O 'progressismo' é um fenômeno cíclico?

13/10/2015
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 evo chavez lula correa
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Com mais pirotecnia ideológica que com exame dos fatos, alguns assíduos articulistas se empenham em analisar a chegada de partidos e dirigentes de esquerda a vários governos latino-americanos coincidindo com o recentemente terminado período de alto preço das matérias-primas para, em seguida, definir essa conjuntura como um “ciclo” e sentenciar que este já se esgotou. Essa imaginativa suposição contém mais simplificações e erros que outras fantasias do gênero.

 

Para começar, de onde tiram a ideia de que o lapso entre a primeira eleição de Hugo Chávez e a provável reeleição do kirchnerismo este ano constitui um “ciclo”? O argumento é reiterado, mas carece de substância. Evitam dizer isso também quais foram os ciclos prévios e os prováveis ciclos seguintes, suas formas de sucessão e as conclusões práticas do caso. Devido à falta de uma melhor análise dos processos envolvidos, a palavrinha consegue adotar um verniz doutoral, enquanto o senso comum jaz através desse esquema.

 

Tais articulistas omitem o fato de que o boom das commodities também afetou o México, a Colômbia e o Peru, associando-se a governos do signo político oposto (considerando que o Peru envolve também a traição de um governo eleito graças a um programa progressista, que logo trocou de camiseta). Além disso, em outras nações, como Honduras e Paraguai, o mesmo boom foi acompanhado de golpes de Estado de direita. Não há, portanto, um vínculo entre o preço das matérias-primas e o progressismo. O que houve em realidade foi que os países onde a esquerda governa aproveitaram os benefícios desses preços para resolver os problemas sociais, em contraste com a apropriação privada que se via em outros países.

 

Outro descobrimento dos articulistas é que a queda do preço das matérias-primas antecipa graves problemas, pois afetará as políticas sociais impulsionadas pelos governos “progressistas”. Em consequência disso, sua base de apoio desertará e apoiará a direita nas próximas eleições. Por acaso, os atuais governos de direita estarão isentos das mesmas consequências? Para que onde imigrarão essas bases?

 

Eles afirmam que esta iminente crise será oportuna para aposentar o modelo econômico atual, mas não para abandonar o capitalismo, somente o modelo extrativista, de prosperar mediante a exportação de commodities. Com isso, se poderá empreender as reformas estruturais não realizadas ou iniciadas com demasiada timidez. Mas evitam falar sobre como essas reformas poderão ser realizadas e sustentadas em países onde a esquerda chegou ao poder mas carece de controle sobre os poderes legislativo e judiciário, ou onde ela é minoria dentro dos governos locais.

 

Especialmente, não falam que esse acesso da esquerda ao poder não resultou num processo revolucionário. Na verdade, ele foi fruto da rejeição dos eleitores às consequências sociais das políticas neoliberais do passado, e do repúdio aos políticos tradicionais que as implantaram, contra a vontade de uma cidadania que não estava disposta a assumir os riscos – imediato e de longo prazo – de um assalto dos movimentos populares ao poder.

 

Os governos “progressistas” latino-americanos chegaram ao governo – e não necessariamente ao poder – através de processos eleitorais que venceram apesar do sistema político vigente, dentro das regras estabelecidas pelo regime oligárquico e neocolonial. Assumiram governos que estavam em graves problemas financeiros, e nesse contexto tiveram que reforçar seus compromissos com os eleitores, de resolver as maiores urgências sociais da população.

 

Nada foi mais oportuno do que aproveitar o boom para obter recursos em favor dos necessários investimentos sociais, sabendo que, paralelamente, era preciso melhorar as regras e políticas ambientais e obter fontes de recursos para impulsar um desenvolvimento mais inclusivo e equitativo. Obviamente, os resultados diferentes em cada país, já que são realidades e processos históricos e políticos diferentes. Chamá-los de “progressistas” é apelar a uma jogada linguística que – como o “populista”, que a direita gosta de usar para rotular a esquerda – é suficientemente indefinido para incluir toda essa heterogeneidade. Mas o afã de impor uma definição comum não expressa um interesse acadêmico útil, mas sim a vontade de simplificar os termos e contrapor o “progressismo” com a “autêntica” esquerda, em vez de permitir uma visão onde eles podem ser complementares.

 

Entre essas experiências, há erros e até retrocessos. Mas ninguém pode negar os imensos progressos obtidos em matéria de luta contra a pobreza, direitos cidadãos, emprego e segurança social, etc. Tampouco se pode esquecer o que foi alcançado em termos de recuperação da soberania e criação de mecanismos de solidariedade e cooperação latino-americana. Não que tudo isso seja suficiente, mas a América Latina nunca havia sido tão independente e autodeterminada como agora. Ainda que para esses articulistas não se satisfaçam com isso, é bom lembrar que para a enorme maioria popular, essas mudanças têm sido uma experiência extraordinária. 

 

Por isso mesmo, hoje confrontamos uma poderosa contraofensiva da direita e dos mentores transnacionais para desacreditar e substituir esses governos. Esse esforço tem levado a investimentos de diferentes formas, buscando renovar os recursos políticos e as linguagens midiáticos da direita, incluindo reciclar os métodos que antes serviram para justificar o golpe contra Salvador Allende e impor a contrarrevolução neoliberal em seu país. Essa contraofensiva se sobressai entre as notícias de cada dia em toda a América Latina, mas os articulistas preferem não vê-la, ou procuram omiti-la.

 

- Nils Castro - alainet

 

Tradução: Victor Farinelli

 

Créditos da foto: reprodução

 

14/10/2015

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-progressismo-e-um-fenomeno-ciclico-/6/34734

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/173024?language=es
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