A apropriação nacional de novos conhecimentos e o desenvolvimento econômico
- Opinión
A partir da geração de novos conhecimentos interpretamos o funcionamento do mundo e compreendemos suas regularidades; a partir dela encontramos soluções aos desafios do desenvolvimento, sejam eles técnicos, econômicos, políticos ou sociais.
O conhecimento, entretanto, não é uma commodity adquirida em uma prateleira e posta em prática automaticamente. Sua construção, que ocorre de forma coletiva, é caracterizada pela lentidão e cumulatividade e ocorre por meio de esforços de pesquisas (em universidades e institutos de pesquisa, mas também em laboratórios de P&D de empresas privadas) e é um recurso vital para o processo de aprendizado.
A constatação de que a posse de conhecimento é fonte de vantagens competitivas fez com que políticas públicas para incentivar sua produção, disseminação e proteção fossem adotadas.
Ao analisarmos, por exemplo, a parte do conhecimento codificada em patentes, verificamos um crescimento, em termos mundiais, dos seus pedidos (conforme explorado no artigo “Propriedade intelectual e a divisão internacional do progresso técnico”), o que é reflexo do fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual instituído pela harmonização das legislações nacionais imposta pela Rodada do Uruguai.
Entretanto, o que argumentam certos autores críticos é que a privatização do conhecimento resulta na redução do processo de difusão e de aprendizado. Se é verdade que um ingrediente importante para o aprendizado é o conhecimento disponível, logo, se ele é mantido em segredo ou protegido por lei, outras empresas não têm acesso ao ingrediente principal para o aprendizado, assim, oportunidades de inovação são reduzidas.
De acordo com Richard Nelson (1), o ‘conhecimento aberto’ é importante para o progresso científico e tecnológico. A história está cheia de exemplos de que o progresso científico e tecnológico foi possível por meio de um sistema no qual o conhecimento estava livre para que fosse replicado ou refutado por meio de novos argumentos e descobertas, em que havia um sistema de propriedade intelectual mais frouxo, conforme sugere Ha-Joon Chang (2).
Interessante notar que os esforços nacionais em ampliar a produção de novos conhecimentos podem ser refletidos pelo percentual de patentes concedidas a residentes. Em outras palavras, usa-se uma aproximação em que quanto mais conhecimentos os residentes produzem, mais eles tendem a documentá-los em patentes.
Se observarmos o caso latino-americano, utilizando dados da OMPI, temos que, em 2012, 2,35% das patentes concedidas pelo Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial foram a residentes no México; 12,90% das patentes concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial foram a residentes no Brasil; e 22,32% das patentes concedidas pelo Instituto Nacional de la Propriedad Industrial foram a residentes na Argentina. Portanto, pode-se verificar que a maior parte do novo conhecimento nos três principais países industriais da América Latina é privatizado por não-residentes.
Outros países têm uma dinâmica oposta. Em 2012, temos: 74,08% das patentes do Korean Intellectual Property Office foram concedidas a residentes na Coreia do Sul; 83,49% das patentes do Patentti-Ja Rekisterihallitus foram concedidas a residentes na Finlândia; e 85,59% das patentes do Patent-och Registreringsverket foram concedidas a residentes na Suécia.
Os dados mostram que há nações onde grande parte do conhecimento gerado e protegido é realizado domesticamente, portanto, parte dos benefícios da sua geração é por elas apropriado. Embora a patente seja decorrente da proteção de invenções, ela por si só não implica necessariamente processos inovativos e também não reflete todo o novo conhecimento gerado no país.
É lógico pensar que o crescimento da renda leva a aumento de recursos disponíveis para utilização em fontes de geração de conhecimento. Entretanto, o que propomos é uma inversão no sentido de causalidade entre renda e geração e apropriação de conhecimento.
De acordo com Joseph Schumpeter (3), o desenvolvimento econômico consiste na geração, aplicação e difusão de novos conhecimentos virtuosamente dentro do sistema econômico. Nesse sentido, a possibilidade de gerar e apropriar conhecimentos por parte de residentes é interpretado não apenas como fonte de geração de novos conhecimentos, como também de apropriação dos ganhos da inovação dentro do território nacional. Assim sendo, um aumento na geração de conhecimentos totais absorvida por residentes é um fator relevante para geração de renda em um sistema econômico.
A figura abaixo corrobora a proposição acima. Para a Coreia, Finlândia e Suécia, o aumento relativo da proporção de conhecimento gerado por residentes (em termos de patentes concedidas) é acompanhado de um aumento na renda per capita nesses países no período 1980-2012.
A validação da proposição também parece encontrar respaldo no caso dos países latino-americanos. Argentina, Brasil e México produzem relativamente pouco conhecimento, o que refletiria sua baixa oportunidade tecnológica e a propensão a inovar. Portanto, o nível de renda desses países seria baixo.
Vemos que a Coreia nos anos 1980 tinha um desempenho parecido ao latino-americano. Entretanto, logra romper com essa lógica. Seria o fato de o país ter apostado na produção de novos conhecimentos?
Se não compreendemos a geração de conhecimento como fator fundamental no processo de desenvolvimento, estamos fadados a permanecer no subdesenvolvimento. Claramente a discussão sobre a geração e difusão de conhecimento e apropriação de seus ganhos deve ser melhor qualificada.
Não nos esqueçamos da relevância do que Celso Furtado (4) chamava de dialética ‘inovação-difusão’ para as discussões do desenvolvimento e do subdesenvolvimento – geração, difusão e apropriação de conhecimento são elementos fundamentais no processo de desenvolvimento de uma sociedade.
Notas:
(1) NELSON, R.. The market economy, and the scientific commons. Research Policy, v. 33, p. 455-471, 2004.
(2) CHANG, H.-J.. Maus samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
(3) SCHUMPETER, J. A.. A Teoria do Desenvolvimento Econômico.São Paulo: Nova Cultural, 1985.
(4) FURTADO, C.. Pequena introdução ao desenvolvimento. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1981.
Os pensamentos e ideias expressos neste trabalho não refletem necessariamente aqueles do INT/MCTI. Os eventuais erros são de inteira responsabilidade dos autores.
- Tulio Chiarini é analista em C&T lotado na Divisão de Estratégia do Instituto Nacional de Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Economista pela UFMG, mestre em economia pela UFRGS, mestre em administração da inovação pela Scuola Superiore Sant’Anna, doutor em teoria econômica pela Unicamp.
- Danilo Sartorello Spinola é doutorando em Economia no Maastricht Economic and Social Research Institute on Innovation and Technology (UNU-MERIT) e pesquisador colaborador no Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) da Unicamp. Economista e sociólogo pela Unicamp, mestre em economia pela Unicamp, foi consultor na CEPAL-UN.