de dignidade humana que todas as pessoas possuem, independentemente da sua ideologia e das adversidades que enfrentam em algum momento. O fascismo, além de ser uma ideologia anti-humanista é, também, uma patologia social, que emerge em determinadas situações históricas, e proteger esta patologia já é um sinal de sintoma totalitário em qualquer Estado.

 

O ataque sistemático que os meios de comunicação dominantes tem feito à esfera da Política  (ironicamente reservando para si a dignidade ética da nação), o novo ciclo de enriquecimento dos mais ricos no ajuste recessivo e “austero” promovido no país e na maioria dos estados federados (v. “Valor” D2, 27 ag.), a semeadura do ódio criminoso contra pessoas e instituições, a falta de negociação política para estabilizar  o país entre as principais lideranças nacionais formam um caldo de cultura facilmente apropriável por qualquer tipo de messianismo, tão simplista e de fácil compreensão “das massas”,  como falso e manipulatório. Se isso prosperar, o resultado é previsível: novo ciclo autoritário e radicalização da violência, Por dentro e por fora do Estado.

 

- Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

 

http://www.sul21.com.br/jornal/o-boneco-protegido/

https://www.alainet.org/pt/articulo/172073
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