Emenda Dilma só terá chance com povo na rua
Dilma deve enviar ao Congresso, antes da votação que pode afastá-la, uma emenda propondo nova eleição presidencial em outubro.
- Opinión
Em uma tarde monótona de maio de 1983, lá se vão 33 anos, um jovem e desconhecido deputado que acabava de chegar à Câmara, terno branco e chapéu Panamá, aproximou-se da roda de jornalistas que tentavam pescar notícias no salão verde. A ditadura já perdera os dentes mas planejava, através de seu partido ainda majoritário, o PDS, impor um candidato civil-servil, Paulo Maluf, na eleição indireta de janeiro de 1985. O jovem deputado queria vender um peixe. “Apresentei uma emenda constitucional propondo eleição direta para presidente”. Ninguém exclamou “uau!”. Ouvimos com a cortesia dispensada aos assuntos que não vão virar notícias. Era Dante de Oliveira. Um ano depois a emenda que levou seu nome para a História estava sendo votada, depois do maior movimento de massas até então ocorrido, a campanha das “diretas-já”. Mas se o povo não tivesse perdido o medo e enchido os comícios (chamados por uma frente liderada por PMDB, PT e PSDB) a emenda teria sido arquivada e Dante seria apenas um nome obscuro na lista dos integrantes da legislatura 1983-1986.
Esta digressão é para dizer algo bem simples. A presidente Dilma Rousseff deve, finalmente, enviar ao Congresso, antes da votação que pode afastá-la, uma emenda propondo nova eleição presidencial em outubro. Os beneficiários do golpe vão dizer, ou melhor, já disseram, que é golpe. Golpe contra o golpe? Engraçado é que, para eles, existem dois tipos de pesquisas de opinião. As que convêm e as que não devem ser levadas em conta.
Houve pesquisas convenientes, e que foram exaustivamente citadas na noite de 17 de abril pelos deputados que votaram sim. Eram aquelas que apresentavam altos índices de entrevistados favoráveis ao impeachment. Agora as pesquisas mostram que mais de 60% querem novas eleições, mas estas não valem. Legitimariam o “golpe” da decisão pelo voto popular, ideia que constitui um paradoxo, talvez um oximoro. Golpe pelas urnas é algo como dizer “obscura claridade”. São a favor de novo pleito 62% dos entrevistados pelo IBOPE e 61% dos que foram ouvidos por Vox Populi. Mas estas pesquisas não valem para o bloco de Temer que vai tomar o poder.
Dilma, no entendimento de muitos aliados, perdeu o momento de apresentar a proposta. Agora Temer já conseguiu acomodar em seu barco a maioria das forças políticas, a começar do acordo com o PSDB, que em outras circunstâncias teria vergonha de ficar contra as diretas. O PP foi comprado lá atrás, na semana que antecedeu a votação na Câmara. Democratas e partidos do varejão já estavam na conspiração com o PMDB. Ficariam a favor da emenda, se Cunha deixasse que fosse votada em condições ordinárias, apenas o PT, PC do B, PSOL e Rede. Juntos, ficam longe do quórum de 3/5. E ainda haveria o problema jurídico, os recursos ao STF alegando que os mandatos não podem ser encurtados por emenda constitucional. O momento para um grande acordo em torno de nova eleição, com renúncia de Dilma e de Temer, poderia ter surgido antes da votação do dia 17, embora nada garanta que teria prosperado. Desde setembro do ano passado, quando disse que Dilma dificilmente chegaria ao final do mandato, Temer e o PMDB passaram a pensar apenas na usurpação da Presidência.
Agora, é bom que Dilma mande a emenda, marcando posição e colocando-se em sintonia com a grande maioria da população que, dizem as pesquisas, rejeita um governo ilegítimo e quer nova eleição. Mas para que tenha consequência e não passe de um gesto altivo na saída, Dilma, Lula, PT e aliados teriam que desencadear uma nova campanha pelas diretas. Base social para o arranque existe. Vide os protestos contra o impeachment e as manifestações do Primeiro de Maio. Se o governo Temer começar implementando a agenda que vem anunciando, contribuirá para levar mais gente para a rua. Não é certo que a campanha deslanche num cenário que ainda está por vir, com elementos que ainda não se delinearam claramente. Mas para perder ou ganhar, seria o caminho histórico correto. Ajudaria também a caracterizar como golpistas os que recusarem ao povo o direito de escolher.
Dilma vem emitindo sinais de que se não ficará reclusa no Alvorada, sendo citada aqui e ali numa notinha de rodapé pelo passeio de bicicleta que fez, o livro que está lendo, o por de sol inesquecível que contemplou, para ficar numa lembrança registrada por Lula de seus tempos naquela casa. Estará na luta, e havendo campanha, será protagonista. Vale aqui recordar algumas das coisas que disse, nas linhas e entrelinhas da entrevista em Nova York.
Em uma das respostas afirmou: “Então, eu acredito que, para além do meu mandato - é óbvio que o meu mandato tem importância - mas, para além do meu mandato, tem uma luta que não parará no Brasil, a menos que os golpistas recuem e sejam derrotados imediatamente. Se isso não ocorrer eu te asseguro que esta luta continuará.”
“Por quanto tempo a senhora entende que esse processo pode se arrastar?”, perguntou outro repórter. E ela: “Até que haja uma eleição por voto direto secreto.”
E mais adiante, em outra resposta: “Então, eu não quero dizer que vou lutar 180 dias, estou te dizendo que meu limite de tempo é político. Eu vou lutar até as eleições diretas. Se me afastarem, o que eu não acredito, acho que é muito constrangedor afastar uma pessoa inocente. Eu sou de fato vítima de um processo e, cada vez mais, acho que as pessoas se conscientizam disso.”
Esta era a disposição dela em 22 de abril, já depois da votação na Câmara. Disposição de lutar pelas eleições diretas. Novamente, cada um terá que escolher seu lado.
- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País.
2 de Maio de 2016
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