Os retrocessos de CLACSO

16/11/2015
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Clacso completa tres anos de um novo mandato sofrendo um processo de enormes retrocessos. Despareceu da esfera publica, tanto da politica quanto da intelectual, justamente quando mais se necessita do pensamento critico latino-americano. Ao mesmo tempo que aboliu ou reduzir enormemente a importância de iniciativas que promoviam a imagem do pensamento critico, seus autores clássicos, os debates mais importantes. Justamente quando o continente mais necessita do seu pensamento critico, Clacso retrocedeu, deixou de convocar os grandes debates, seus dirigentes ficaram no anonimato.

 

E’ como se Clacso tivesse pasado pelo mesmo processo de esvaziamento do Foruns Social Mundiais, que só existem que se realizam os Foruns, a cada dois ou tres anos. Clacso só aparece a cada tres anos, quando realiza sua Assmbleia Geral, depois volta para seu  triste anonimato. Clacso necessitaria ter na sua direção alguém que estivesse presente, diariamente, em todas as lutas de ideias, as lutas sociais e culturais, do continente.

 

O que aconteceu com Clacso nestes últimos tres anos, que so aparece na hora da Assembleia Geral? Deveria ser um tema de debate público, porque Clacso ja teve um papel publico importante até o passado recente, é uma perda que tenha deixado de exercer esse papel.

 

Ocorreu um processo de burocratização acentuado de Clacso. Depois de ter sido uma entidade fundamental para o pensamento critico latino-americano, um papel de vanguarda ao longo de mais de quatro décadas, se eclipsou totalmente, ficou reduzida a uma instituição de baixo perfil, perdento toda sua de  projeção publica

 

Mais recentemente, quando eu assumi a Secretaria Geral (o cargo de direção máxima da entidade), tratei de levar a experiência brasileira para Clacso, desenvolvendo um processo de democratização e de projeção da instituição.

 

Descentralizando a direção, retomando o cargo de Secretaria Executivo adjunto, promovendo uma participação maior dos centros. Foi criada uma revista – Critica e emancipação -, com uma direção coletiva, que passou a ter uma função importante. Com longas entrevistas iniciais com grandes pensadores latino-americanos, dossies sobre importantes temas teóricos e políticos, artigos sobre revistas latinoamericanas, resenhas polemicas, tradução de artigos significativos, entre outras secções.

 

Foi criada uma coleção de Clássicos do Pensamento  Critico latinoameriano, com a publicação de obras dos maiores pensadores do continente, resgatando suas obras, organizadas por um especialista, com introduções às suas obras. Criamos os Cadernos do Pensamento Critico, publicação mensal inserta nos Le Monde Diplomatique de vários países do continente, além do Pagina 12 da Argentina e do La Jornada do Mexico, com artigos de vários intelectuais em cada numero.

 

Foi fortalecida a publicação de livros, aumentando a quantidade de títulos e sua divulgação, mediante coedições com editoras de outros paises. Tivemos o orgulho de, entre outros, publicar vários livros de Alvaro Garcia Linera, o intelectual símbolo e referencia para todo o mandato que realizamos, porque representa o modelo de intelectual que aspiramos. Atividades essas que ajudaram a projetar o pensamento critico e a própria instituição – Clacso.

 

Tratei de marcar a presença da instituição pela constante publicação de artigos, de entrevistas, dos eventos que realizamos. Isso permitiu uma projeção nunca antes conseguida por Clacso, o que fez com que eu pudesse, inumeras vezes, ser recebido pelos presidentes latino-americanos de todos os países progressistas.

 

Foi realizada uma Assembleia Geral em Cochabamba, aberta pelo Evo Morales e concluída pelo Alvaro Garcia Linera, um momento auge da trajetória de Clacso.

 

Como resultado do fortalecimento politico e intelectual de Clacso, foram obtidos os recursos que permitiram que a instituição comprasse uma sede própria, no meu mandato, pela primeira vez na sua historia. Um casarão reformado, muito bonito, que é a própria expressão do crescimento de Clacso naquele mandato.

 

A adesão a Clacso se estendeu muito, superando os 400 centros. Pela primeira vez foram feitas varias atividades no Haiti, pais até ali esquecido, incluída a organização, planejada ha muito tempo, de um curso de posgraducao. Incorporamos centros da Europa  dos EUA, entre outros.

 

Sem me estender mais com referencia a outras atividades – essas bastam para ver como a democratização e o fortalecimento da presença na esfera publica são determinantes para o sucesso de uma instituição como Clacso – tenho que me deter um pouco para explicar porque a instituição se eclipsou desde então.

 

Depois de tentar a escolha de uma intelectual de outra região do continente para dar continuidade ao trabalho – considerando que as contribuições que era possível dar a partir do Brasil em Clacso estavam terminadas  e que nao valia a pena voltar a ter um dirigente argentino, porque as contriguicoes desse pais a Clacso também tinham se esgotado-, renovando-o, ao não encontrar um nome com apoio suficiente, aquele que havia trabalhado quase vinte anos comigo, como meu segundo, assumiu um mandato, com o compromisso de colocar em pratica essa decisão de encontrar coletivamente o nome de uma intelectual de outra região, para seguir na direção de Clacso.

 

Infelizmente não foi nada do que aconteceu. Como acontece em vários casos, quando uma pessoa de segundo escalão assume um cargo de direção politica, se revela não estar à altura dessas responsabilidades  e, ao invés de dar um salto na sua trajetória, mostra que a pratica de atividades administrativas por um longo tempo consolidarem no seu estilo de trabalho uma marca burocrática insuperável.

 

O poder foi reconcentrado nas suas mãos, cancelando o cargo de Secretaria Executivo adjunto, revelando não aprender a importância da socialização da direção, o que so contribuiu para o empobrecimento do trabalho. Excluiu da Secretaria Executiva as pessoas que pudessem ter uma convivência mais criativa com ele, mediocrizando o trabalho.

 

A revista perdeu todo o seu caráter de vanguarda, deixou de ter versão impressa, a publicação de livros diminuiu e praticamente foi reduzida a versões pela internet. Alvaro Garcia Linera nunca mais foi publicado, para dar um exemplo simbólico. A coleção de clássicos deixou de ser publicada.

 

O novo dirigente de Clacso seguiu desenvolvendo as atividades que realizava antes como segundo, ficando vazio o cargo de direção politica e intelectual de Clacso. Desapareceu a presença de quem a dirigia por meio de artigos, de entrevistas, de participação nos maiores eventos do continente. O novo dirigente nunca foi recebido por nenhum dos presidentes dos paises progressistas, que nem sequer o conhecem e sabem o que aconteceu com Clacso.

 

(Chaco Alvarez, um dos argentinos que mais conhecem a America Latina, me perguntou se Clacso havia acabado, porque nunca mais tinha ouvido falar dela. Quando eu lhe explique o que tinha acontecido, ele me perguntou quem a dirigia, eu lhe disse e ele me perguntou: - E de que pais ele é. Tristemente se trata de um argentino, desconhecido até no seu pais.)

 

Houve retrocessos em todos os planos, com a perda de Clacso como entidade do pensamento critico, na mobilização e contribuição do pensamento critico para ajudar a enfrentar as dificuldades que o continente enfrenta.

 

Clacso deixou de pronunciar-se politicamente. Nem sobre a morte de Hugo Chavez, nem sobre o caso do avião de Evo Morales na Europa, nem sobre os escândalos da Chevron no Equador, nem sobre os fundos abutre na Argentina, nem sobre tantas coisas importantes que ocorreram no continente nesses tres anos. Clacso nunca expressou publicamente seu apoio aos governos progressistas do continente nem ao da Dilma, nem ao da Cristina, nem a todos os demais. Clacso deixou de participar de entidades de supervisão democrática nas eleições em países como Honduras, Paraguai, Haiti, como fazia anteriormente.

 

Em suma, Clacso desapareceu da esfera publica, porque foi submetida a um processo de burocratização, fatal para a criatividade do pensamento critico. Um processo que diminuiu radicalmente a projeção da entidade, que mediocrizou sua atuação, que a fez se parecer mais a uma outra entidade acadêmica qualquer, renunciando a suas particularidades de vanguarda do pensamento critico latino-americano.

 

Como um dos resultados, ao invés de renovar Clacso com a eleição de uma intelectual de outra região da America Latina, se repete o mesmo, se dá continuidade burocraticamente à mesma direção, sem dizer porque se pretende um novo mandato, depois do medíocre mandato realizado.

 

Tentei desenvolver este debate pelos canais anteriormente existentes em Clacso, mas houve uma repressão autoritária, porque o burocrata so consegue manter seu cargo com a ausência de debate democrático e de questionamento das suas formas de atuação.

 

E’ uma pena, uma perda, não era necessário que tivesse sido assim. Cada um tem seu estilo, mas so através do trabalho coletivo, agregando e nao excluindo gente, é que se poderia ter mantido o nível de importância e de projeção da instituição. Se trilhou o caminho oposto. A  burocratização é uma vitória de Sisifo, na verdade uma derrota. Triste que quem assume essa postura burocrática nao apenas diminua a instituição, como se torne ele mesmo menor do que quando assumiu a função. E’ uma pessoa anônima, que por mais que faça, nao passa de um burocrata, sem ideias, nem projeção. Pode ser um bom organizador de programas, de eventos, de viagens. Mas nunca passará disso, será sempre um burocrata, sem capacidade de direção politica e intelectual. Tomando as palavras de Marx, não pode dirigir, tem que ser dirigido.  E na ausência de quem o dirija, fica o vazio politico e intelectual.

 

 A instituição sobreviverá, ainda que com uma herança pesada a ser superada, mas as pessoas anônimas desaparecerão.

 

O pensamento critico latino-americano sente a falta de Clacso, mas não se detem, porque as necessidades da realidade se impõem. Grandes eventos foram realizados, grandes contribuições foram produzidas, importantes obras publicadas, todas sem Clacso, porque a instituição se eclipsou. Os nomes de maior referencia na articulação entre pensamento critico e acao politica, como Alvaro Garcia Linera e Rafael Correa, levam adiante o pensamento critico, o pratica, o promovem.

 

Esses problemas ainda podem ser superados, se Clacso passar por um amplo processo de democratização, a começar por um grande debate sobre a situação atual da America Latina, do pensamento critico e de Clacso. Que permita recuperar o prestigio e os espaços perdidos pela instituição nestes últimos tres anos.

 

No momento em que a America Latina enfrenta grandes problemas e precisa, mais do que nunca, do seu pensamento critico, a ausência de Clacso é grave. Se mudar suas orientações poderá contribuir. Senão seguira’ relegada à sua instranscendência atual.

 

Mas o pensamento critico segue adiante, com outros espaços e protagonistas, sem ser prisioneiro de praticas burocráticas e esvaziadas de ideias.   A realidade da elaboração de ideias é mais forte que instituições que se estancam no tempo. Os próximos anos terão grandes eventos do pensamento critico, que expressarão o seu vigor e a sua capacidade de reflexão e de propostas a partir da vida realidade concreta.

https://www.alainet.org/pt/articulo/173628
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