Se sou de esquerda, voto em Scioli

05/11/2015
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Scioli é de direita? Sim. Seremos opositores a um eventual governo seu? Sem dúvidas. Entretanto, no dia 22 de novembro, as pessoas de esquerda terão que votar nele. São quatro as razões para fazer isso, sem titubear.

 

Pela primeira vez na história argentina, chegamos a um segundo turno presidencial com um resultado em aberto. Nas cabines de votação de todo o país, haverá somente duas cédulas: uma celeste, representando a candidatura de Daniel Scioli, outra amarela, simbolizando a de Mauricio Macri (nota tradução: na eleição argentina, o eleitor escolhe entre duas cédulas disponíveis na cabine, a que quer retirar e depositar na urna). Essa escolha será a que definirá o rumo que o país tomará nos próximos anos, e isso exige uma maior claridade na hora de definir esse voto.

 

Pode parecer natural que pessoas de esquerda votem contra Macri. Porém, as principais referências políticas das esquerdas – Nicolás del Caño, Néstor Pitrola, Luis Zamora, Victoria Donda, entre outros – defendem a ideia de que, como ambos os candidatos são de direita, e como seremos opositores de ambos, devemos votar em branco.

 

Existe razão em ambos os pressupostos: Scioli e Macri são de direita e a esquerda certamente vai ser oposição ao próximo governo. Mas isso não significa que as condições políticas para defender as conquistas dos últimos anos, para tomar as ruas, para lutar por mais direitos populares e para construir uma perspectiva socialista sejam as mesmas num governo da Frente para a Vitória (FpV) e num da Proposta Republicana (PRO). Quanto pior, pior.

 

Ser de esquerda

 

A atitude da esquerda neste segundo turno, não pode ser derivada de uma questão ideológica abstrata, mas sim de uma compreensão política do que significaria um governo do PRO para os interesses dos trabalhadores, para a defesa da soberania nacional e para as perspectivas da integração continental. De uma análise concreta da situação. Ser de esquerda é entender a ideologia e especialmente o marxismo como um guia para a ação, não um conjunto de ideias separadas da prática política, da vida concreta da classe trabalhadora e do povo argentino e latino-americano.

 

É preciso fazer um balanço da política da esquerda ao longo da experiência kirchnerista, e como ela posicionou uma ala esquerda do antikirchnerismo ao lado das forças mais reacionárias do país.

 

O fato de o governo ter perdido o “conflito do campo” tem um peso, assim como a não nacionalização do comércio exterior de grãos. A aposta na Lei de Meios foi importante, embora não tenha arranhado a hegemonia do Clarín. A recuperação do controle estatal sobre a YPF é vital, ainda quando a empresa siga sendo uma sociedade anônima. A estatização das antigas AFJP (fundos de previdência privada) foi um avanço, mas não houve reforma à Lei de Entidades Financeiras. Ainda assim, não dá no mesmo um novo governo da FpV ou um do PRO, ainda que ambos representem uma guinada à direita, ainda que sejamos opositores de qualquer um dos dois.

 

Por outro lado, as responsabilidades da dirigência do FpV neste desenlace são claras: algumas conjunturais, pela imposição de um candidato “conservador” que não contagiou nem aos próprios nem aos alheios, e que na primeira oportunidade buscará derrubar a fração kirchnerista da condução do peronismo, outras estruturais – que devem ser debatidas nos próximos meses e anos –, referentes às limitações de qualquer “capitalismo sério” para garantir a independência econômica, a soberania política e a justiça social, assim como as de uma construção política apoiada nas estruturas do Partido Justicialista (PJ) organicamente associadas à oligarquia.

 

As quatro razões para votar contra o PRO

 

1. A política exterior

 

No contexto latino-americano, um governo do PRO se subordinaria à política norte-americana, de aberta hostilidade para com os governos populares da Venezuela, da Bolívia, de Cuba e do Equador. Enfrentaria abertamente o bloco da ALBA e trabalharia por um retrocesso dos níveis de integração sul-americana alcançados nos últimos dez anos, como a criação da Unasul e da CELAC.

 

2. A política econômica

 

O programa econômico apresentado pelos economistas do PRO é exatamente o que pretendem os grandes empresários: desvalorização, eliminação das taxas, queda dos impostos para os grandes capitais, ajuste fiscal, endividamento externo, abertura econômica. É um programa que sacrifica a uma parte considerável do nosso povo em favor das necessidades de “competitividade” de alguns poucos integrantes do poder econômico. A pior versão do capitalismo, que para muitos argentinos e argentinas é a diferença entre cair ou não na pobreza e na indigência.

 

3. As conquistas populares destes 12 anos

 

Na campanha eleitoral, Macri deu uma reviravolta de 180 graus, mas se não queremos pecar pela ingenuidade, basta recordar qual foi a posição concreta do PRO em todos os debates determinantes dos últimos anos. Estiveram contra as políticas de memória, verdade e justiça, contra a Lei de Meios, contra a nacionalização da YPF e das AFJP, da Contribuição Universal por Filho (espécie de Bolsa Família argentino), contra a Lei de Matrimônio Igualitário, pensaram até mesmo em pagar os fundos abutres, sem questionar os injustos termos determinados pela justiça norte-americana.

 

4. A volta da cartilha neoliberal ao governo

 

O PRO é uma força política abertamente neoliberal e empresarial. Isso não quer dizer que um governo seu repetiria exatamente o que aconteceu nos Anos 90. Mas, sem dúvidas, tentará impor valores como a “eficiência” e a “modernização” do Estado para justificar políticas de ajuste, a política como “gestão sem ideologia”, para desalentar a militância e estimular a despolitização social, o mercado como regulador das relações sociais e fornecedor das oportunidades para todos como cobertura do capitalismo selvagem, o individualismo e os valores empresariais como referências sociais, e por aí vai.

 

Por essas razões, é um erro grave pensar que se trata de duas opções similares. E portanto não basta somente dizer e argumentar isso da melhor maneira possível, mas se propor a convencer todas as pessoas de que no dia 22 de novembro é necessário votar em Scioli. No trabalho, na família, no bairro, no clube, nas redes sociais, no mercado, no trem, na escola, nos ônibus, nas arquibancadas, nas faculdades, nos meios de comunicação, no táxi, onde for.

 

Nos momentos determinantes da história nacional, ser de esquerda não pode significar ser indiferente. Este é um deles.

 

Tradução: Victor Farinelli

 

04/11/2015

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Se-sou-de-esquerda-voto-em-Scioli/6/34901

https://www.alainet.org/pt/articulo/173440
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