Relatório

A tragédia do Rio Doce a lama, o povo e a água

11/02/2016
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Sumário

 

1. Introdução

 

2. Organização e desenvolvimento das atividades de campo

 

3. Localidades visitadas

3.1. Regência-ES

3.2. Linhares-ES

3.3. Colatina-ES

3.4. Baixo Guandu-ES

3.5. Resplendor-MG

3.6. Conselheiro Pena-MG

3.7. Governador Valadares-MG

3.8. Periquito-MG

3.9. Ipatinga-MG

3.10. Rio Doce/Santa Cruz do Escalvado-MG 21

3.11. Barra Longa-MG24

 

4. Reflexões Preliminares

 

1. INTRODUÇÃO

 

Na tarde do dia cinco de novembro de 2015, ocorreu o rompimento de um dos diques da barragem de rejeitos de mineração de Fundão, localizada em Mariana-MG. A barragem é de responsabilidade da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela companhia anglo-australiana BHP Billiton, que atua desde 1977 na produção de minério de ferro para produção de aço, com empreendimentos nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo (Figuras 1 e 2).

 

O rompimento da barragem de Fundão tem sido considerado por diversas agências de risco (p.e. Bowker Associates) o maior desastre ambiental da história do Brasil. A tragédia provocou 17 mortes de pessoas, dois desaparecimentos e um conjunto incalculável de prejuízos às cidades e povoados das margens do rio Doce e nas extensas áreas rurais ao longo de mais de 500 km do rio Doce (formador da quinta maior bacia do país). Estima-se que foram escoados cerca de 60 bilhões de litros de rejeitos liquefeitos, com impactos ainda mal avaliados até o momento. Com isso, uma série de danos ambientais de altíssima magnitude e prejuízos incalculáveis para o meio físico, biótico e socioeconômico vêm sendo mostrado por jornais, institutos de pesquisa, universidades, órgãos públicos e organizações independentes.

 

As informações divulgadas pela mídia dizem que a lama é composta de água, areia, ferro, resíduos de alumínio, manganês, cromo além das suspeitas de presença de mercúrio. Essas substâncias causam danos à saúde humana, pioram a qualidade da água dos mananciais atingidos; destroem matas ciliares e pesqueiros essenciais à pesca artesanal; asfixiam espécies aquáticas e eliminam micro-organismos do fundo do rio; comprometem faixas de terras nas margens (soterradas por material inerte). A recuperação da biodiversidade pode levar décadas, o assoreamento pode ser irreversível em muitos trechos do leito do Doce, assim como a extinção de espécies típicas do rio pode ser irreversível, como nos diz Ricardo Coelho, ecólogo (UFMG).

 

Como um tsunami, a tragédia atingiu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo (município de Mariana) e pode provocar o surgimento de estranhos desertos de lama. "Esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali”, diz Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Observa que a reconstituição do solo pode levar "até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo solo” e que "nada se constrói ali [pois trata-se de] um material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar".

 

Não causam surpresa as tantas afirmações de estudiosos sobre a irreversibilidade dos danos ambientais, inclusive porque a lama barra a entrada da luz solar, dificulta a oxigenação da água e altera sua composição química causando mortandade de peixes e de outras espécies que vivem nas margens do rio. Por outro lado, a magnitude da tragédia mobiliza agentes públicos do judiciário como nunca antes ocorrera na história ambiental do país. As multas bilionárias impostas a empresas, a ação da Polícia Federal e do Ministério Público tem sido noticiada com frequência na grande mídia nacional e internacional.

 

O volume de rejeitos liberado pelo rompimento da barragem fez surgir um fluxo de lama que rapidamente atingiu as artérias fluviais, causando distúrbios impensáveis na dinâmica dos rios, na sociedade e no meio ambiente. A cerca de 2,5 km do dique, a localidade de Bento Rodrigues foi atingida pela lama 15 minutos após o rompimento, tendo grande parte de sua estrutura urbana destruída. Segundo informações do Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais, os depósitos de rejeitos atingiram mais de 10 metros de altura em alguns pontos do vilarejo. Outras localidades de Mariana também foram atingidas pela lama, com destaque para Paracatu de Baixo, que teve parte das casas soterrada. Aproximadamente 750 pessoas perderam suas casas e as mortes podem chegar a 19.

 

Drenados pelo rio Gualaxo do Norte, parte significativa dos rejeitos chegou ao rio do Carmo e atingiu, posteriormente, o rio Doce, acompanhada por uma onda de cheia que promoveu inundações em diversos trechos, com destaque para a área urbana de Barra Longa-MG. No dia 21 de novembro, a água com os rejeitos alcançou o Oceano Atlântico e se espalhou por uma extensão superior a 10 quilômetros no litoral do Espírito Santo. Os rejeitos depositados agora vão sendo remobilizados paulatinamente pelos processos pluviais e fluviais, mantendo os sedimentos oriundos do rompimento da barragem nas águas do rio Doce por um período de tempo ainda inestimável.

 

As consequências do rompimento da barragem foram enquadradas legalmente como crimes ambientais e a Samarco está sendo responsabilizada judicialmente, em processos, nos quais cada vez mais suas acionistas – Vale e BHP – vêm sendo co-responsabilizadas. Todavia, os laudos oficiais sobre as causas do rompimento ainda não foram concluídos. O momento atual é ainda de esforços técnicos e acadêmicos de entendimento da magnitude das consequências, interpretação das causas e mapeamento de efeitos extensivos e locais, o que, per se, já é algo bastante complexo.

 

O evento de rompimento da barragem coincidiu com os meses finais de execução do projeto “Regionalização transtemporal e a bacia do rio Doce” (financiamento pela Fapemig/Universal-2013), sediado no Laboratório de Estudos Territoriais (LESTE), do Instituto de Geociências da UFMG, em parceria com os grupos de pesquisa (CNPq) “Geomorfologia e Recursos Hídricos” e “TERRA – Temáticas Especiais Relacionadas ao Relevo e à Água”. Dada a importância da tragédia, que atingiu diretamente a calha dos rios Doce, do Carmo e Gualaxo do Norte (recorte espacial do projeto), foi organizada em caráter emergencial uma expedição para percorrer os trechos afetados recolhendo dados primários sociais e ambientais. Um novo eixo de investigação foi aberto no projeto, dando voz às inquietudes geográficas concernentes ao desastre. Este relatório apresenta o diário de bordo da equipe e os resultados preliminares de parte das consequências do rompimento da barragem de Fundão.

 

* Documento completo em PDF

 

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

 

Autoria/equipe da expedição

Miguel Fernandes Felippe – Departamento de Geociências – UFJF

Alfredo Costa – Programa de Pós-Graduação em Geografia – UFMG

Roberto Franco – Pesquisador Convidado

Ralfo Matos – Departamento de Geografia - UFMG

 

Projeto 21405: FUNDEP-UFMG

REGIONALIZAÇÃO TRANSTEMPORAL E A REGIÃO DA BACIA DO RIO DOCE

(Fapemig/Universal-2013)

 

Coordenação

Ralfo Matos – Departamento de Geografia - UFMG

 

Bolsistas

Laís Carneiro Mendes – Curso de Graduação em Geografia - UFJF

Gabriela Reis - Curso de Graduação em Geografia - UFMG

 

Belo Horizonte - MG /Juiz de Fora - MG

Janeiro/2016

https://www.alainet.org/pt/articulo/175330?language=es

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