Justiça nega reintegração de posse das escolas ocupadas em São Paulo

26/11/2015
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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil defensora e representantes do upes
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Os mandados judiciais de reintegração de posse expulsando multidões pobres de prédios e terrenos urbanos e rurais, ocupados por gente pobre necessitada de um espaço vital para simplesmente sobreviver, já entraram para o cotidiano das notícias como uma realidade despida de interesse e atenção da maioria das pessoas, embora revelem um efeito dramático de injustiça social.

 

A recente ocupação de algumas escolas de São Paulo pelas/os suas/seus próprias/os alunas/os, e a ação de reintegração de posse proposta pelo Estado ter sido recebida pelo Poder Judiciário, sob indeferimento da liminar pleiteada, mantendo ocupados os estabelecimentos de ensino, reacendeu esse interesse e essa atenção. Ela permite alguns juízos críticos de extraordinário significado para se avaliar a possibilidade, aberta pela lei, de as/os juízas/es determinarem a execução de liminares possessórias sem darem chance ao chamado princípio do contraditório, uma recomendação constitucional de quem é ré/u de algum processo ser ouvida/o e poder se defender.

 

Pela notícia do que aconteceu em São Paulo, feita pelo jornal El País transcrita no IHU notícias de 24 deste novembro, está em causa o seguinte:

 

“O Tribunal de Justiça de São Paulo negou, nesta segunda-feira, o pedido liminar do Estado que pretendia levar a cabo a reintegração de posse das escolas estaduais ocupadas por estudantes na cidade em protesto contra reorganização escolar do Governo Alckmin, que pode fechar mais de 90 estabelecimentos. Para os desembargadores que julgaram a decisão, as ocupações “não envolvem questão possessória, pois o objetivo dos estudantes é apenas fazer com que o Estado abra discussão sobre o projeto de reorganização da rede de ensino”, segundo nota do TJ. A decisão foi unânime e vale somente para as escolas da capital.”

 

Mesmo longe dos acontecimentos, como é o nosso caso, se a circunstância de as ocupações foram causadas pela pretensão do governo do Estado fechar cerca de noventa das escolas, há razão justificadamente suficiente para se retirar algumas conclusões sobre essa decisão judicial.

 

A primeira, a de ser muito raro, não só em ações possessórias, como em muitas outras, as decisões judiciais liminares – às vezes com efeitos sociais os mais danosos – levarem em consideração a diferença existente entre legitimidade e legalidade. É visível, no caso, o acerto do Tribunal em ter dado preferência à primeira, mesmo sob a aparente ilegalidade da ação organizada pelas/es estudantes nessas escolas. Ficava em sério risco o direito humano fundamental social da educação, se o julgado acolhesse o pedido do Estado.

 

A segunda, o fato de o Poder Judiciário ter reservado um cuidado bem maior para deferir a execução de mandados com a força inerente a essas liminares, dependendo de quem vai sofrer os seus efeitos. Para esse Poder, parece que uma coisa, não merecedora de mais detida análise, é despejar gente pobre sem-terra e sem-teto, de latifúndios rurais e urbanos ocupados, outra a de mandar a polícia usar do seu tradicional e nem sempre legítimo e legal poder de força e violência contra filhas/os de pais e mães de outra classe social, com terra e com teto.

 

A terceira, a de desmentir o juízo superficial e reducionista de ter se ausentado de qualquer motivação das atividades juvenis, outra inspiração que não seja exclusivamente individual, baseada tão só no interesse próprio, leviana, inconsequente, pueril afirmação da própria personalidade. Estudantes que ocuparam essas escolas têm consciência ético-social.

 

A quarta, a de se atribuir à juventude uma incapacidade para formar juízo adequado da realidade e, diante de injustiças presentes ou potenciais, tomar-se da coragem necessária para pensar, sentir e agir de imediato em sentido decididamente contrário, de forma coletivamente organizada, sem se acomodar à espera da iniciativa alheia, venha essa a ser (in)suficiente e (in)capaz, de suprir-lhe a omissão.

 

Acima de tudo, porém, o acontecimento confirmou uma antiga e nunca demais repetida lição de Paulo Freire: só se ensina mesmo aprendendo. São Paulo está aprendendo, com jovens dando aula, por sua própria e ousada iniciativa, de um direito fundamental social, como é o da educação.

 

Merecedor de uma prioridade de respeito e garantia de tal ordem, por parte da administração pública, das escolas, professoras/es, pais e mães de alunas/os, sociedade civil como um tudo, o direito à educação jamais deveria ser tratado sem conhecimento e participação, mesmo por via representativa, de quem é o seu verdadeiro titular, ou seja, quem é, ao mesmo tempo, a finalidade e a/o sujeita/o desse direito, o ser humano da presente e das futuras gerações.

 

Tanto se fala em democracia participativa, quanto se a prorroga indefinifidamente. A decisão judicial de São Paulo, desta vez, assimilou muito bem o recado cívico-político das/os estudantes de lá.

 

https://rsurgente.wordpress.com/

https://www.alainet.org/pt/articulo/173858
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