Problemas da luta pela reforma política
- Opinión
Saber utilizar a proposta de estratégia contida em “Mudar para Sair da Crise – Alternativas para o Brasil Voltar a Crescer”, como instrumento chave para levar adiante a tática de mudança do desajuste econômico e de enfrentamento do golpismo reacionário, é provavelmente o desafio mais complexo da atualidade
É evidente que a “institucionalidade” brasileira, como acentua acertadamente o documento “Mudar para Sair da Crise, Alternativas para Voltar a Crescer”1, demanda uma profunda reforma política. Tal reforma deve permitir à sociedade “apropriar-se dos recursos que têm sido capturados pelo poder econômico nos ganhos especulativos sobre a dívida pública e por inúmeros mecanismos de transferências tributárias”. Além disso, deve reforçar a “esfera pública”, a “democracia” e a “política”, corrigindo as “deformações” da “democracia representativa” e do “sistema eleitoral”, cuja “crise de representatividade” “afeta os partidos políticos e o poder legislativo dos três entes federativos, submetidos à mercantilização do voto”.
Em continuidade, “a reforma política ampla e democrática deve assegurar o pluralismo partidário, resguardar o sistema proporcional, fortalecer os partidos e ampliar a liberdade política; implantar um novo sistema de representação político-eleitoral com financiamento público de campanhas e voto em listas partidárias, fortalecer os mecanismos de democracia participativa, direta e representativa, lançar mão de plebiscitos e referendos como mecanismos de decisão democráticos”. Vários desses itens estão presentes na Constituição de 1988, mas jamais foram regulamentados e implementados, sendo transformados em letra morta.
Adicionaríamos que tal reforma deve impedir o financiamento empresarial a partidos e figuras políticas e estabelecer mecanismos de controle que coíbam e punam pesada e exemplarmente os casos de corrupção. A bandeira da luta contra a corrupção não pode ser deixada nas mãos de corruptores e corruptos que a levantam hipocritamente. Ela é vital para impedir que o poder econômico transforme a política num balcão de negócios e desarranje e enxovalhe a institucionalidade democrática e popular.
Por outro lado, embora a reforma política seja estratégica para a realização de um projeto de desenvolvimento econômico e social nacionalmente soberano, nas condições atuais do Brasil, como firma o documento “Mudar para Sair da Crise...”, ela “somente será alcançada com ampla mobilização”. Mobilização que só será possível se as grandes camadas populares do povo brasileiro, assim como parcelas significativas da pequena-burguesia e de frações não financeiras da burguesia forem reconquistadas pelas forças políticas de esquerda, em especial pelo PT.
Argumentando em sentido negativo, seja batalha contra o desajuste econômico e contra a ofensiva da direita for derrotada, isso resultará não só na consolidação do retrocesso político atualmente promovido pela direita, incluindo a revogação de muitos dos direitos políticos e sociais inscritos na Constituição de 1988. Resultará, também, num “desenvolvimento capitalista... cada vez mais subalterno e, certamente, com enorme retrocesso no pouco que conseguimos avançar do ponto de vista do desenvolvimento social e da redução das desigualdades”.
Em tais condições, a perspectiva de “pensar em um cenário global em mutação, na construção de um mundo multipolar onde o Brasil se articula com seus pares”, como “premissa fundamental para as estratégias econômicas internacionais do Brasil”, certamente afundará no mar do reacionarismo neoliberal. E supor que “podem render frutos ações que caminham na direção da consolidação do grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), da Unasul, do Mercosul” não passará de um sonho numa noite de verão.
A perspectiva real é que do lado das forças populares e progressistas seja necessária a adoção de uma total inversão de prioridades. Pode criar-se um longo período de recomposição política, na qual o projeto de desenvolvimento econômico e social soberano, conforme proposto no documento “Mudar para Sair da Crise...” passe a constituir apenas a estratégia básica de “Alternativas para Voltar a Crescer”, que orientará a luta política. Isto é, ao contrário da atualidade, em que as lutas para “sair da crise” da economia e impedir o retrocesso reacionário são prioritárias, as lutas por concessões econômicas por reformas políticas devam conquistar tal prioridade.
Mais do que agora, as lutas por emprego, salários, condições dignas de trabalho, moradia e transporte poderão ganhar proeminência, enquanto as lutas pelas liberdades democráticas singelas, como a liberdade de opinião, expressão, manifestação, religião, opção sexual e outras podem retornar ao patamar em que eram colocadas durante a ditadura. E a luta surda e, depois, aberta, pela convocação de uma assembleia nacional constituinte poderá ser a pauta unificadora da nação. E, quem sabe, talvez a luta pela decretação de uma anistia política tenha que ressurgir.
Os que viveram os anos anteriores ao golpe militar de 1964; depois conviveram com o “milagre econômico” ditatorial dos anos 1970, que mobilizou a simpatia de grandes massas; posteriormente assistiram à crise daquele “milagre”; e ainda mais adiante assistiram e/ou participaram da conflituosa retirada estratégica de “volta aos quartéis”, com sua “distensão lenta e segura”, seguida da “abertura”, e da democratização restrita duramente negociada, talvez se lembrem de como retrocessos econômicos podem resultar em mudanças políticas, e vice-versa, exigindo cuidados redobrados para não cometer erros táticos que podem ser fatais.
A percepção desses problemas, que podem ser creditados à relação entre estratégia e táticas, é um desafio complexo. Dizendo de outro modo: saber utilizar a proposta de estratégia contida em “Mudar para Sair da Crise, Alternativas para o Brasil Voltar a Crescer” como instrumento chave para levar adiante a tática de mudança do desajuste econômico e de enfrentamento do golpismo reacionário, é provavelmente o desafio mais complexo da atualidade. É o sucesso dessa tática que pode recriar as condições para a mobilização indispensável para as reformas políticas.
- Wladimir Pomar é escritor e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate.
Edição 141, 06 outubro 2015
Del mismo autor
- China: não se espantem com seu futuro 16/11/2020
- O caminho chinês 21/04/2020
- Estados Unidos e China: ameaça de guerra? 24/07/2018
- A China em nova etapa 09/11/2017
- Cuba : revolução e reforma 13/10/2016
- Pensando em longo prazo: O que a esquerda tem diante de si 09/09/2016
- Os investimentos estratégicos de que o Brasil precisa 26/10/2015
- Problemas da luta pela reforma política 08/10/2015
- O desafio de articular um projeto de desenvolvimento 07/10/2015
- Outra vez a China 19/08/2015