Seminário Regional sobre Agroecologia na América Latina e Caribe

26/11/2015
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Neste artigo, Paulo Petersen e Flavia Londres, da AS-PTA e da Articulação Nacional de Agroecologia, respectivamente, retomam os principais conteúdos debatidos durante o Seminário Regional sobre Agroecologia na América Latina e Caribe, realizado em Brasília entre os dias 24 e 26 de junho, e apontam os compromissos assumidos por FAO, governos da região, representantes da Academia e da sociedade civil organizada para promover ações e políticas que tenham como objetivo fortalecer a produção familiar, camponesa e indígina e a segurança alimentar por meio da agroecologia.

 

No bojo do Ano Internacional da Agricultura Familiar, em setembro de 2014, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) promoveu em Roma o Simpósio Internacional sobre Agroecologia e Segurança Alimentar e Nutricional.[1] A iniciativa da FAO configura um duplo reconhecimento oficial, assim expresso nas palavras do seu Diretor-Geral, o brasileiro José Graziano da Silva:

 

1) A grave crise alimentar experimentada ao longo dos últimos anos demonstra que a segurança alimentar mundial não poderá ser alcançada e mantida pelos mercados internacionais de commodities. A crise tem gerado um amplo consenso de que uma agricultura familiar vibrante é a chave para que os mercados internos sejam abastecidos e que empregos e renda sejam gerados nas áreas rurais (SILVA, 2014);

 

2) A Agroecologia cresce continuamente, seja do ponto de vista científico, seja nas políticas. Diante da necessária adaptação às mudanças climáticas, ela é uma abordagem que contribuirá para enfrentar o desafio de eliminar a fome e a má nutrição em todas as suas formas de expressão (FAO, 2014).

 

Ao chamar a atenção para a complexidade da atual crise alimentar, que não pode ser compreendida de forma dissociada das crises ambiental, energética, climática e social, esse inédito reconhecimento oficial ressalta o fato de que soluções do tipo mais do mesmo não serão suficientes para equacionar essa conjunção de crises que leva a humanidade a confrontar um dos momentos mais críticos de sua trajetória histórica. Afinal, segundo a própria FAO, a demanda global de alimentos poderia ser plenamente atendida com os atuais volumes produzidos (FAO, 2015). Nesse sentido, os argumentos que defendem que somente o incremento da produção por meio de uma segunda Revolução Verde será capaz de responder às crescentes necessidades alimentares no planeta não conjuminam com o diagnóstico que aponta para a persistência e o aumento da fome em um mundo com abundância de alimentos.

 

A superação desse cenário paradoxal cobra profundas transformações nos sistemas de produção, distribuição e consumo de alimentos. Movimentos sociais e redes da sociedade civil defendem que essas transformações devem ser orientadas pelo princípio político da soberania alimentar dos povos. Na esfera micro, no âmbito das unidades de produção e comunidades rurais, essas transformações devem ser guiadas por racionalidades econômico-ecológicas capazes de superar o viés produtivista imposto pela lógica dos mercados globalizados.

 

Felizmente, essas racionalidades econômicas alternativas não precisam ser inventadas. São elas que historicamente fundamentaram as estratégias de reprodução da agricultura familiar, um universo sociocultural extremamente diverso, responsável pela gestão de 500 milhões de estabelecimentos rurais no mundo.[2] Materializadas em práticas altamente produtivas, sustentáveis, simples, flexíveis, inovadoras, dinâmicas e moldadas segundo as peculiaridades socioecológicas dos locais em que são empregadas, essas estratégias fazem com que a agricu ltura familiar seja reconhecida como o segmento social protagonista na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional, na dinamização das economias locais e na construção da resiliência econômica, ecológica e social das comunidades rurais.

 

Mas para que essas qualidades multifuncionais da agricultura familiar se efetivem e se desenvolvam, é necessário que sejam criadas e consolidadas condições institucionais adequadas. Assegurar o direito dos(as) agricultores(as) de ter acesso aos bens da natureza para que possam reproduzir seus meios e modos de vida é uma das medidas indispensáveis frente às tendências de concentração corporativa das terras e de privatização dos recursos genéticos e hídricos. Além disso, é essencial que as políticas públicas contribuam para impulsionar as virtuosidades da agricultura familiar na gestão dos bens naturais, econômicos e culturais. Isso implica uma profunda reformulação das concepções econômicas que informam as políticas para o desenvolvimento rural. S eja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, a experiência histórica das últimas décadas demonstra que as qualidades positivas da agricultura familiar são restringidas e/ou destruídas sempre que ela é levada a adotar estratégias de reprodução baseadas em economias de escala e dependentes dos pacotes tecnológicos da modernização agrícola que tornam obsoletas as funções dos ecossistemas e da biodiversidade bem como os conhecimentos tradicionais associados.

 

Diante desse contexto político-institucional, os debates promovidos pela FAO sobre a internalização da perspectiva agroecológica nas políticas agrícolas e agrárias assumiram alta relevância no Ano Internacional da Agricultura Familiar. Afinal, a Agroecologia surgiu como enfoque científico-tecnológico justamente ao identificar, sistematizar e apoiar o desenvolvimento de estilos de reprodução de agroecossistemas relativamente autônomos e historicamente garantidos, ao mesmo tempo em que geram múltiplos benefícios para as sociedades contemporâneas (GLIESSMAN, 2000; PLOEG, 2008; 2014).

 

Levando em conta a necessidade de referenciar a perspectiva agroecológica a realidades socioecológicas locais e regionais, a FAO decidiu dar continuidade e aprofundar os debates iniciados em Roma por meio de seminários descentralizados nos continentes. O Seminário Regional sobre Agroecologia da América Latina e Caribe, ocorrido em junho de 2015, em Brasília-DF, contou com a participação de gestores públicos, de acadêmicos e de representantes de organizações e movimentos sociais de 21 países da região.[3] Os conteúdos-chave debatidos n o seminário são apresentados na sequência por meio da reprodução de intervenções realizadas em plenária e de trechos extraídos da declaração final.

 

A emergência e os desafios da institucionalização da Agroecologia na América Latina e Caribe

 

A Agroecologia na região vem sendo construída na prática, há décadas, pelos movimentos sociais de agricultores eagricultoras, camponeses e camponesas, comunidades tradicionais, povos indígenas e originários, pescadores e pescadoras artesanais, pastores e pastoras, coletores e coletoras (SEMINÁRIO, 2015).

 

Ao iniciar ressaltando o protagonismo de movimentos sociais e de ONGs na construção e na defesa da Agroecologia, a declaração do seminário[4] deixa claro que a proposta agroecológica deve ser compreendida como uma reação social crítica e ativa frente aos efeitos socioambientais negativos gerados pelo projeto de modernização agrícola implantado nos países da região a partir da década de 1960. Essa reação mobiliza também parcelas crescentes do campo científico-acadêmico envolvidas na sistematizaç&atild e;o e no desenvolvimento teórico da Agroecologia. Por meio dessa evolução descentralizada, que articula atores de várias esferas sociais, a Agroecologia é hoje concebida como uma prática, como uma ciência e como um movimento social.

 

Em resposta a essas forças sociais instituintes, vários governos da América Latina e Caribe tomaram a iniciativa de criar políticas e programas públicos elaborados segundo diferentes aproximações ao enfoque agroecológico. O seminário constituiu-se uma excelente oportunidade para que essas iniciativas governamentais fossem apresentadas e refletidas criticamente à luz de desafios cruciais que afligem o continente, dentre os quais a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional, a superação da pobreza, a conservação dos ecossistemas e suas funções ecológicas e a adaptação às mudanças climáticas, a participação social na gestão do desenvolvimento rural e a promoção da equidade de gênero e do protagonis mo das mulheres e da juventude.

 

Promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

 

As intervenções no seminário convergiram no sentido de estabelecer fortes conexões teóricas, práticas e políticas entre o princípio da soberania alimentar e o paradigma da Agroecologia. Já na abertura do evento, ao referir-se à produção de alimentos, o Ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Patrus Ananias, ressaltou: Precisamos de quantidade, mas também de qualidade. Precisamos de alimentos que efetivamente promovam a saúde e a vida, e não as doenças e a morte, como estamos vendo por conta do uso de agrotóxicos e sementes transgênicas. Na mesma linha de argumentação, Maria Emília Pacheco, presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no Brasil, denunciou as falsas soluções promovidas por grandes corporações do setor agroalimentar. Segundo sua interpretação, as alternativas oferecidas pelos grandes agentes dos mercados se baseiam no enfoque do nutricionismo e na medicalização dos alimentos. Para ela, graças à intensa participação social na construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, o conceito oficial de segurança alimentar e nutricional incorpora os princípios da soberania alimentar e do direito humano à alimentação regular e saudável. Dessa forma, concluiu, a Política articula-se diretamente com a perspectiva da Agroecologia.

 

Efraín Edmundo Narváez, do Ministério de Agricultura, Pecuária, Aquicultura e Pesca do Equador e representante da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), apontou que a mudança da Constituição no Equador demarcou um caminho para um Estado garantidor do direito das pessoas e coletividades de ter acesso permanente a alimentos seguros e saudáveis, suficientes e nutritivos, preferencialmente produzidos em nível local e em coerência com conhecimentos e tradições culturais. Segundo sua interpretação, os camponeses são os únicos que poderão assegurar alimentos com essas características aos países da região.

 

Concordando com essa visão, Yorlis Luna, representante da Via Campesina da Nicarágua, afirmou que, para falar de soberania alimentar, temos que dar prioridade à agricultura camponesa e à Agroecologia. Por outro lado, não se pode falar de Agroecologia sem falar em soberania alimentar. Para ela, a soberania alimentar é o horizonte, e a Agroecologia é a estratégia operativa.

 

Superação da pobreza

 

Lutamos por mudar as estruturas de produção, com distribuição da terra e da riqueza. Não haverá Agroecologia e planeta sustentável se uns têm muito e outros não têm nada. Com essas palavras, Adriana Mezadri, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e representante brasileira da Alianza, resumiu o vínculo entre a Agroecologia e o desafio de superar a pobreza.

 

Representando a Celac, o equatoriano Efraín Narváes assinalou a importância da criação de políticas que permitam que a Agroecologia seja uma ferramenta para a erradicação da pobreza, destacando a enorme contribuição que traz para as pequenas economias familiares e para a economia dos países. No entanto, para que essas economias possam ser desenvolvidas, é essencial que a agricultura camponesa tenha assegurados seus direitos territoriais. Foi essa a ideia ressaltada pela representante da Via Campesina na Colômbia, Nuri Martinez, ao anunciar a necessidade de uma reforma agrária integral e popular. No mesmo sentido, o ministro brasileiro Patrus Ananias afirmou que é preciso defender o princípio da função social da propriedade e das riquezas.

 

A questão ambiental e as mudanças climáticas

 

Os participantes do seminário foram unânimes quanto aos catastróficos impactos ambientais provocados pela agricultura baseada nos moldes da Revolução Verde. Ressaltaram também a contribuição da Agroecologia para a conservação ambiental, já que suas práticas são baseadas nos ciclos da natureza e se fundam no princípio do cuidado com a recomposição dos recursos necessários à produção. Além disso, os sistemas agroecológicos contribuem para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Clara Nicholls, presidente da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla),[5] apresentou várias evidências empíricas de que os sistemas agroecológicos são mais resistentes a perturbações de origem climática e, quando afetados, exibem maior resiliência sempre que comparados com os sistemas convencionais. Por essa razão, os participantes defendem que os governos e órgãos multilaterais devem alocar recursos para o desenvolvimento da Agroecologia, como parte de políticas climáticas que garantam a soberania alimentar dos povos. Além disso, defendem que devem ser criadas condições institucionais para restringir as práticas de monocultivos, uso de agrotóxicos e concentração da terra de forma a propiciar o escalonamento da produção camponesa de base agroecológica na região latino-americana e Caribe (SEMINÁRIO, 2015).

 

Participação social na gestão do desenvolvimento rural

 

Já em sua primeira recomendação aos Estados e organismos multilaterais, a declaração do seminário aponta a necessidade de que sejam promovidas políticas públicas de fomento à Agroecologia e à soberania alimentar, definidas, executadas e monitoradas com ativa participação dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, assegurando orçamento necessário para sua implementação (SEMINÁRIO, 2015). Como sublinhou a argentina Alicia Alem, do Movimento Agroecológico da América Latina e Caribe (Maela), as políticas públicas para a Agroecologia devem considerar os movimentos sociais como protagonistas.

 

Peter Rosset (EUA), representante da Via Campesina, ressaltou outra dimensão essencial, ao afirmar que uma família pode mudar sua forma de produzir, mas, se não estiver inserida em um processo organizativo, só aquela família muda. Mas se ela fizer parte de um processo construído com intencionalidade por um movimento social, como o “Campesino a Campesino”, esse êxito pode ser traduzido em um processo amplo de transformação social.

 

A colombiana Nuri Martinez, representante da Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc/Via Campesina), lembrou que os movimentos do campo não serão capazes de superar os grandes desafios da atualidade sozinhos, ressaltando a importância da articulação com os movimentos das cidades, com a academia e com os governos.

 

Inovação tecnológica e construção do conhecimento

 

O conhecimento indígena e camponês nutriu os agroecossistemas tradicionais que perduraram através dos séculos e é um ponto de partida estratégico para a construção da Agroecologia, afirmou Clara Nicholls, presidente da Socla. Antonio Gonzalez, da Guatemala, representante do Maela, ressaltou que a Agroecologia não é reducionista nem determinista e que por isso deve ser desenvolvida como ciência a partir de enfoques criativos, integradores e sensíveis às diversidades das agriculturas. Na prática, ela (a Agroecologia) se constrói no território, pelos povos camponeses e indígenas, defendeu.[6]

 

Eric Holt-Gimenez, da ONG Food First (EUA), complementou ao dizer que a história da agricultura não industrial está baseada em técnicas ancestrais, fundadas em grande conhecimento cultural e ambiental. Segundo sua percepção, só recentemente os cientistas se deram conta de que estão lidando com um reservatório de conhecimentos milenares que precisa ser valorizado e desenvolvido por meio de abordagens metodológicas baseadas no diálogo de saberes.

 

Nessa perspectiva, diversas experiências exitosas realizadas no continente apontam caminhos fecundos para a ação integrada entre organizações de agricultores(as) e instituições dedicadas à pesquisa, ao ensino e à extensão. O movimento Campesino a Campesino, muito citado durante todo o seminário, devesua enorme efetividade aos processos coletivos de construção e transmissão de conhecimentos agroecológicos. Para Eric, o movimento caminha sobre dois pés, a inovação e a solidariedade, e duas mãos, a produção de comida e a proteção do meio ambiente.

 

Levando em conta esses princípios, a declaração do seminário recomenda o fomento a dinâmicas territoriais de inovação social e tecnológica por meio da criação e/ou do fortalecimento de núcleos de Agroecologia de caráter interdisciplinar com capacidade de articular processos de ensino, investigação e aprendizagem. Além disso, defende o reconhecimento oficial dos conhecimentos ancestrais e tradicionais, dos saberes locais e das identidades culturais como fundamento da Agroecologia. Para isso, os institutos públicos de pesquisa devem respeitar e valorizar os saberes tradicionais promovendo o diálogo de saberes nos seus programas de pesquisa (SEMINÁRIO, 2015).

 

Promoção da equidade de gênero e do protagonismo das mulheres

 

Representantes de movimentos de mulheres presentes no seminário ressaltaram que o modelo agrícola dominante reforça sistemas de poder patriarcais geradores de violência contra as mulheres e negadores da autonomia política e econômica de jovens e mulheres. Portanto, não condiz com a ideia de sociedades democráticas.

 

Elizabeth Cardoso (Brasil), representando a Marcha Mundial das Mulheres, ressaltou que só avançaremos de fato na construção da Agroecologia se enfrentarmos de frente o machismo que prevalece em nossas instituições, seja as do Estado, seja as da sociedade. E finalizou afirmando: Sem feminismo, não há Agroecologia.

 

O seminário recomendou a instituição de políticas específicas que promovam a organização produtiva das mulheres, apoiando suas iniciativas agroecológicas, fortalecendo a superação dos obstáculos que enfrentam, a sobrecarga de trabalho e a discriminação, reconhecendo o seu papel na promoção da Agroecologia e da soberania alimentar (SEMINÁRIO, 2015).

 

Desdobramentos, perspectivas, desafios

 

Precisamos avançar na articulação de uma agenda regional para o fortalecimento de capacidades para promover a Agroecologia. Este seminário foi exitoso e não podemos parar por aqui. Esta foi a avaliação do evento feita por Tito Diaz, da Secretaria da Conferência Regional da FAO para a América Latina e Caribe e Coordenador da Iniciativa Regional da Agricultura Familiar da FAO. Ao informar que o documento produzido no seminário será examinado na próxima reunião de ministros da agricultura familiar da Celac, reafirmou o apoio da FAO para que os países da região construam uma agenda concreta visando inserir a perspectiva agroecológica em suas políticas públicas.

 

Expectativas na mesma direção foram expressas pelos participantes na declaração final do seminário. O documento recomenda a inclusão da Agroecologia como tema permanente na agenda do grupo de trabalho sobre agricultura familiar e desenvolvimento rural da Celac, ampliando a participação dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada e da academia nesse GT. Além disso, propõe a criação de um grupo de trabalho específico na Reaf sobre Agroecologia e de um programa de intercâmbio sobre Agroecologia e sementes a partir do GT de Agricultura familiar e desenvolvimento rural da Celac (SEMINÁRIO, 2015).

 

Para que a agenda política proposta no documento final do seminário seja consolidada, os participantes instam a FAO a dar continuidade e a aprofundar os debates sobre os processos de institucionalização da perspectiva agroecológica nas políticas públicas e nos marcos legais dos países da região. Para tanto, sugerem que essa agenda seja incorporada de forma prioritária na Conferência Regional da FAO, que será realizada em 2016.

 

Em alinhamento com a Declaração do Fórum Internacional sobre Agroecologia (FORO, 2015), evento que reuniu representantes de movimentos sociais de todos os continentes em fevereiro de 2015, em Nyéléni, no Mali, os representantes da sociedade civil presentes no seminário reiteraram a sua defesa da Agroecologia como enfoque para a promoção de transformações estruturais nos sistemas agroalimentares. Com isso, manifestaram seu rechaço a todas as tentativas de redução da proposta agroecológica a um conjunto de tecnologias destinadas a suavizar os impactos ambientais negativos da agricultura industrial. Nesse sentido, afirmam que as noções de agricultura climaticamente inteligente e de intensificação sustentável que entram em voga no debate internacional não podem ser confundid as com a proposta agroecológica. Tampouco a Agroecologia deve ser reduzida a uma proposta orientada a organizar um nicho de mercado de produtos orgânicos em benefício de poucos produtores e consumidores. A Agroecologia só cumprirá sua função como enfoque orientador de mudanças nas atuais sociedades se for empregada a serviço do fortalecimento da agricultura familiar camponesa, dos povos e comunidades tradicionais e povos indígenas.

 

Referências bibliográficas

 

FAO. Simposio Internacional sobre Agroecología para la Seguridad Alimentaria y Nutrición. Disponível em: <http://www.fao.org/about/meetings/afns/es/>. Acesso em: 10 set. 2015.

 

FAO. Agriculture must change. Consultado em 25 de Outubro de 2015 em: http://www.fao.org/news/story/en/item/278192/icode/

 

FORO INTERNACIONAL DE AGROECOLOGÍA. Declaración. Nyéléni, 2015.

 

GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.

 

PLOEG, J.D van der. Camponeses e impérios alimentares; lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

 

PLOEG, J.D van der. Dez Qualidades da Agricultura Familiar. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2014.

 

SEMINÁRIO REGIONAL SOBRE AGROECOLOGIA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE. Recomendações Finais. Brasília: FAO/MDA, 2015.

 

SILVA, J.G. Forewords. In: FAO. Deep roots. Rome, 2014.

 

Quadro 1: A Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla)

 

A Socla é uma organização científica que tem como objetivo promover a reflexão, a discussão e o intercâmbio de informações sobre a Agroecologia entre pesquisadores e docentes da região. Funcionando como uma rede, interage e potencializa atividades conjuntas com outras sociedades científicas e organizações envolvidas na promoção da Agroecologia. Ao se constituir como referência científica na área, um dos papéis chave da Socla é apoiar o movimento agroecológico na América Latina. Entre os temas estratégicos de pesquisa da Socla, estão: o impacto ecológico dos cultivos transgênicos e dos biocombustíveis, os efeitos das mudanças climáticas na agricultura, os impactos da globalização sobre os sistemas de produção familiar e, em especial, o desenvolvimento teórico e prático das alternativas ao modelo industrial de agricultura.

 

A Socla realiza um congresso regional a cada dois anos e promove cursos de especialização, incluindo um doutorado. Atua também na execução de projetos de pesquisa regionais e mantém grupos de trabalho permanentes sobre variados temas estratégicos que afetam a agricultura latino-americana.

 

Ver em: https://www.socla.co/

 

Quadro 2: Chiloé - território agroecológico com identidade cultural*

 

Chiloé é um arquipélago no Chile constituído por mais de 40 ilhas que abriga sistemas agrícolas altamente peculiares capazes de sustentar milhares de famílias agricultoras em um ambiente aparentemente inóspito. Por suas características socioambientais e a marcante identidade cultural associada ao território, em 2012, a agricultura praticada no arquipélago foi declarada pela FAO como um dos Sistemas Engenhosos do Patrimônio Agrícola Mundial.[7]

 

Com base no expressivo capital simbólico que mobiliza as forças sociais endógenas e valoriza as capacidades localmente construídas, um conjunto de organizações atua em rede na promoção de um projeto de desenvolvimento para o território. Trata-se de uma rede interinstitucional que envolve organizações camponesas, comunidades e governos locais, universidades, pequenas empresas e consumidores em torno da noção de Território de Aprendizagem. As ações estão voltadas para o aprimoramento de sistemas agropecuários tradicionais e o desenvolvimento de variedades locais de batatas resistentes à seca, mas também para a valorização do potencial turístico do arquipélago, com a criação de rotas de tu rismo gerenciadas por agricultores, que recebem remuneração justa.

 

 A experiência de Chiloé evidencia que o desenvolvimento de territórios rurais deve partir dos potenciais e das identidades culturais locais para mobilizar diversos setores da sociedade, fortalecendo as capacidades associativas e de inovação local.

 

*Elaborado a partir de apresentação do pesquisador chileno Carlos Venegas, do Centro de Educación y Tecnología Chiloé (CET-Chiloé)

 


 

[1] O relatório do Simpósio Internacional pode ser acessado em: <http: //www.fao. org / 3 / a-i4327e.pdf>.

 

[2] O universo da agricultura familiar compreende variadas formas de organização social do trabalho (que correspondem a múltiplas identidades culturais), todas estruturadas a partir do controle sobre os principais recursos empregados para a reprodução dos meios de vida.

 

[3] O Seminário foi promovido pela FAO em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil (MDA), no âmbito do Plano de Ação de Agricultura Familiar da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da Reunião Especializada da Agricultura Familiar no Mercosul (Reaf), contando com a colaboração da Aliança para a Soberania Alimentar da América Latina e Caribe (Alianza) e da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla).

 

[4] O documento está disponível na íntegra em: .

 

[5] Para saber mais sobre a Socla, ver Quadro 1.

 

[6] Sobre a perspectiva territorial da Agroecologia no arquipélago de Chiloé, no Chile, ver Quadro 2.

 

[7]Os Sistemas Engenhosos do Patrimônio Agrícola Mundial (GIAHS, na sigla em inglês) são construídos com base no conhecimento e na experiência locais, que refletem a evolução da humanidade, a diversidade do seu conhecimento e sua profunda relação com a natureza.

 

- Paulo Petersen é Coordenador-Executivo da AS-PTA, Membro da Direção da ABA-Agroecologia - aspta@aspta.org.brFlavia Londres é Secretaria Executiva da Articulação Nacional de Agroecologia - flondres@gmail.com

https://www.alainet.org/pt/articulo/173870
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