“Parem de me culpar”: O violento retrato da cultura patriarcal do estupro!
- Opinión
O patriarcalismo é uma chaga que viola a dignidade de qualquer sociedade. Em pleno século XXI ainda somos bombardeados diariamente com conceitos que disseminam a visão masculina do ser social e colocam os atributos do feminino em segundo plano.
Já dissemos, em oportunidades anteriores, que a pregação do ódio como instrumento de dominação reforça o arquétipo de poder do masculino. Amar é visto pelos detentores do poder, como uma característica feminina. Odiar, como manifestação extrema da violência, masculina. O culto à violência que é disseminado pelos grandes meios de comunicação é uma fonte irradiadora de ódio e de opressão masculino, enquanto o amor, traço considerado como feminino, é reificado como peça comercial.
Não faz muito tempo, era fato comum ver a Rede Globo de televisão promover o espancamento de mulheres, personagens vilãs, como um ápice da sua programação, sustentado por elevados índices de audiência. De nada, absolutamente nada, adianta a realização de reportagens tão sensacionalistas como oportunistas sobre a violência aplicada sobre as mulheres, enquanto estes mesmos meios de comunicação continuarem pregando a cultura da violência contra a mulher como uma alternativa válida para suprir os “vácuos criativos” dos seus folhetins. A pregação do ódio e da violência vã educa as pessoas para repetirem este tipo de prática.
A violência contra a mulher é um problema real, escondido, desconsiderado, jogado às sombras do esquecimento público, ao ponto do Congresso chegar a discutir a inviabilização do aborto das vítimas de estupro. Já não basta a criminalização e a violência explícita do não atendimento do aborto em hospitais, o que esteriliza e dilacera o corpo de milhões de mulheres em todo o mundo, agora as próprias vítimas do estupro passam a ser consideradas como rés por segmentos reacionários do Congresso depois de agredidas.
A mais alta representante do poder político do país, democraticamente eleita, também foi vítima reiterada de machismo não tão disfarçado, ao ponto de um dos slogans dos golpistas ter sido a misógina frase “Adeus querida”.
O último caso que chegou à público de violência explícita contra uma mulher indefesa foi o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro, cujo vídeo foi divulgado pelos seus agressores. Infelizmente, tal fato odioso é apenas a ponta do iceberg. A violência física, moral e simbólica contra as mulheres é um fato diário e que, mesmo com a publicação da Lei Maria da Penha e ampliação do número de delegacias da mulher, ainda segue sendo tratado como um problema de menor relevância por um estado eivado de vícios patriarcais. O patriarcalismo está entranhado na sociedade e domina as mais altas esferas econômicas, jurídicas e de poder.
Quando falamos em estupro, esquecemos que os principais agressores não são os psicopatas que desfilam nos programas de televisão. O perfil típico de um estuprador, no Brasil, é branco, de classe média, com emprego estável ou com boa renda, com idade entre 25 e 50 anos, e que pode passar, perfeitamente, como um honrável e admirado cidadão. As principais vítimas, por outro lado, são esposas, irmãs, filhas, crianças, empregadas domésticas ou administrativas, ou outras pessoas que estejam sob o poder dos agressores.
É exatamente por isto que nem um décimo das agressões sexuais chegam a público nas investigações policiais, e milhões de mulheres seguem carregando no seu íntimo a dor e o sofrimento injurioso das agressões recebidas.
Também é de conhecimento notório que até bem pouco tempo o estupro era apenas visto pelo nosso código penal como um “crime contra os costumes”, que poderia ser sanado por meio do casamento entre a vítima e o agressor. Somente em 2009, é que o estupro foi transferido para o capítulo correto e passou a ser considerado como um crime contra a dignidade sexual.
Dignidade, uma palavra tão importante, fundamento da nossa Constituição, com um significado tão edificante, mas que ainda continua sendo desconsiderada em diversos momentos pelos formuladores de políticas públicas e ocupantes das mais altas cortes judiciais do país.
Enquanto considerarmos a violência contra a mulher como algo normal e um problema doméstico, ainda será mantido campo aberto para a inaceitável e criminosa cultura do estupro. Pior ainda, e não serão poucas as vezes que veremos as vítimas sendo agredidas e acusadas de provocadoras do assédio. Infelizmente, esta realidade dura ainda bate todos os dias à nossa porta, exigindo uma imperativa reação!
Publicado em 31 de maio de 2016
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
31/05/2016
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